Quando se fala em black metal, é quase impossível não mencionar aquela geração incrível de bandas que deu uma cara definitiva ao gênero nos anos noventa, na Noruega. Em contrapartida, quem de nós deixará de pensar na Suécia quando o assunto é o death metal? Pois os caminhos das duas nações estariam mais entrelaçados na música extrema do que se pode imaginar: enquanto os suecos se firmavam como grandes representantes do death europeu, a cena black norueguesa era formada basicamente por antigas bandas de death metal, que, revoltadas com aquilo que julgavam ser um caminho musical errado do estilo, se voltavam para uma sonoridade muito mais crua, esteticamente mais simples e notoriamente mais violenta do que a praticada anteriormente.
Mas engana-se quem pensa que na Suécia não acontecia algo semelhante. Formado na Suécia em 1990 – justamente o ano em que o Entombed lançava Left Hand Path, talvez o álbum mais icônico do death metal sueco – por um Morgan Håkansson então com apenas 17 anos de idade, o Marduk passou por uma jornada musical em comum com a maioria das bandas norueguesas. O Marduk tinha fortes laços com o cenário death sueco, mas chegou ao seu primeiro álbum (Dark Endless, de 1992) já com a ambição de ser a mais extrema, blasfema e violenta banda do cenário black metal mundial. Quase trinta anos depois, com alguns álbuns clássicos na prateleira e visto como um dos gigantes do cenário, Morgan e o Marduk voltavam para São Paulo, para divulgar o 14º álbum completo de estúdio do grupo, o ótimo Viktoria, lançado em 2018.
Com um álbum recém-saído do forno, é muito comum ver uma banda cuspindo fogo no palco, e a expectativa dos fãs paulistanos era enorme. Trajando suas vestes já tradicionais, recobertas de uma espécie de poeira que garante ao grupo o visual de um bando de soldados que marcha ao longo de uma cidade bombardeada, o Marduk atingiu forte já no primeiro golpe, tocando aquele que é talvez o seu maior clássico, Panzer Division Marduk. A recepção não poderia ser mais calorosa, e o grupo resolveu não baixar o clima, mantendo o foco no álbum que os colocou definitivamente entre os gigantes do black metal: Baptism by Fire manteve a sequência original do álbum Panzer Division Marduk (1999), e só então a primeira pausa da noite, uns poucos segundos necessários até para que voltássemos a respirar.
Morgan empunhava sua guitarra com fúria, e via-se em seus olhos uma espécie de furor beligerante, uma gana que parecia contagiar os seus parceiros em busca de uma apresentação cada vez mais violenta e agressiva. O objetivo foi alcançado com sucesso em Wervolf, primeira do novo álbum a aparecer na noite. Of Hell’s Fire voltou a aproximar os fãs do passado glorioso dos guerreiros suecos, relembrando com terror e ódio o causticante Nightwing (1998), lançado na época em que ‘Legion’ ainda era o vocalista dos suecos.
Alternando entre as eras ‘Mortuus’ e ‘Legion’, o Marduk continuou a apresentação com The Levelling Dust (Rom 5:12, 2007) e Cloven Hoof (World Funeral, 2003) e é apenas ser justo destacar a performance maníaca de Mortuus em ambas as canções. Aliás, aos bons leitores e fãs de black metal, vale o lembrete: Mortuus e o Funeral Mist lançaram um excelente novo álbum em 2018, Hekatomb, e quem ainda não conferiu, não deve perder a chance.
Entrando na segunda parte da apresentação, as clássicas Throne of Rats (Plague Angel, 2004) e Burn My Coffin (Those of the Unlight, 1993) antecederam a explosão de mais um dos novos projéteis de Viktoria, a inspiradíssima Equestrian Bloodlust, uma das melhores composições do Marduk na última década. Aliás, diante de um show como este, é difícil não se perder em memórias, e recordar os dias em que o Marduk era ainda um nome novo no cenário, e cobria a Europa com chamas na turnê Sons of Northern Darkness, ao lado dos noruegueses do Immortal. Testemunhas daqueles primeiros tempos, Morgan e o reintegrado baixista Devo eram as atrações principais da noite, uma prova viva de que dedicação e trabalho duro podem sim garantir sucesso e prosperidade para um grupo de heavy metal, não importa quantos empecilhos lhe sejam impostos pelo tempo e pelos adversários.
Assim, com o corpo no presente e a alma mergulhada no passado, o Marduk entoou mais um par de cânticos de fogo e treva, antes de dar fim a apresentação com o clássico sublime Wolves, uma canção concebida ainda nos tempos em que o black metal era o gênero musical mais perigoso e temido de que se tinha notícia. Finalizava-se mais uma passagem dos suecos por solo paulistano, e mais uma vez, vimos uma banda triunfante, segura de seu status e de sua importância. Os quase trinta anos de jornada nunca foram de paz para o Marduk, e dentre algumas baixas, eles sempre se mantiveram firmes no front. Que venham mais trinta anos, mais trinta anos sem paz para o Marduk, e mais trinta anos celebrando sua suprema vitória!