KOOL METAL FEST – SÃO PAULO (SP)

1° de maio de 2025 – Burning House

Por Daniel Agapito

Fotos: Dmfotossp

 São realmente poucas as bandas que conseguem ter um estilo tão único, tão próprio e que acabam criando um gênero, mesmo que sejam a única banda a executá-lo. Este é o caso do lendário The Accüsed, banda cuja fusão feroz de hardcore punk e thrash – denominado de “splatter rock” por conta dos filmes de “splatter horror” – ajudaria a pavimentar o caminho do que viria a ser o crossover thrash, movimento amado até os dias de hoje. Conhecidos pela carismática Martha Splatterhead, mascote zumbi que em diversas músicas volta da morte para matar pedófilos, fizeram história também ao ser o primeiro lançamento full-length da Earache Records, número de catálogo MOSH 1. Eles continuam na ativa, mas como diversas outras bandas, se dividiram em grupos paralelos, os famosos ‘covers premium’. O The Accüsed A.D. é formado por Alex Sibbald e Blaine Cook, baixista (agora guitarrista) e vocalista que integraram a banda entre 1984 e 1993, em sua ”época de ouro”. Trazidos pelo Kool Metal Fest, uma das grandes forças-motrizes do underground, seria exatamente esta versão “após a morte” que faria sua estreia no Brasil no Dia do Trabalho, logo antes do Bangers Open Air. Ao lado dos reis do splatter, tocariam também diversos nomes conhecidos da cena nacional, sendo eles o Sadistic Messiah, banda do ABC que apresenta um thrash furioso que lembra bem as velharias, o D.E.R., ícone do grind no estado de São Paulo, na ativa desde 1997, Facada, outro ícone do grind, diretamente de Fortaleza, e o D.F.C., o famigerado Distrito Federal Caos, que com mais de 30 anos de estrada, dispensa apresentações. Os serviços começariam cedo no feriado, com as portas abrindo às 15h e o primeiro show marcado para 40 minutos depois. Pouco antes da primeira banda subir ao palco, a Burning House, casa novinha, que abriu agora em janeiro, já estava com bom público, considerando a quantidade de bandas. Desde o primeiro momento, a discotecagem vinha da DJ Bajul Marotta, que apresentou diversas vertentes do metal, mantendo a energia lá no alto durante os intervalos.

O Sadistic Messiah foi o primeiro grupo a assumir o palco, com um pouco de atraso em relação ao horário marcado, mas nada que tenha atrapalhado o fluxo do evento, pois ajudou a casa a encher um pouco mais, dando mais público à banda. Começaram seu show com a faixa-título de seu primeiro álbum, High Voltage Demons, que deu uma boa prévia do que seria o resto da apresentação: riffs rápidos, percussões poderosas e a energia lá no alto. O álbum de 2019 foi novamente contemplado com Antichrist Plague, novamente bastante enérgica. Em 40 minutos de show (um dos mais longos da noite, por sinal), deram um bom panorama de sua discografia, representando Dehumanizing Process (2022) com Skeletons of Mankind, Mentally Deranged e Portals of Malignancy (emendada com Deathmask Inheritance), além de alguns sons novos, Gruesome Fantasies, Tons of Violence e Contamination is Imminent, que por sua vez, fechou a apresentação com um soco no estômago de nostalgia. Mais do que qualquer coisa, mostraram que não se mexe em time que está ganhando, pois conseguem pegar a fórmula que funcionou lá atrás com o thrash e modernizá-la, sem necessariamente ficar remoendo as mesmas ideias que já andavam cansadas 30 anos atrás.

Falando em cansado e 30 anos, há pouco menos que isso, surgia o D.E.R., banda de grind que toca tão forte e tão rápido que você cansa só de assistir. Sua apresentação durou um pouco menos do que a banda que os precedeu, cerca de meia hora – mas foi meia hora de porradaria ininterrupta, era música atrás de música, sem massagem alguma. A banda toda tinha uma energia que parecia ser inesgotável, o guitarrista pulava como um David Lee Roth da antimúsica, o baixista mantinha uma expressão tranquila, mas tocava com uma precisão absurda e o que falar de Thiago Nascimento, o vocalista? Dono da importantíssima Cospe Fogo Gravações, selo que apoia o underground há décadas, ele, apesar de alguns atritos com a iluminação da casa, pedindo algumas vezes para que apagassem a luz branca que os iluminava de frente, mostrou ser incansável, assim como o baterista, que era uma máquina, batia a ponto de dar dó da caixa. Normalmente, quem assume as baquetas do D.E.R. é Barata, que é verdadeiramente desumano, uma máquina, mas seu substituto naquela noite não ficou nem um pouco para trás.

Continuando na linha dos maiores nomes do grindcore tropical, veio o Facada, grupo cearense louvado por grandes nomes da música como João Gordo e Fábio Massari, que inclusive, estava presente. O power trio composto por James (vocal e baixo), Danyel (guitarra) e Vicente (bateria) começou a todo vapor, logo com Muito Pouco Incomoda e Instagrinder, dois petardos absurdos que serão lançados em seu split com o ROT, outra lenda do gênero, Em Sincronia com o Fim do Mundo. A “falação”, interação direta com o público, era mínima, no máximo James gritava o nome da próxima música, mas logo depois voltava a executar as pedradas sonoras, que para quem não ouviu, pareciam dar a sensação de ser atropelado por um ônibus em altíssima velocidade. Outro lançamento futuro foi antecipado, sendo ele o próximo álbum, Truculence, que teve sua faixa-título apresentada.

Além do split e de Truculence, o caos comeu solto com faixas de todos os outros álbuns de estúdio. O Joio foi representado com a faixa que dá seu nome e Tu Vai Cair; o mais recente, Quebrante, com Feliz Ano Novo e Tu Vai Cair; o lendário Nadir, genuinamente um dos melhores lançamentos da história da música nacional, com – dentre outras – a incrivelmente desmotivacional Amanhã Vai Ser Pior e Guarda Esse Mantra pra Ti, fora o full de estreia, Indigesto, com as clássicas 9mm de Redenção e O Cobrador, ambas contando com diversos stage dives. Outro momento notável foi a participação de Túlio, vocalista do D.F.C., que ao declarar que o momento não havia sido ensaiado, disse: “Se eu não acertar agora, acerto com a próxima banda.”

Enfim veio a “próxima banda”, o D.F.C., lenda do crossover thrash, trazendo a destruição às casas de show e denunciando toda a bagunça que rola no nosso Brasil desde 1993, sem medo algum de cutucar a ferida e sair ofendendo a tudo e a todos. Um clima descontraído dominou o show, que era algo bastante descontraído e fluido, com tudo correndo de forma extremamente natural, com um entrosamento incrível entre os membros. Todos estavam claramente se divertindo, seja os fãs que estavam se quebrando com altas rodas na pista, os 4 integrantes em cima do palco ou até os espectadores que subiam no palco e faziam suas melhores imitações de aviões da Embraer, se jogando para cima dos outros com a graça e a finesse de um mergulhador olímpico. Falando em graça e finesse, não podemos falar do Distrito Federal Caos sem falar das músicas poéticas que compuseram o repertório, como a lindíssima Pau no Cu do Capitalismo em Posições Obscenas, que abriu o show, seguida por Sou Mesmo Filho da Puta. Adotando as palavras do próprio vocalista, “todas as músicas do D.F.C. são uma ofensa, um xingamento.” Logo após soltar essa informação, pediu para que os fãs falassem qualquer palavrão, listando um título para cada palavra linda que soltavam, até possivelmente nos dando uma visão do futuro: “Preciso fazer uma música com ‘cara de melão’.”

Entre crowdsurfs, moshs e cantos de “se fode, dê-efe-cê”, tivemos direito a um momento único logo após a execução de Corroído pelo Ódio. De cócoras no chão, Túlio sugeriu que já estava cansado demais para continuar naquele ramo da arte, dizendo que precisava procurar outra atividade, como recitar poemas. Uma fã que estava colada no palco sugeriu o balé clássico e o vocalista mostrou suas habilidades, fazendo um plié digno de “O Lago dos Cisnes”. Depois de um olhar de julgamento sério da fã, ele a convidou a subir no palco e, dito e feito, ela subiu ao palco, tirou o coturno e fez uma demonstração de balé, ao som de uma ópera cantada pelo próprio Túlio. Algumas coisas inacreditáveis só estes shows oferecem, mesmo. Até o Papa Francisco foi alvo de algumas músicas, como Religião e Vai se Foder no Inferno, ambas dedicadas a ele. “Para corroborar com o clima romântico”, veio Vou Chutar a Sua Cara, e para fechar  Molecada 666, “que só não é melhor que as novelas evangélicas da Record”, e que apesar do que muitos acreditam, ela não fala do tinhoso, mas sim das meias oficiais da banda vendidas pelo site da Läjä Records (é ironia, mas as meias existem sim, e são de altíssima qualidade).

Dadas as 8 badaladas do relógio, os nativos de Seattle já se encontravam no palco. Ao longo do dia, os integrantes surgiram do camarim, uma portinha localizada na parte direita da casa, para assistir as bandas de abertura. Este que vos escreve conseguiu trocar algumas palavras com Steve McBeast (baixista) e Blaine Cook (vocal) antes de o show começar, e ambos dividiram duas opiniões: as bandas de abertura foram incríveis (com McBeast especificamente tendo assistido boa parte do show do Facada) e a expectativa do público paulista ser o melhor da turnê até então (que àquela altura havia passado por México e Colômbia e ainda iria ao Chile). O The Accüsed A.D. começou sua aula de splatter rock com Buried Alive, justamente uma faixa de The Return of… Martha Splatterhead, que independente do nome, foi seu primeiro disco. Logo de cara, Blaine mostrou também ter uma baita energia correndo pelo palco, dando umas voadoras nível Karate Kid, e cantando com a mesma força que fazia nos anos 80.

O primeiro bloco do show foi composto majoritariamente por músicas deste mesmo disco, com Show no Mercy e a um tanto chiclete Autopsy fechando a trinca inicial. Começando com um sample presumidamente de algum filme oitentista de terror, veio Slow Death, também daquele álbum, que contou com a ajuda de alguns fãs no palco, dentre eles Diogo Moreschi, vocalista do Red N Hell (saiba mais aqui), que de acordo com o próprio Blaine, trocava correspondência há mais de 20 anos, e um espectador que estava com seu braço imobilizado e em um sling, mas que não deixou sua lesão interromper a farra. Sibbald (guitarra) e seu timbre sujo deram sequência com Wrong Side of the Grave, que veio antes da icônica Martha’s Revenge, que retrata de maneira gráfica a sua (sim, você, caro leitor) morte nas mãos da personagem zumbi.

Fechando o bloco do primeiro álbum, vieram Take My Time, Distractions e Fuckin’ for Bucks, esta última sendo uma poesia digna de um Massacration, começando com os seguintes versos: “Todas vocês, mulheres ricas / estão com sorte / porque a banda está transando / transando por grana”. É realmente uma daquelas músicas que emocionaria sua avó, sabe? Ela realmente resgata o espírito do hard rock com palavras emocionantes como “transar com velhas / é melhor do que usar a mão / e o dinheiro que ganhamos / sustenta a banda”. Com isso, fica a reflexão: como será que receberam o cachê?

Mais um sample ditou o início de The Corpse Walks e o final das músicas do primeiro full, enquanto Blaine, de braços estendidos, imitava um zumbi (ou um cracudo do centro da cidade, honestamente, não sei). Pulando de Grinning like an Undertaker (1990) para Martha Splatterhead’s Maddest Stories Ever Told (1988) vieram Psychomania e The Bag Lady Song, que possivelmente conta a história da prima de um ícone nacional, o homem do saco. Martha Splatterhead, novamente com Moreschi na voz (curiosamente, toda vez que ele subia no palco, Cook corria para cima dele com socos e chutes encenados), interrompeu a sequência de Maddest Stories, que voltou com Inherit the Earth e Starved to Death.

Incluso no Hall da Fama da revista Decibel, faixas de More Fun than an Open Casket Funeral compuseram boa parte da reta final do repertório, começando com Halo of Flies. Falando coisas que impressionariam sua avó, Steve McBeast, que deve estar lá na casa dos 60 anos, decidiu tirar sua camiseta, rendendo gritos dos fãs, enlouquecidos com a forma física quase “schwazneggeresca” do baixista. Logo depois veio o ponto alto da performance toda, M Is for Martha, que viu a roda se intensificar bastante, virando praticamente um liquidificador humano. Fecharam a noite com Bethany Home, Mechanized Death (quando o baixista fingiu que ia jogar seu baixo no meio da roda) e Scotty, todas com a energia lá no alto. Logo depois dos últimos acordes, uma música curiosa soou pelo PA, Así Es la Vida, cover em espanhol da clássica do Sinatra, na voz de David Lee Roth. Uma cena tão prazerosa quanto McBeast sem camisa.

Ao todo, podemos dizer com certeza que todos estes anos de espera valeram a pena para ver uma versão incrivelmente digna do The Accüsed. Ouvir os clássicos cantados pela voz original, com uma das mentes por trás dos riffs lá junto é algo incrível. É tão legal quanto se fosse a formação inteira? Claro que não. Porém, é isso que acontece com todos estes “covers premium”, como o Venom Inc., por exemplo. As bandas que fizeram a abertura dispensam comentários, a equipe do Kool Metal conseguiu reunir um time de estrelas do país inteiro, trazendo peso e velocidade pra dar e vender. A casa também, bem nova (foi aberta em janeiro deste ano), se destacou pela estrutura, iluminação, som e dimensões, certamente se sagrando como um ótimo local para shows de bandas mais “intermediárias”, que não têm público para um Carioca Club, por exemplo, mas ainda assim merecem uma estrutura digna.

Agora, só falta alguém trazer o The Accüsed, sem A.D., para fazer os fãs da banda enlouquecerem mesmo.

Setlist Sadistic Messiah
High Voltage Demons
Antichrist Plague
Skeletons of Mankind
Mentally Deranged
Gruesome Fantasies
Tons of Violence
Death Mask Inheritance/Portal to Malignancy
Contamination Is Imminent

Setlist Facada
Muito Pouco Incomoda
Instagrinder
Socorro
O Joio
Playing With Souls
9mm de Redenção
Tu Vai Cair
Feliz Ano Novo
Descendo Sangue
Emptier
Apocalipse Agora
Cidade Morta
Falta Excesso
Tudo Me Faltará
Truculence
Nadir
O Cobrador
Amanhã Vai Ser Pior
Chovendo Baratas
Guarda Esse Mantra Pra Ti


Setlist The Accüsed A.D.
Buried Alive

Show no Mercy
Autopsy
Slow Death
Wrong Side of the Grave
Martha’s Revenge
Take My Time
Distractions
Fuckin’ 4 Bucks
The Corpse Walks
Psychomania
Bag Lady Song
Martha Splatterhead
Inherit the Earth
Starved to Death
Halo of Flies
M is for Martha
Bethany Home
Scotty

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