Por Daniel Agapito
Fotos: Andre Santos
Por muitos anos, o Setembro Negro foi um dos eventos mais bem-quistos da cena do metal extremo, reunindo um pouco do bom e do melhor da cena underground, seja nacional ou internacional. Logo após ter se recuperado da pandemia, a edição de 2024 não aconteceu, mas para compensar para os fãs, a Tumba Produções voltou com tudo no ano seguinte, não só confirmando a tradicional missa negra do nono mês, como também jogou um novo nome na roda, o Março Maldito, que serviu de “esquenta” para a festa que virá na segunda parte do ano. Já tendo feito uma apresentação “de tirar sangue de supercílios” na última edição do festival, os guerreiros alemães do Sodom voltariam a terras tupiniquins para sua 17ª apresentação no país, sendo a oitava em São Paulo, novamente acompanhados pelos suecos do Sacramentum (que estavam juntos em 2023) e com o retorno do Desaster ao país após mais de 15 anos e a estreia do Bewitched, veteranos do black/thrash metal sueco.
A noite começaria com um nome nacional de peso, o The Black Spade, falange paulistana de black metal liderada pelo carismático Cavalo Bathory, conhecido também como ‘frontbeast’ do Amazarak. Fora os temas de blasfêmia e tormenta convencionais do estilo, algo muito bem trabalhado no repertório deles é a abordagem da quimbanda, que foi bastante destacada em Soberano Exu Caveira, que viu o vocalista levantar um crânio ao ar e cantar “ê puerê, ê puerá, olha a mosca varejeira, salve Exu Caveira” antes de começar a faixa para valer.
Passado um tempinho para recuperar as energias, a noite cercava o Carioca Club enquanto o Sacramentum assumia o palco. Para um vocalista de black metal, Nisse Karlén tinha uma presença de palco animal, contando pequenas historinhas antes de cada música e andando de um lado do palco para o outro para interagir com os fãs. Houve até aquela teatralidade, que por mais tosca que seja, é sempre bem-vinda no black metal: durante Blood Shall Be Spilled, ele fez jus ao nome da música e derramou um receptáculo de “sangue” em seu corpo e suas mãos. Fizeram um setlist até que enxuto, de 45 minutos, contemplando tanto Far Away from the Sun (1996) quanto The Coming of Chaos (1997), passando por hits como Fog’s Kiss e a própria Far Away from the Sun. Foi o tempo certo para aquecer o público.
Levando as “capirotagens” para outro nível, teríamos a primeira amostra do aço teutônico daquela noite com o Desaster, ícone do black/thrash. As cortinas do palco ainda estavam fechadas, mas a banda já se encontrava a postos, passando seu som, e a cada acorde diabólico que soava os fãs se animavam mais. Uma parcela deles já havia tido a chance de interagir com os nativos de Koblenz, visto que Infernal e Odin (guitarrista e baixista, respectivamente) estavam andando pela pista durante o show da primeira banda. Começaram logo convocando os membros da firma com Satan’s Soldiers Syndicate, que teve seu refrão ecoado a plenos pulmões, enfileirada com Devil’s Sword. Era óbvio que tanto os fãs quanto a banda estavam mais do que felizes por estarem lá no dia, com os espectadores gritando o “De-sas-ter, De-sas-ter” logo depois da primeira música, com o vocalista retribuindo com um “muito obrigado” em português e dizendo que era uma honra estar no país de novo.
Uma combinação maliciosa que os fãs adoraram foi a dobradinha de Teutonic Steel e Nekropolis Karthago, ambas colocando o público para cantar e ocasionando aquele mar de punhos ao ar e “ei, ei, eis”. Foi durante esta primeira parte que tivemos as rodas iniciais, pelo menos de expressão daquela sexta-feira. Hellbangers foi apropriadamente dedicada a todos que estavam presentes naquela noite, que àquela altura continuavam cantando como se não houvesse amanhã. Toda e qualquer música que Guido “Satanic” Wissmann introduzia era recebida calorosamente e ecoada com força. Fecharam a noite com uma dobradinha realmente maléfica, Divine Blasphemies e Metalized Blood, com os fãs gritando seu nome enquanto desciam do palco.
Os fãs mostravam ser incansáveis, e a noite ainda estava longe de acabar. Trazendo toda a energia do heavy metal tradicional, veio o culto infernal do Bewitched, basicamente um Judas Priest do mal. Passando uma longa introdução pelo PA, iniciaram com o pé na porta com a vertiginosa Blood on the Altar. Todos ali sabiam que seria praticamente impossível superar toda aquela energia do Desaster, mas os suecos não deixaram a peteca cair em momento algum, e sem nem tempo para respirar, já emendaram Night of the Sinner. Com uma performance energética dessas, uma coisa era inevitável: os gritos de “Bê-wi-tched, Bê-wi-tched.” Marcus Norman, vocalista e guitarrista, chegou a dizer: “Ouvimos dizer que esta é a capital mundial do metal, estão certos? Parece que estão certíssimos!”
Passadas Holy Whore e Hellcult, vieram mais agradecimentos: “Novamente, muito obrigado por terem nos recebido tão bem no seu país. Demorou muito para virmos para o Brasil, em 2025 completamos 30 anos de banda.” Para celebrar, fizeram um “sábado do pecado”, Sabbath of Sin. O mal venceu com Triumph of Evil e executaram uma sequência de músicas que realmente mostram uma relação esquisita com o fogo, Fucked by Fire e Worship the Fire: “Agora que foram fodidos pelo fogo, ajoelhem-se e louvem o fogo!” Norman brindou uma Heineken com o povo e instruiu-os a cantar “o refrão mais irritante do mundo”, Hellcult Attack.
Antes de se prepararem para levantar acampamento, enfileiraram uma dobradinha de Pentagram Prayer (1997), Hellblood e Cremation of the Cross, acompanhada da faixa título de At the Gates of Hell (1999). “Na real, queria que pudéssemos fazer isso toda noite, vocês são foda demais! Infelizmente, tudo que é bom tem um fim. Este será o nosso adeus a vocês, mas eu prometo que a gente volta.” Concluíram com a energia lá em cima, Hard as Steel (Hot as Hell), que teve seu refrão cantado a plenos pulmões pelo público.
O relógio já se aproximava das 23h e estava chegando aquele momento que todos vieram para ver: o Sodom. O Carioca estava realmente intransitável, até no fumódromo havia um paredão impenetrável de gente. O atraso de poucos minutos ia crescendo e o público começou a clamar: “Sodom, Sodom, Sodom!”, mas nada dos headliners. Dez minutos após o horário marcado, uma voz do além simplesmente disse: “Apaga a luz do palco”, e logo depois, a cortina abriu, revelando Tom Angelripper (vocal e baixo), o quase brasileiro Frank Blackfire (guitarra), Yorck Segatz (guitarra) e Toni Merkel (bateria). Começaram com os dois pés na porta, empregando uma faixa até inesperada, Shellfire Defense, destaque de Better Off Dead (1990), que não fazia parte do repertório deles desde 1993, até sua reintrodução no final do ano passado. Envoltos por um véu de luzes azuis, deram sequência com a curta, mas envolvente Jabba the Hut, e o azul das luzes contrastava diretamente com o cenário laranja, infernal, criado pelos sinalizadores que haviam sido acesos no meio da roda, dando aquela energia entre um portal para a casa do coisa ruim e um jogo da Série B do Brasileirão.
Soadas as últimas batidas, e com o público já em transe, Frank Blackfire decidiu interagir com o público, em português mesmo: “E aí, galera de São Paulo, como é que vai? Vamo quebrar tudo!” Blackfire sempre demonstrou ter um grande amor pelo nosso país, chegando a morar aqui entre 2000 e 2006, aprendendo o idioma neste meio tempo. Angelripper complementou a declaração de seu companheiro, porém, em inglês: “Voltar para São Paulo é como voltar para casa.” O clássico Tapping the Vein seria representado por apenas uma faixa naquela noite, sendo ela a vertiginosa The Crippler, que aumentou ainda mais a roda, que agora já não contava mais com os sinalizadores. Com um simples grito de “agent!”, o Carioca entrou em erupção, e os icônicos galopes de Agent Orange ecoaram pelo ar, acompanhados por uma avalanche de “ei, ei, eis” dos fãs. O caos estava instaurado por completo. Aumentando ainda mais o clima de jogo de futebol, aquele “olê, olê olê olê, só-dom, só-dom” comia solto.
Conhecendo seu público bem, Tom falou que sabia que a galera curte uma coisa mais old school, então ia trazer uma da demo de 84, Let’s Fight in the Darkness of Hell. Apesar de vir de um trabalho até obscuro do catálogo deles, a recepção dos fãs seguiu incrivelmente calorosa. Outro ponto alto foi a mais que clássica Sodomy and Lust, trazendo toda aquela fúria característica do thrash teutônico, quase beirando o black metal. Depois de Sodomy…, Frank mostrou ser gente como a gente: tirou a camiseta e gritou: ”Querem uma camiseta? Calor da porra, né?” O dia em si já não era dos mais frescos, e com a casa empanturrada de gente do jeito que estava, aquela sensação de forno reinava.
A nostalgia seguiu firme no controle com Blasphemer, do icônico EP In the Sign of Evil (1985), cuja capa está na fachada do também icônico Sodom Bar, no centro paulistano. Naquela hora, era realmente difícil achar alguém que não cantasse junto. Blackfire voltou a questionar os fãs: “Estão cansados?” Esta mesma pergunta foi repetida (e negada) diversas vezes, até que as luzes do palco trocaram de cor e o riff de Tired and Red veio com um peso absurdo, como uma verdadeira pedrada sonora. Já um pouco cansado, Tom tirou sua camisa também, levando Blackfire a comentar: “Ó, o homem mais sexy do mundo, um tesão”, arrancando algumas risadas sinceras dos fãs.
Não era só de piadas de tiozão que viviam os alemães, pois não deixaram a energia escorregar nem por um segundo, misturando eras e executando Conflagration, oriunda do EP Partisan, de 2018, já com Blackfire de volta à formação, e a muito mais do que clássica Nuclear Winter, do segundo álbum, que realmente levou quem estava presente à loucura. Tendo influenciado boa parte das bandas mais atuais de black metal, fizeram questão de também homenagear os pioneiros, executando uma versão forte de Leave Me in Hell, do Venom. De acordo com a própria banda, Black Metal chega a ser um “disco sagrado.” Os gritos de “olê, olê olê olê, só-dom, só-dom” rolavam a cada duas músicas praticamente, era muito mais que um show, presenciávamos um verdadeiro espetáculo.
Vieram Outbreak of Evil e The Saw Is the Law, com o guitarrista voltando a interagir logo depois: “Querem mais uma? Duas? Três, quatro, porra?” A última coisa que os fãs queriam era que o show acabasse. Alguém da produção deu um cigarro para o vocalista, que ficou com um ar meio Lemmy, e Frank não perdeu a oportunidade de zoar: “É proibido fumar aqui no palco…” Angelripper olhou para ele com uma cara de quem não estava entendendo nada, mas mesmo assim, cedeu o cigarro ao outro guitarrista. Fecharam o show com Ausgebombt e Remember the Fallen, ambas cantadas por todos a plenos pulmões. Eles haviam descido do palco, mas quase nenhum fã se mexeu: o bis era certeza. Fazendo seu melhor para fingir surpresa, Blackfire voltou antes do resto da banda: “Vocês tão aí ainda?” O bis contou com apenas uma música, mas não qualquer faixa curtinha, tocaram a quase épica Bombenhagel, com mais de 6 minutos de duração. Foi assim, com a energia lá no alto, que desceram do palco para valer, fechando a primeira edição de um festival que tem tudo para ser uma presença garantida na agenda de shows anual da capital paulista.
No geral, podemos dizer que sextamos com S de Sodom, de Satanás, de Setembro Negro – chega logo! Mesmo sendo um evento incrível, houveram pontos negativos que ficaram claros, e poderiam ter dado problemas grandes: tinha gente demais no lugar. Depois que o Sacramentum subiu no palco, andar já havia se tornado praticamente impossível, e entre os shows, os banheiros acumulavam filas astronômicas. Alguns também podem argumentar que a quantidade de bandas não ajudou muito o evento, pois, sim, todos os grupos eram de qualidade indiscutível, mas gerou uma certa fadiga; podiam ter colocado só o Sodom e o Desaster, ou Sodom e Bewitched que iria esgotar da mesma maneira. O horário também ficou extremamente inconveniente para aqueles que dependem de transporte público, com o último show acabando após as 0h30 30. Independente disso, a qualidade de todos os shows compensou qualquer erro que pode ter ocorrido naquela noite: vieram apenas nomes de peso e todos fizeram apresentações que mostraram toda sua qualidade. Quem não foi, perdeu.
Setlist The Black Spade
Intro *
O Despertar da Aura Negra
Condessa Sangrenta
Lvna Draconis
Hino a Wallachia
Soberano Exu Caveira
Setlist Sacramentum
Intro *
Burning Lust
Fog’s Kiss
Far Away From the Sun
When Night Surrounds Me
Blood Shall Be Spilled
To the Sound of Storms
Awaken Chaos
Setlist Desaster
Unholy Intro *
Satan’s Soldiers Syndicate
Devil’s Sword
Learn to Love the Void
Sacrilege/Profanation
Towards Oblivion
Teutonic Steel
Nekropolis Karthago
Hellbangers
Divine Blasphemies
Metallized Blood
Setlist Bewitched
Intro *
Blood on the Altar
Night of the Sinner
Holy Whore
Hellcult
Deathspell
Sabbath of Sin
Triumph of Evil
Fucked by Fire
Worship the Fire
Hellcult Attack
Hellblood
Cremation of the Cross
At the Gates of Hell
Hard as Steel (Hot as Hell)
Setlist Sodom
Shellfire Defense
Jabba the Hut
The Crippler
Agent Orange
Let’s Fight in the Darkness of Hell
Proselytism Real
Sodomy and Lust
Blasphemer
Tired and Red
Conflagration
Nuclear Winter
Leave Me In Hell (Venom)
Outbreak of Evil
The Saw Is the Law
Ausgebombt
Remember the Fallen
Bis
Bombenhagel
* pelo PA
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