São quase três décadas de tradição na música pesada, e muitas coisas já aconteceram na jornada desta lendária banda de Estocolmo (SUE). Com seus primeiros dias fortemente vinculados ao death/doom metal tão em voga naqueles tempos, o KATATONIA conseguiu inserir o seu nome entre os favoritos daqueles que seguiam a gigante tríade britânica MY DYING BRIDE, ANATHEMA e PARADISE LOST. E foi justamente assim que eles se tornaram mundialmente conhecidos, especialmente por conta de seus dois primeiros álbuns completos de estúdio, os hoje clássicos Dance Of December Souls (1993) e Brave Murder Day (1996). Porém, com o passar dos anos, toda a paisagem musical que envolvia os gigantes do doom foi sendo alterada. A tríade britânica tomou caminhos antes sequer imaginados, até a cena norueguesa do gothic/doom passou por transformações, e o KATATONIA também não se negou a provar do sabor do vento.
As grandes transformações vivenciadas na música dos fundadores Jonas Renkse e Anders Nyström foram assumindo formas cada vez mais evidentes, e em seu Last Fair Deal Gone Down, de 2001, o KATATONIA já era uma banda completamente transformada. E ainda assim, absolutamente brilhante e incrível. O que fez deles um grupo tão bem sucedido em um cenário que já foi tão catastrófico para tantos outros nomes importantes na música? Em primeiro lugar, o fato de que existe uma espécie de ‘verdade poética’ em tudo aquilo que o KATATONIA toca. Embora os elementos utilizados e toda a sua fórmula musical tenham sido profundamente transformados com o passar dos anos, Renkse e Nyström ainda se rendem aos mesmos instintos e sentimentos na hora de compor, e assim, o KATATONIA permanece como um veículo poético de música e sensações, uma grande máquina capaz de capturar, interpretar, revelar, e até mesmo instigar sentimentos.
Nada disso mudou em City Burials. Essa ainda é a tônica da música destes suecos.
O novo álbum, lançado após um hiato de quatro anos desde The Fall Of Hearts, inicia com a ótima Heart Set To Divide. Sob um ambiente musical triste e contemplativo, a voz de Renkse evoca os versos iniciais, uma espécie de rendição diante do inevitável, para logo desembocar em uma bela conclusão: “Eu abri minha mente para todo o amor abandonado / Você viu minha bandeira branca enquanto nossas sombras se fundiam”. Mesclando ótima poesia com ambientes musicais refinados à exaustão, a canção vai ganhando novos tons e cores enquanto bateria, guitarras e baixo vão tomando seus postos em uma sincronia tão perfeita que chega a arranhar o solo do etéreo.
Se a canção anterior segue pelo caminho que leva da introspecção ao clímax, Behind The Blood segue pela direção contrária, e já começa com as ótimas linhas de guitarra de Anders Nyström e Roger Öjersson, guitarrista do TIAMAT, e que aqui grava o seu primeiro álbum completo de estúdio ao lado do KATATONIA. Com seu clima leve e pop, recheado de boas melodias, Behind The Blood tem muitos requisitos para se tornar uma das favoritas dos fãs, mas, você sabe, existe algo que esperamos em um disco do KATATONIA: Aquelas incríveis passagens climáticas, aquelas canções que criam atmosferas tão densas que parecem que podem ser tocadas com as mãos, e que fazem cada fio de cabelo eriçar durante cada uma das audições do álbum.
Se é esse tipo de sensação que você busca, Lacquer é pedida certa para te agradar. A letra densa e repleta de angústia, a aura musical depressiva, os vocais em camadas, tudo contribui para uma música memorável, daquelas que tocam por horas na sua cabeça, e que insistem em retornar à sua mente muitas e muitas vezes após a primeira audição. Utilizando de elementos diferentes em busca desse mesmo resultado, Vanishers é outra das que cativarão de primeira os fãs de atmosferas tristes e meditativas.
Mesclando elementos que vão do progressivo ao eletrônico, e com muitas referências ao pop puro e simples, o KATATONIA ainda tem ótimas surpresas reservadas aos seus fãs em canções como City Glaciers. Essa, como tantas outras canções já apresentadas por essa banda em sua longa trajetória, mostra o quanto as guitarras podem ser subestimadas no contexto da música rock. Quer dizer, você nem sempre precisa ter toneladas de distorção e notas debulhadas à velocidade da luz para conseguir ótimas e memoráveis linhas de guitarra, e esta é uma lição muito importante que aprendemos aqui. Assim como Daniel Moilanen parece estar desenvolvendo ainda mais a sua tão elogiada técnica na bateria, uma verdadeira aula de arranjos musicais em forma de música. Só faltou escreverem no encarte ‘é assim que se faz’.
Ao passo que ainda tenho que registrar a fantástica Neon Epitaph entre as minhas favoritas, vale lembrar que, como qualquer álbum do KATATONIA, este também fará muita gente torcer o nariz e torcer por um retorno à sonoridade dos primeiros dias. Vale lembrar que aqueles dias já se foram, e que existe mais verdade em uma banda que toca a música que sente, em vez de simplesmente imitar com pobreza um sentimento que já não existe mais. O KATATONIA evoluiu, passou por duras transformações, e hoje atende por uma sonoridade praticamente impossível de ser classificada. Portanto, para aqueles que se apaixonam pela exploração do desconhecido, este será um álbum excitante e indispensável, um dos destaques do ano até agora, e que merece uma audição cuidadosa.
E para estes que ficaram animados, vale lembrar que o disco será lançado no Brasil, via Mindscrape Music. O lançamento nacional, que seria simultâneo com o mundial via Peaceville, precisou ser adiado, por conta de tudo o que acontece no mundo por conta da pandemia.