Fundado pelo vocalista do Jane’s Addiction e Porno For Pyros, Perry Farrel, a primeira edição do Festival Lollapalooza aconteceu em 1991. Desde então o evento caracterizou-se por seu espírito pioneiro, servindo de plataforma para lançamento de artistas emergentes. As maiores bandas da década de 90 como Red Hot Chili Peppers, Alice In Chains, L7, Cypress Hill, Stone Temple Pilots, etc devem muito de sua notoriedade ao festival.
Mais de 20 anos depois, o festival expandiu fronteiras e chegou até o Chile e Brasil. A primeira edição da versão nacional do Lollapalooza aconteceu em 2012 no Jockey Clube de São Paulo e reuniu 135 mil pessoas que assistiram shows de Foo Fighters, Arctic Monkeys, Band of Horses, entre outros. A edição 2013 também aconteceu no Jockey Clube de São Paulo e atraiu um público maior. Cerca de 167 mil pessoas viram shows de Pearl Jam, Queens Of The Stone Age, The Killers, A Perfect Circle, entre outros. “Nossa viagem para a América do Sul tornou-se um dos momentos mais aguardados do ano para a minha família e também para a minha família de músicos”, declarou Perry Farrel.
Em sua edição 2014, realizada nos dias 05 e 06 de Abril, o Lollapalooza trouxe poucas mudanças. A mais considerável foi em relação ao local, já que agora passou a ser realizado no Autódromo de Interlagos na capital paulista. Mas ainda continuam sendo dois dias de evento com ênfase em artistas alternativos e de diferentes segmentos musicais, não apenas rock.
Se bandas mais pesadas como Metallica, Ministry, Alice In Chains, Rollins Band, Body Count, Primus já foram algumas das principais atrações de edições passadas do evento, atualmente esse segmento da música parece não ser prioridade para Farrel e toda curadoria do Lollapalooza. Neste ano, apenas Soundgarden e Nine Inch Nails seriam pauta de interesse de uma publicação voltada ao público de heavy metal e classic rock, isso se você ainda for da ala não radical desse movimento.
Nine Inch Nails
Liderado pelo visionário músico norte-americando Trent Reznor, o Nine Inch Nails (ou NIN) é referencia absoluta no segmento do rock/metal industrial e veio se apresentar no primeiro dia do Lollapalooza 2014 para comemorar os 20 anos do clássico álbum “Downward Spiral”, onde estão alguns dos maiores hits do grupo como “March Of The Pigs” e “Hurt”.
A banda que esteve com Reznor nesse show era formada por Robin Fink (guitarrista que o acompanha desde 1994, tendo trabalhado também com o Guns ‘N’ Roses), Alessandro Cortini (tecladista italiano que está com a banda desde 2004 e que também já excursionou com o Muse) e o baterista Ilan Rubin.
O grupo trouxe peso e atitude para o Palco Onix do Lollapalooza depois do show morno da “sensação do momento”, a banda norte-americana Imagine Dragons. Aquele som “colorido e bonitinho” do grupo anterior deu espaço para uma sonoridade cinza, caótica, por vezes obscura, através de canções como “Wish”, “March Of The Pigs”, “Burn”, “The Hand that Feeds”, “Head Like a Hole” e “Hurt”.
O Nine Inch Nails não fez apenas o melhor show do primeiro dia de Lollapalooza, mas certamente salvou o dia para os adeptos de sons mais pesados.
Johnny Marr
Por mais que o domingo dia 06 tenha amanhecido ensolarado, o público só começou a chegar no Autódromo de Interlagos um pouco após o almoço. Muitos perderam uma apresentação emocionante de Johnny Marr, pelo menos para os fãs do The Smiths, banda da qual o músico foi guitarrista. O setlist foi recheado de clássicos de sua ex-banda como “Stop Me If You Think You’ve Heard This One Before”, “Bigmouth Strikes Again”, “There Is A Light That Never Goes Out” e “How Soon Is Now”, essa última com um toque muito especial, já que contou com participação do ex-baixista do The Smiths, Andy Rourke. Um show que realizou o sonho de muitos fãs e merece uma menção nesse texto.
Soundgarden
Ao lado do Alice In Chains, o Soundgarden representa o lado mais pesado e obscuro do movimento Grunge nascido em Seattle/EUA. Diferentemente de sua conterrânea – que já estive por aqui três vezes -, o Soundgarden nunca tinha pisado em solo brasileiro antes. Foi então praticamente com o jogo ganho que subiram ao Palco Onix no início da noite de domingo.
Festivais tão ecléticos como o Lollapalooza acabam desencadeando reações interessantes, como o fato de reunir fãs que vão ao evento para assistir apenas uma única banda. Isso ficou bem claro durante o show do Soundgarden. Muita gente pagou para ver 20 quando só queria assistir um único show.
Por mais que o novo álbum “King Animal”, o sexto da carreira lançado em 2012, tenha marcado o retorno do Soundgarden após um hiato de 16 anos, esse show no Lollapalooza tinha como foco os 20 anos do clássico disco “Superunknown” de 1994. Esse foi um detalhe que não desagradou os fãs.
Chris Cornell (vocal/guitarra), Kim Thayil (guitarra), Ben Shepherd (baixo) vieram ao Brasil acompanhados de Matt Chamberlain em substituição ao baterista original do Soundgarden, Matt Cameron. Aliás, interessante citar que Cameron é hoje baterista oficial do Pearl Jam. Desde o retorno do Soundgarden ele vinha dividindo seu tempo entre as duas bandas, até que enfim decidiu priorizar a banda de Eddie Vedder. Chamberlain, por sua vez, tocou com o Pearl Jam em 1991, ele saiu antes da banda lançar o clássico álbum “Ten”, embora possa ser visto no videoclipe de “Alive”.
O Soundgarden surpreendeu logo de cara com “Searching With My Good Eye Closed” do clássico álbum “Badmotorfinger” de 1991. Na seqüência, o público enlouqueceu com “Spoonman”, a primeira do “aniversariante” “Superunknown”.
Considerado uma das grandes vozes do rock contemporâneo, Chris Cornell é, sem sombra de dúvidas, a figura central do Soundgarden. Por isso mesmo, nem todos estavam preocupados para saber se o novato Chamberlain desempenharia bem seu papel, ou mesmo se Thayil ou Shepherd errariam notas. A grande questão era: Cornell ainda consegue cantar como antigamente?
Não haveria melhor referencia para tal conclusão senão através do maior clássico da banda, “Outshined”. Por mais que a torcida estivesse a favor do vocalista, ele entrou errado na segunda estrofe e certamente os seus agudos não são mais os mesmos. Por mais que seja uma característica do Soundgarden sempre mudar os arranjos de algumas músicas em seus shows, a verdade é que Cornell evita as notas altas. Nada que deprecie a música da banda ou a qualidade do show, afinal, o legado artístico do Soundgarden é muito grande para ser afetado por um detalhe técnico, mas é preciso deixar o romantismo de lado e assumir o fato.
“Black Hole Sun” foi outra música que sofreu leves mudanças nos arranjos, embora tenha emocionado do mesmo jeito. Já “Jesus Christ Pose” foi um presente aos fãs Brasileiros: “Essa música havia sido retirada do repertório, mas na ultima hora resolvemos incluí-la de volta especialmente para esse show”, disse o vocalista. Esse foi o momento mais pesado do show, puro heavy metal, com Cornell simulando uma cruz ao juntar o pedestal do microfone e o braço de sua guitarra.
Interessante o discurso de Cornell antes de apresentar “Been Away To Long” de “King Animal”. “Esse disco merece ser ouvido por vocês, mesmo que seja baixado ilegalmente, não importa”. Um raro caso, na música contemporânea capitalista, onde o artista prioriza o valor artístico de sua obra em detrimento de seu valor comercial.
As introspectivas “The Day I Tried To Live” e “Feel On Black Days” também marcaram como um dos melhores momentos do show, assim como “Blow Up The Outside World” e a ‘zeppeliana’ “Burden In My Hand”, as únicas a serem tocadas do álbum “Down On The Upside” de 1996.
Os primeiros riffs de “Rusty Cage” causaram euforia nos fãs que não deixaram de bater cabeça – outro hino da banda e de toda uma geração. “Beyond The Wheel”, do primeiro disco da banda, “Ultramega OK”, de 1988, manteve o clima heavy metal para fechar o show de forma triunfante. Cornell parecia mais tranqüilo ao final do set para arriscar alguns falsetes e até caminhou entre o público, voltando ao palco com a camiseta rasgada.
Antes de deixar o palco, Cornell ainda prometeu que retornariam em breve ao país. Tomara que sigam o exemplo dos conterrâneos do Alice In Chains que fizeram recentemente shows exclusivos no país depois de apenas participarem de festivais. Será muito bom não precisar ouvir Arcade Fire, Vampire Weekend ou Cone Crew Diretoria antes de ver o Soundgarden novamente.