Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Belmílson dos Santos
Para os headbangers brasileiros, fãs de música extrema, um dos temas mais lamentados e frequentemente discutidos em mesas de bar é o fato de o Death nunca ter se apresentado no Brasil. Não em sua forma autêntica, com a presença de seu incomparável e icônico criador, Chuck Schuldiner — vocalista e guitarrista que faleceu em 13 de dezembro de 2001, vítima de pneumonia decorrente de um câncer cerebral. Entretanto, ao longo dos anos, alguns “embriões” do Death emergiram a partir de ex-integrantes da banda. Em homenagem a Chuck, foram criados tributos como Death to All, Left to Die e Living Monstrosity. Os dois primeiros já se apresentaram no Brasil, amenizando um pouco a tristeza dos fãs que não tiveram a chance de ver Schuldiner em um palco.
A estreia do Left to Die (que conta com alguns músicos do Living Monstrosity) em solo brasileiro, pela turnê “Scream Bloody Leprosy Over Latin America”, aconteceu neste mês de janeiro, graças à parceria entre a agência Open the Road e a produtora Estética Torta. O grupo, formado pelos ex-membros do Death Rick Rozz (guitarra) e Terry Butler (baixo), além de Matt Harvey (vocal e guitarra) e o baterista venezuelano Gus Rios – os dois últimos parceiros também no Gruesome, banda fortemente influenciada pelo Death -, realizou shows que passaram, respectivamente, por Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Limeira (SP) e, neste último domingo (12), por São Paulo (SP).
Ávidos por um repertório que abrangeria os álbuns Scream Bloody Gore (1987) e, na íntegra, Leprosy (1988), os fãs compareceram em bom número ao Fabrique Club, em São Paulo. Considerando que esses dois icônicos primeiros álbuns do Death foram liricamente inspirados por clássicos do cinema de terror, foi uma escolha perfeita o Left to Die utilizar como introdução mecânica um trecho da arrepiante E5150, faixa instrumental do Black Sabbath, presente no álbum Mob Rules (1981). Rozz, Butler, Harvey e Rios subiram ao palco no horário programado, pontualmente às 19h30. Após o logo do Left to Die surgir no telão de LED – remetendo ao original do Death, com os detalhes que foram sendo limados ao longo dos anos, como o sangue na foice, a aranha fiando sua teia, a pira sobre a letra “T” ainda estilizada como uma cruz invertida e o ceifador -, a emoção de ouvir a obra deixada pelo genial Chuck Schuldiner tomou conta do recinto logo nos primeiros momentos da música que dá nome ao álbum Leprosy.
Vale destacar que, embora o Left to Die celebre os dois primeiros álbuns do Death, nem Rozz – que comemorou seu aniversário de 58 anos durante o show em Curitiba, no dia 9 – nem Butler faziam parte na fase de Scream Bloody Gore. Esse álbum teve todas as linhas de baixo e guitarra gravadas por Schuldiner, que contou apenas com o baterista Chris Reifert – pouco antes de o Autopsy existir -, como parceiro de estúdio. Já em Leprosy, Rick Rozz retornou à banda após ter sido demitido por Chuck quando a mesma ainda se chamava Mantas, enquanto Terry Butler participou apenas das sessões de fotos usadas na contracapa e no encarte, já que o disco havia sido gravado antes de sua chegada. Em termos de gravação, Butler só contribuiu com o álbum seguinte, Spiritual Healing (1990), que foi o seu único com a banda.
Falando em Rick Rozz, que adota uma postura sisuda no palco, mas se mostra simpático fora dele, o guitarrista – conhecido também por sua história com o Massacre, além de um músico assumidamente influenciado por punk rock e por Kerry King, Eddie Van Halen, Steve Vai, KK Downing e Dimebag Darrell – está hoje fisicamente irreconhecível em comparação à época em que entrou para o Death. Em 2009, Rozz comentou com bom humor sobre sua mudança física, em entrevista para o músico brasileiro Denfire, publicada em seu livro “Offline – Sondando o Underground”: “Fiquei mais velho, perdi algum peso, perdi meu cabelo… Não posso nem agitar minha cabeça no palco porque não tem nada para agitar (risos)! Então, pensei: ‘Porra, preciso começar a assistir o Kerry King para ver o que um careca pode fazer, não tenho a menor ideia! (risos)“.
Prosseguindo com o show, o Left to Die completou a trinca inicial de Leprosy (na mesma sequência do disco) tocando as músicas Born Dead e Forgotten Past. Ouvir o comunicativo Matt Harvey anuciando e cantando as músicas do Death era de arrepiar e emocionar tamanha a semelhança vocal com Chuck Schuldiner. Uma coisa fica clara em relação a essas bandas “cover de luxo” do Death: Chuck Schuldiner está bem representando pelo Left to Die e pelo Death to All, nas respectivas vozes de Harvey e de Max Phelps.
A primeira música da noite a representar Scream Bloody Gore foi Infernal Death, que tem uma pegada bem ao estilo Obituary – embora o Death tenha sido formado antes de seus conterrâneos da Flórida, que, desde 2010, contam com o próprio Terry Butler no baixo. Na sequência, foi a vez de Sacrificial, mas a euforia foi ainda maior quando Harvey anunciou Open Casket, retomando o impiedoso álbum Leprosy. Após essa, Harvey apresentou seus parceiros, que foram devidamente ovacionados, principalmente a ex-dupla do Death, Butler e Rozz, obviamente. Logo em seguida, Harvey anunciou aquela que, indubitavelmente, foi uma das maiores porradas do show: Primitive Ways.
Após Harvey agradecer ao público paulistano por ter comparecido, a porradaria seguiu rolando solta com Choke on it, Torn to Pieces (música de pegada punk), Regurgitated Guts e com a música que dá nome a este projeto em homenagem à memória de Chuck Schuldiner e à sua criação. Nessa última, os fãs fizeram coro gritando “Left to Die” e foram acompanhados por algumas levadas baterísticas de Gus Rios, que ao vivo é um verdadeiro relógio, tamanha a precisão nos andamentos e nos arranjos, além da pegada firme em seu ‘playing’.
Caminhando para o final do show, a próxima do set, altamente aclamada, foi aquela que influenciou na escolha do nome de um renomado festival brasileiro: Zombie Ritual. Nessa, foi engraçado quando após o lendário ‘teminha’ inicial de guitarra a correia de Matt Harvey se soltou do instrumento. Sem tempo para arrumá-la, ele tocou até o final empunhando a guitarra na coxa, inclusive na hora do solo. Ao final dessa, a banda deixou o palco. Momento propício para Harvey arrumar a correia da guitarra.
No retorno da banda para o bis, o público foi surpreendido. Aqueles que gostam de ir para eventos com seus celulares munidos com a colinha de shows anteriores disponibilizados no site setlist.fm, foram pegos de surpresa quando a banda tocou a faixa-título do álbum de estreia do Death. Assim sendo, São Paulo foi a única cidade brasileira na primeira turnê do Left to Die pelo país a ser presenteada com Scream Bloody Gore.
Para satisfação pessoal desse que voz escreve, a próxima música do show foi a que considero minha favorita daquela fase mais crua do Death, marcada pelos dois discos que estavam sendo representados na turnê: Pull the Plug. Encerrando sua primeira passagem pelo Brasil, a banda atendeu ao clamor dos fãs e tocou o grande clássico do Death, além de um dos maiores hinos do death metal: a feroz Evil Dead, faixa inspirada na famosa franquia de terror de mesmo nome, que se tornou um cult para os fãs do gênero, assim como Chuch Schuldiner.
Pouco depois do show, os músicos do Left to Die apareceram na pista e, com muita simpatia, atenderam alguns fãs que ainda estavam no Fabrique Club, em busca de fotos e autógrafos. A estreia do Left to Die no Brasil foi encerrada com um show que passou rapidamente, mas que com certeza deixou todos os fãs da fase mais crua do Death muito felizes e satisfeitos. Durante o show, Chuck obviamente foi reverenciado tanto pela banda quanto pelo público.
Ao sair da casa de shows, pensei comigo mesmo: se, mesmo sem Chuck, o público compareceu em bom número ao show do Left to Die, imagina se o pioneiro do death metal ainda estivesse vivo e tocando com Death no Brasil! Certamente os fãs brazucas agradecem a Rozz, Butler, Rios e Harvey por nos proporcionarem um pouco daquilo que, infelizmente, não tivemos e jamais teremos a chance de assistir.
LEFT TO DIE – setlist:
1 Leprosy
2 Born Dead
3 Forgotten Past
4 Infernal Death
5 Sacrificial
6 Open Casket
7 Primitive Ways
8 Choke on it
9 Torn to Pieces
10 Regurgitated Guts
11 Left to Die
12 Zombie Ritual
13 Scream Bloody Gore
13 Pull the Plug
14 Evil Dead
- Clique aqui para receber notícias da ROADIE CREW no WhatsApp.