Por Valtemir Amler
Para a Arte, o que são os números? O quanto a popularidade na mídia, o número de vendas e tantos outros dados indicadores de desempenho realmente significam para um artista que corre dia a dia para conquistar o seu lugar ao sol? Em um mundo regido pela frieza dos cálculos, pelo equilíbrio das ‘despesas’ e ‘receitas’, é fundamental para a Arte que nem todos concordem que tudo é determinado pelos bons números. Afinal, se fossem analisar apenas a frieza dos cálculos, muitos dos nossos ídolos talvez nunca tivessem empunhado um instrumento musical, dado que a instável vida na estrada poucas vezes consegue competir com uma carreira profissional sólida ‘atrás de uma mesa’, como muitos desses músicos gostam de dizer. Vivendo em uma cena que é underground mesmo para os padrões do próprio underground, as bandas autorais de música instrumental geralmente conhecem bem o preço da sua escolha, e sabem que jamais conseguiram a popularidade e os bons números dos grandes atos pop. E, convenhamos, não dão a mínima para isso. Formado em Münster, na Alemanha, em 2006, o Long Distance Calling é uma dessas bandas que resolveu pagar o preço para fazer a arte em que acreditam, sem olhar para sua performance nos charts, plataformas de streaming e demais ‘métricas de saúde financeira’, e ainda assim, estão crescendo ano a ano. Apostando em uma música que é majoritariamente instrumental (existem também canções com voz), eles já contam com oito álbuns lançados. Sendo o mais novo Eraser (2022), um álbum tão bom que prova que longe dos holofotes também é possível haver luz.
Baseado na informação que circula pela internet, a Long Distance Calling foi formada em 2006. Essa informação está correta? Como foram os primeiros dias da banda?
David Jordan: Bem, mais ou menos correta. Para ser exato, a primeira vez que nos reunimos foi no final de 2005, acho que no mês de novembro. Todos estávamos em uma espécie de centro de ensaios para bandas, que é basicamente um local onde várias bandas se reúnem para ensaiar. Na época cada um de nós tinha sua banda, e várias bandas estavam lá neste dia, era um espaço bem interessante e inspirador, pois além dos ensaios rolavam muitas conversas, as pessoas trocavam informações e experiências, esse tipo de coisa, era criativamente muito saudável. Em um determinado momento, algum dos presentes citou que gostaria de montar uma nova banda que fosse diferente de tudo aquilo que estava rolando por ali, algo que tivesse mais a ver com o art-rock, mas de uma forma repaginada, adequada ao momento atual. Quando ouvimos aquilo, acho que todos ficamos um pouco balançados, pois amávamos bandas como Cult Of Luna e Porcupine Tree, eram nossas principais referências naqueles dias. Então, ficamos com isso na cabeça, e começamos a ensaiar juntos. Não tínhamos muitos planos, não havia nenhuma regra e nem nenhuma esperança, não estávamos seguindo uma cartilha, nada do tipo, apenas queríamos tocar, se divertir e ver o que acontecia musicalmente.
Geralmente é assim que as boas bandas começam, sem grandes metas atrapalhando o caminho da música.
David: Pois é, conosco foi assim. A verdade é que no início nem estávamos tentando criar música juntos, apenas plugávamos nossos instrumentos e começávamos uma ‘jam’, todos improvisando instrumentalmente. Fato é que não demorou muito até percebermos que tudo estava fluindo de uma maneira muito melhor ao que havíamos imaginado. Mesmo sem nenhum planejamento, aquelas linhas que tocávamos começaram a se encaixar e soar menos como um ‘improviso’, e mais como uma ‘canção’, se é que você me entende. Pensamos que, já que isso estava acontecendo de forma natural, sem nenhum de nós forçar a barra, isso certamente era um bom sinal, e aí sim resolvemos conscientemente tentar escrever uma música.
Você ainda lembra qual foi a primeira música que trabalharam como banda?
David: Acho que sim, se não estiver enganado foi Fire In The Mountain. Eu não lembro exatamente, mas acho que essa música foi criada no nosso quarto ou quinto ensaio, algo por aí. E também lembro que ficamos pensando, ‘será que devemos ter um vocalista? A maior parte das bandas por aí tem, então talvez seja uma boa ideia pensar nisso’. A verdade é que não sabíamos se deveríamos convidar alguém para uma participação esporádica ou buscar por um vocalista efetivo, tínhamos essa dúvida, então, como era o começo, tínhamos que arriscar, testar as possibilidades. Se bem me lembro, até chegamos a testar uns três caras para assumir o posto de vocalista, mas a verdade é que nunca realmente se encaixava. Em algumas músicas os vocais até faziam sentido, mas em outras era algo completamente desnecessário, que meio que atrapalhava o fluxo da música. Mas, deixe-me ser sincero, o principal motivo era pessoal.
Acho que entendi, vocês queriam um vocalista, mas não queriam ter que lidar com o ego de um vocalista.
David: É mais ou menos isso (risos gerais). Na época ainda relutávamos ser chamados de ‘banda’, estávamos até começando a escrever juntos, mas preferíamos ser vistos como um ‘grupo de amigos com interesses musicais em comum’, e a verdade é que as pessoas que testamos não se encaixavam nem na categoria ‘amigos’, tampouco na categoria ‘interesses musicais em comum’. Simplesmente ninguém encaixava. É como disse antes, às vezes a música e as linhas vocais até encaixavam, às vezes o cara até tinha uma boa voz, mas a pessoa não encaixava no nosso grupo, e se fôssemos dar o próximo passo, não queríamos fazer isso sabendo de antemão que aquele grupo não duraria. Não queríamos vender uma ideia que não poderíamos sustentar depois. Então decidimos manter a postura de não forçar nada, e apenas fazer aquilo que fosse divertido, tipo ‘vamos seguir como estamos e ver no que dá’. Mas, a música pedia por algo mais do que estávamos fazendo, e foi então que pedimos a ajuda de um amigo nosso, Reimut van Bonn.
Ah, sim. Ele está creditado pela ‘ambientação’ em seu álbum de estreia, Satellite Bay, de 2007.
David: Ah (risos gerais). É, descrever o que ele fez dessa maneira não ajuda ninguém a entender o que ele realmente fez, então, digamos que ele veio até nosso ensaio, e começou a dar uma ‘profundidade’ a nossa música. Ele trabalhou na harmonia de voz, nos samples e demais partes eletrônicas, então foi determinante para que a música que produzíamos ganhasse essa cara mais atmosférica que ela tem. Foi interessante, pois encaixou de primeira, ficou perfeito com o que estávamos escrevendo, então decidimos seguir por aquele caminho. Daí seguimos adiante, escrevemos a Metulsky Curse, e então Red Bird Vs. Black Bug e a primeira versão de The Very Last Day. No fim das contas, Fire In The Mountain e The Very Last Day acabaram entrando no Satellite Bay, enquanto as outras duas apareceram no nosso split com a banda suíça Leech (N.R: lançado em 2008, via Viva Hate Records). Estávamos começando a ficar confiantes nas nossas habilidades como compositores, então foi um momento chave para nós.
Por que decidiram lançar aquele split com o Leech?
David: É que fomos tocar na Suíça naquele ano, ainda estávamos bem no início da carreira, e foi uma experiência ótima para todos nós. Também nos entendemos bem demais com os caras do Leech, tanto como pessoas quanto como artistas, e quisemos deixar isso marcado para sempre na nossa discografia. É um disco que marca um momento especial e uma ‘virada de chave’ na nossa carreira como banda.
Quanto a sua música, ela segue um caminho majoritariamente instrumental, mas às vezes incluem harmonizações vocais e em menor número, até vocais propriamente ditos. Como fazem a distinção de como seguir em cada canção?
David: Acho que sempre mantivemos aquela mesma ideia que tivemos no primeiro dia, não forçamos nada. O que posso dizer é que todas as canções nascem inicialmente como peças unicamente instrumentais, e é nessa forma que elas continuarão a não ser que sintamos que elas demandam voz. Aí fazemos alguns testes, e se algo realmente encaixar, ela será uma faixa com letra e voz. Quanto a isso, gosto de pensar que criamos uma letra e consequentemente uma linha vocal quando temos uma mensagem que queremos entregar para o ouvinte com clareza. E as instrumentais são aquelas em que queremos que o ouvinte capture, descubra por si mesmo a mensagem que a música carrega.
Vale lembrar que, ao longo dos anos, vocês contaram com vários ótimos vocalistas aparecendo como convidados em seus álbuns. Inclusive nesse novo álbum, Eraser.
David: Sim, e me deixa muito feliz e orgulhoso ter contato com todos esses caras ao longo dos anos, e não apenas por serem músicos incríveis dos quais sou fã, mas pelo fato de eles terem realmente aparecido para fazer algo importante para aquelas canções, e não apenas para ser um nome famoso associado ao álbum. Foi assim com Peter Dolving (The Haunted), com Jonas Renkse (Katatonia, Bloodbath) e agora com John Bush (Armored Saint, ex-Anthrax), não convidamos ninguém apenas para ter o nome dele no disco. Se você perceber a maneira como cada um deles soa nas canções em que participam, perceberá que um simplesmente não encaixaria na música que o outro gravou, e não consigo pensar em um vocalista que substituiria qualquer um deles à altura. Tem sido o nosso lema fazer o que a música pede, e é isso que seguiremos fazendo sempre.