Por Daniel Agapito
Fotos: Rafael Andrade
Da última vez em que passaram por terras brasileiras, durante o segundo dia do Summer Breeze Brasil (agora Bangers Open Air) do ano passado, a primeira coisa que Cristina Scabbia disse aos fãs foi que fazia muito tempo que não vinham ao país e que estava com saudade. À época, sua vinda anterior havia sido logo antes da pandemia estourar, em fevereiro de 2020, 4 anos antes. Desta vez, Scabbia e companhia quiseram ter certeza de que matariam a saudade, com seu retorno à América Latina acontecendo menos de um ano depois da anterior. Apesar do curto espaço de tempo entre as vindas, muito mudou desde março de 2024, com não só a saída do guitarrista Diego Cavallotti depois de quase 10 anos de serviço, substituído nos shows por Daniele Salomone. Além disso, haviam lançado seu 10º álbum de inéditas (11º contando Comalies XX), Sleepless Empire, uma das empreitadas mais pesadas, modernas e até experimentais do grupo até então. Em sua resenha para a edição 283 da revista, Daniel Dutra comentou: “Musicalmente, não há desvios dentro daquilo que os italianos têm feito e, claro, se propuseram a fazer aqui, só que desta vez tudo parece mais bem delineado: Ferro, em sua performance mais agressiva e gutural até hoje, fica com as partes mais pesadas e modernas, enquanto Cristina comanda os momentos mais melódicos.” Sobre sua temática, Andrea Ferro disse: “Nosso som é obscuro porque reflete a sociedade em que vivemos”. Já Scabbia, em entrevista a Dutra, explica: “Sleepless Empire é nossa reflexão sobre essa evolução total (tecnológica) e como estamos, especialmente nos dias de hoje, mais conectados do que nunca com o resto do mundo, ao mesmo tempo em que estamos mais distantes da realidade do que nunca!”
Voltando ao show, sua apresentação na capital paulista seria mais uma vez no Carioca Club, casa que já sediou 4 outras performances dos italianos. Lá em 2020, quando fizeram um show descrito por Valtemir Amler como “mais uma vez, saí de uma apresentação dos italianos com um enorme sorriso no rosto, já esperando pela próxima turnê, pelo próximo álbum”, já haviam enchido a casa, e desta vez, os ingressos se esgotaram em pouco mais de dois meses. Talvez, para a próxima, já possam tocar em algum lugar maior ao lado de alguma outra banda de tamanho similar. Outra coisa: gostaria de parabenizar a Overload pelos horários: a casa abriu às 17h30, a banda subiu ao palco às 19h. Não tem coisa melhor do que show que acontece cedo. Chega cedo, sai cedo, vai para casa cedo… Incrível!
Então, pontualmente às 19h as luzes se apagaram, um instrumental introdutório passou pelo sistema de PA, e dava para sentir os batimentos cardíacos de cada uma das mais de mil pessoas se intensificando. O Carioca era tomado por gritos e emoção pura, com Layers of Time, que abriu a noite, sendo ecoada em uníssono. Era óbvio que a conexão que o Lacuna Coil tinha com o público era algo único, que poucos outros grupos têm. No começo, o microfone de Cristina estava quase inaudível, mas os fãs compensaram, cantando a plenos pulmões. Seguiram destacando o penúltimo álbum, Black Anima, executando Reckless, que deixa clara a direção em que o grupo segue nesta nova fase, mantendo os momentos melódicos, comandados por Scabbia, mas quase beirando o metalcore com os guturais pesados de Andrea Ferro.
“Não nos vemos há um tempo, é ótimo estar de volta! Lançamos um disco novo, Sleepless Empire. Essa aqui nos ajuda a passar pela escuridão, se chama Hoisting the Shadow.” Apesar de ser mais nova, todo mundo cantou junto, como se fosse uma das antigas. Assim como no Summer, boa parte do repertório consistiu em faixas dos dois últimos álbuns, que têm um som bem mais pesado do que os “clássicos”. Dos mais antigos, o mais amplamente contemplado foi Comalies, porém, em sua versão modernizada, Comalies XX, que se aproxima mais da sonoridade atual. Apesar destas versões terem animado os fãs, não são a mesma coisa que as originais, já que perdem um pouco da essência. Falando nisso, na sequência veio Tight Rope XX, que trouxe uma dose de nostalgia, mas também nem tanto – era óbvio que os fãs não curtiram as versões novas tanto quanto as antigas. Antes de tocarem Kill the Light, com a casa tão absurdamente empanturrada de gente que mal dava para andar, Cristina fez um pedido que parecia ser simples: “Quero ver vocês pularem!” E não é que boa parte do público pulou? Se sair alguma notícia sobre abalos sísmicos na região de Pinheiros, está aí a explicação.
Não deixaram a peteca cair um segundo, dizendo que estavam ali para pregar sua verdade, introduzindo aquela música clássica do Guitar Hero, e infelizmente, única representante de Karmacode daquele dia, Our Truth. É impossível fazer jus à cantoria dos fãs naquela hora simplesmente com palavras, parecia que a casa ia desabar com a força pura daquelas vozes em uníssono. Deram sequência com uma dobradinha de Black Anima, Apocalypse e Now or Never, ambas relativamente bem recebidas. In the Mean Time, segundo single de Sleepless Empire, que originalmente conta com participação de Ash Costello, do New Years Day, tem uma conexão curiosa com o Brasil, visto que foi tocada ao vivo pela primeira vez durante sua última apresentação. Daquela vez, este que vos escreve havia dito: “A música nova da banda, lançada uma semana antes do show, mesmo sendo tocada pela primeira vez ao vivo, foi recebida muito bem pelos fãs, devotos e incansáveis.” Posso dizer com confiança que segue sendo o caso: ela continua bem-recebida.
Acabando In the Mean Time, Andrea rapidamente pediu a opinião do público: “Gostaram de Sleepless Empire?” A resposta deixou claro que sim, e muito. Passaram para os maiores hits dos anos 90 com sua versão de Enjoy the Silence (Depeche Mode), marca registrada dos shows da banda. Com um milhar de vozes por trás, Cristina os incentivou: “Cantem! Quero todo mundo saindo daqui sem voz!” Com isso em mente, todos cantaram com força indescritível. A versão original já é incrível, a do Lacuna mais ainda, tem um ar chique, glamouroso, e na voz de mais de mil pessoas, ficou algo realmente diferenciado. Antes de seguir com uma sequência polêmica de versões “XX”, Scabbia comentou: “Quero que vocês façam barulho para o Marky (Zelati, baixo), que não está nada bem, mas está aqui no palco, dando tudo de si.”
A sequência começou com Entwined XX, relativamente diferente de sua versão original, e com a vocalista tendo dito que “todos nós sabemos que o céu é uma mentira” e pedido para o público levar seus chifres ao ar, veio Heaven’s a Lie XX. Continua sendo uma baita música, começou com aquele “ei, ei, ei”, cantoria toda hora, mas não é a mesma coisa da original, não tem a mesma força. A única representante de Delirium veio na forma de Blood, Tears, Dust, que realmente destaca a potência vocal e dinâmica dos vocalistas, que já tinha elogiado em minha cobertura do Summer e parece que a cada dia melhoram ainda mais. Oxygen se destaca como uma das mais pesadas do disco novo, começando com um grito da Cristina. Teve uma recepção mista: na hora dos vocais melódicos, a galera animava mais, cantava junto, mas nas horas mais puxadas para o metalcore, sumiam um pouco – não que não tivessem gostado, só nem tanto.
“Muito obrigado, São Paulo! O Brasil sempre foi um lugar muito especial para nós!” Cristina contou que há pouco tempo foram gravar um clipe numa cidade perto de Roma, e enquanto tentava lembrar da coreografia, colocou Marco pra dançar, para a loucura dos fãs. Dedicou I Wish You Were Dead para “todos os filhos da puta que nos machucam, que queremos deletar de nossas vidas”. O refrão foi cantado incrivelmente alto, deu para ver logo de cara que foi um dos destaques do novo trabalho. Fecharam o primeiro bloco do show com a bastante pesada Veneficium, também de Black Anima.
Surpreendendo tudo e todos, voltaram para fazer um bis de algumas músicas, começando com Never Dawn, primeiro single do trabalho mais novo, disponibilizado nas plataformas de maneira individual em maio de 2023. Continuando com as músicas novas, veio Gravity, cantada pela primeira vez ao vivo alguns dias antes, em sua apresentação na Argentina. Novamente deixando aquele gosto estranho na boca dos fãs, veio Swamped, porém em sua versão XX. Vale aqui o que disse para Heaven’s a Lie: teoricamente, ainda é a mesma música, mas não a mesma experiência. Aos 45 do segundo tempo, contemplaram Broken Crown Halo com a motivadora Nothing Stands in Our Way, que fechou o show.
Ao todo, reforçaram seu status como “uma das bandas mais queridas do público paulistano”, como disse Valtemir em sua cobertura do show de 2020 – tanto é que poderiam facilmente ter tocado em local maior, talvez até feito uma segunda data em casa menor, até para conforto dos próprios fãs. No geral, não há o que reclamar: horário ótimo, som meio torto no começo, mas foi resolvido rapidamente, o repertório seguiu o mesmo padrão dos últimos anos (sendo praticamente um repeteco do setlist que fizeram no Summer Breeze, mas expandido com as faixas do novo álbum), aquela energia insana de sempre. Já podem marcar a próxima data, e vai ser certeza de lotar o Carioca Club.
Setlist
Layers of Time
Reckless
Hoisting the Shadow
Tight Rope XX
Kill the Light
Our Truth
Trip the Darkness
Apocalypse
Now or Never
In The Mean Time
Enjoy the Silence (Depeche Mode)
Entwined XX
Heaven’s a Lie XX
Blood, Tears, Dust
Oxygen
I Wish You Were Dead
Veneficium
Bis
Never Dawn
Gravity
Swamped XX
Nothing Stands in Our Way
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