Por Leandro Nogueira Coppi
Após o período crítico da pandemia, os deuses do heavy metal mundial estão de volta aos palcos. E eu não estou falando de Iron Maiden, KISS, Metallica, Deep Purple e afins. Quando digo “deuses”, obviamente eu só poderia estar falando do Massacration – claro, nenhuma outra banda no mundo está à altura de receber tal status. Em seus shows atuais, Detonator (vocal), Metal Avenger (guitarra), Headmaster (guitarra), Red Head Hammet (baixo) e Jimmy “The Hammer” (bateria) têm dado aos fãs a honra de ouvirem alguns dos hinos de seus dois álbuns, Gates of Metal Fried Chicken of Death (2005) e Good Blood Headquarters (2009), além de recentes singles, como Metal Milf, MotorMetal e Metal Galera. Com humor e também momentos de seriedade, Bruno Sutter, assistente e porta-voz de Detonator, nos atendeu para falar desse retorno do Massacration aos palcos, de sua relação com o melhor vocalista do mundo e até mesmo de seus projetos pessoais.
O Massacration já fez alguns shows de retorno após a fase crítica da pandemia. Como tem sido a sensação de poder voltar aos palcos pelo Brasil afora?
Bruno Sutter: Como sou tipo um porta-voz, um faz-tudo para o Detonator, que vejo os shows do público, posso falar com propriedade. O Detonator é um deus, ele não dá entrevistas, é uma pessoa bem difícil de lidar, uma mistura de Donald Trump com Fernando Collor e um tiquinho de Roberto Jefferson (risos). Outro dia foram entrevistá-lo e ele recebeu os jornalistas com granada, deu tiro… Então, eu sou tipo o Padre Kel… Kelmen, Kelmon… Enfim, eu sou tipo o candidato padre. Ele responde pelo Roberto Jefferson e eu respondo pelo Detonator (risos). Eu estou realmente impressionado com o público que está indo aos shows do Massacration e com como o grupo sobreviveu bem ao tempo e envelheceu bem, virou uma coisa cult e que ao mesmo tempo renovou seu público. Percebo que hoje tem muito jovem nos shows. É tipo o pai ou irmão mais velho que vai assistir ao show do Massacration junto do filho ou do irmão mais novo, e isso é muito bacana de ver.
Imagino o quão bacana deve estar sendo notar essa renovação no público do Massacration.
Bruno: O show que teve em Santo André (SP) agora foi muito bacana, tinha muita criança, muita família assistindo, que é um trabalho que eu já faço há mais ou menos uns dois anos, fortificando a criançada para entrar no metal por intermédio do Detonator com as coisas que têm sido feitas diretamente para crianças. Na rádio Kiss FM, toda terça-feira eu faço um programa direcionado para as crianças pedirem música e isso vai engajando, é um boca-a-boca em que o pai vai começando a mostrar para o filho que é uma opção à Galinha Pintadinha ou ao Mundo Bita e coisas assim, que é o Detonator para criança ou o Massacration, “O Loro Quer Biscoito”… Acaba se tornando uma porta de entrada interessante para as novas gerações ouvirem heavy metal.
Ainda sobre os shows, o que os fãs têm visto de novidade nas apresentações da banda?
Bruno: O show do Massacration é diferente dos de bandas de metal, digamos tradicional, porque como todo mundo do grupo trabalha com atuação – todos os integrantes se formaram na Escola de Heavy Metal de Atores Sylvester Stallone (risos) –, então cada show é uma novidade, tem interação muito intensa, coisas direcionadas ao público relativas as músicas; músicas novas que entraram no repertório que nunca foram tocadas ao vivo, tipo a Feel the Fire from Barbecue do primeiro disco. E tem churrasco para a galera, a gente… Digo, a gente não, eles jogam churrasco para o público, tem Hammercage Hotdog Hell, que é uma música que raramente a gente tocou e que está sendo usada para a abertura do show. Tem muita interação com o público, que sai esgotado do show do Massacration. Geralmente, os shows de heavy metal têm um roteiro: começam lá em cima; no meio dão uma caída para o pessoal respirar, com umas músicas mais tranquilas; e depois sobem de novo para acabar. Já o show do Massacration é lá em cima o tempo todo. O pessoal sai acabado, tanto o público quanto a banda (risos).
Isso me lembrou de quando o Skid Row saiu em turnê com o Pantera lá fora. Em um home video do Pantera, enquanto o Skid Row tocava, o Dimebag e outros caras ficavam na frente do palco fazendo churrasco e servido o público da primeira fila.
Bruno: É por aí a ideia! O Massacration tem essa coisa bem alegre, apesar deles serem muito sérios no palco. Aliás, o Detonator não entende o motivo de as pessoas ficarem rindo no show, acho que é porque ele não entende que o Massacration é visto com muita alegria pelas pessoas, o heavy metal é um estilo que traz isso. E a interação do Massacration nos shows com essa coisa de comida… Cara, eu acho que no heavy metal não tem nenhuma banda que fala de comida. Coisas estomacais como o Massacration, acho que só o Cannibal Corpse, só que em um sentido mais splatter. O Massacration adora fazer música de comida, impressionante (risos).
Em um sentido bem mais gastronômico do que o Cannibal Corpse (risos)…
Bruno: Isso! Você tem a Hammercage Hotdog Hell que é uma receita de hot dog do inferno, tem a Feel the Fire from Barbecue, que fala de churrasco, Bad Defecation (The Boss Thunder), que o cara comeu meio mal e deu ruim. Tem bastante coisa que fala sobre comida, tem a Metal Milf também que é uma… A não, essa é de… Não, essa é sobre outra coisa de comer (risos). Não pode mais falar dessas coisas (mais risos).
E já que você tocou neste assunto, quando o Massacration surgiu, era uma época em que todos podiam fazer piadas espontâneas sobre tudo. Hoje, parece que estamos sempre pisando em ovos, por mais que as coisas sejam faladas ou cantadas inofensivamente. Como é para o Massacration, um grupo humorístico, estar em um palco em uma era de cancelamento, de celulares filmando tudo e de pessoas má intencionadas derrubando artistas com coisas que muitas vezes elas distorcem?
Bruno: O Massacration tem uma liberdade poética a respeito disso porque não são pessoas reais, são personagens tão lúdicos… Agora saindo um pouco dessa coisa lúdica e falando a real, são personagens tão exageradamente opressores, nessa forma do machismo do heavy metal, do patriarcado, do metaleiro machista, é tão exagerado que fica caricato. Por exemplo, o Detonator não se preocuparia em medir palavras, porque o Detonator não pode medir palavras. O Detonator tem que ser aquilo ali e ao mesmo tempo ele é tão ignorante que chega a ser jocoso, diria até infantil, nesse radicalismo do metal do Detonator. Então isso não é algo que preocupa na hora de a gente subir ao palco e falar o que temos para falar. Quanto às composições, acredito que não temos problema em tocar Metal Bucetation hoje em dia, parece que todo mundo quando vai ao show do Massacration entra em um portal atemporal do tempo, a gente não percebe essa coisa da polícia do humor no show do Massacration – até porque a gente tem o senso crítico para não exagerar e falar demais. Dentro desse universo lúdico a gente não ofende ninguém. Agora, em relação às composições novas, aí sim isso preocupa, já temos o discernimento de não fazer uma música com o teor de Metal Bucetation hoje em dia, que é algo que objetifica a mulher.
Acredito que as pessoas não são tão burras de acharem que algo feito para tirar sarro do machismo do heavy metal tenha sido feita na intenção de denegrir a imagem de alguém. Penso que há pessoas maldosas que fazem questão de distorcer a mensagem para causar polêmica ou prejudicar o artista que ela não gosta.
Bruno: Sim, é natural o artista passar por esse tipo de coisa hoje em dia, só que algo que condeno e que não concordo é o cancelamento retroativo, tipo, pegar uma música como Metal Bucetation que foi feita lá atrás e te cancelar. Os costumes eram outros, acho que fazer isso é muita crueldade. Mas ao mesmo tempo entendo que a gente, o Hermes e Renato, o Massacration, pelo menos como grupo, nunca passamos por esse tipo de cancelamento porque como fazemos um humor exageradamente caricato as pessoas entendem que não tem nenhum tipo de intenção de machucar ou prejudicar ninguém, nunca tomamos um processo de coisas retroativas que a gente fez e acredito que os críticos e a mídia entendem que a intenção nunca foi essa, é algo que era feito por pura inocência na época.
Realmente, hoje algumas músicas do passado têm sido tiradas do baú por pessoas mal-intencionadas que as trazem para o universo atual, só que inserindo os contextos de hoje.
Bruno: Isso é muita crueldade. Tenho 43 anos, a gente cresceu em outra época, bem diferente da de quem tem 15, 16 anos hoje, então é muito difícil você querer modificar ou fazer com quem tem 20 anos hoje entenda o porquê que a gente fez aquilo. Cabe a nós nos adaptarmos artisticamente ao momento que a gente vive. Então, as músicas que o Massacration faz hoje em dia não vão ser da mesma pegada. O artista reflete a realidade que ele vive. Ou não… Ele pode fazer algo mais lúdico, mas tem que ter liberdade criativa para poder falar das coisas que acontecem em torno de nossa realidade. Com o Massacration é o contrário, a ideia é justamente alienar, como o próprio Roberto Bolaños, o Chaves, falava: “A minha função social aqui é trazer entretenimento para as pessoas que vivem em uma realidade tão triste”. Temos tantas desgraças acontecendo em nossa volta, que a função social do Massacration é trazer um pouco de alívio. Essa sempre foi também a intenção do Hermes e Renato, nunca fomos um grupo de humor politizado, engajado em alguma causa social, a ideia é trazer entretenimento puro e simples para tirar a pessoa de uma realidade tão cruel e fazê-la dar risada.
Muita gente alega que se os integrantes do Mamonas Assassinas ainda estivessem vivos, talvez a banda não teria durado muito, já que poderia ter se repetido na fórmula humorística e perdido a graça. Como vocês pensam isso para o trabalho do Massacration?
Bruno: Isso é natural de se pensar para quem não é humorista. Esse tipo de bloqueio que as pessoas pensam que pode acometer o humor com a música, é o mesmo bloqueio criativo que uma banda pode ter para fazer o segundo disco. O que, por exemplo, o Iron Maiden fará daqui para frente? Aí eles trazem uma ideia de uma temática oriental e lançam o Senjutsu. Esse é o trabalho do humorista. Tivemos um programa de humor por dez anos, aí você assiste o primeiro e pensa, ‘como esses caras têm ideias de fazer essas porras?’. O mesmo acontece com o Massacration ou com essa teoria do Mamonas Assassinas, as pessoas acham que quando você faz um trabalho humorístico musical não irá conseguir repeti-lo uma segunda vez porque perderá a graça, mas não, essa é a nossa profissão: fazer humor. Sempre vai ter um assunto pra gente abordar em uma música que vai ser divertida. Eu gosto muito mais do primeiro disco, porque o segundo foi feito às pressas, tínhamos uma demanda para entregar as músicas em um determinado tempo e isso é ruim. Era a EMI, mesma gravadora do Iron Maiden, ela não nos deu a mesma abertura de tempo que tivemos com a Deck, onde tivemos mais tempo para fazermos as músicas, já tínhamos um monte prontas. Com a EMI fechamos o contrato e não tínhamos nada. Adoro o segundo disco do Massacration até a metade; a outra metade ficou muito genérica. E não somos músicos por profissão, somos humoristas, então, imagina, naquela época a gente fazia nosso programa semanal da MTV, os shows do Massacration e ainda tínhamos que fazer o disco. Assim, além de termos um prazo apertado, não tínhamos tempo para criar, teve coisa que entrou meio no ‘foda-se’. Bad Defecation, a The Big Heavy Metal, Good Blood Headbangers foram músicas que a gente fez para ocupar espaço, é óbvio que tem muita coisa foda ali, tipo The Mummy, The Bull, Suffocators of Metal, o hino de Metal Land que é engraçado pra caralho, porém muita coisa foi pra encher linguiça, não por bloqueio criativo, mas pelo prazo bem curto. Tanto que as músicas novas do Massacration são muito legais, como a Metal Milf, que tem uma pegada mais hard rock, a Metal Galera que é uma zoeira com o Manowar. Tema nunca vai faltar e é muito legal porque isso cria esse desafio na cabeça das pessoas, o mesmo desafio que o Iron tem para criar um próximo disco.
O Massacration pensa em gravar um novo álbum ou a ideia é continuar lançando singles?
Bruno: Hoje em dia, o mercado musical mudou muito, dentro do cenário popular as pessoas não lançam mais disco, apenas singles, algo que vem lá de trás, os compactos. O heavy metal ainda tem esse lance de lançar disco, mas para o segmento artístico mais popular, de entretenimento, é até mais vantajoso lançarmos singles, já que aproveitamos mais, cada música vem com clipe. Nessa volta do Massacration – desde 2017 -, a intenção não é lançar disco, mas singles e eles vão alimentando as turnês. Poderíamos dizer que estamos na turnê do Metal Galera, que foi a última música lançada, e nos shows tocamos os últimos singles. Isso já e um motivo para criarmos um show novo, não precisamos parar tudo pra fazer um novo disco. Com o tempo, a gente reúne um número “x” de músicas e aí lançamos o disco.
Existem novidades sendo preparadas para o próximo ano?
Bruno: Provavelmente, no início do ano devemos lançar uma música nova, acompanhada de clipe, algo imprescindível porque o Massacration é um produto Hermes e Renato, e o Hermes e Renato é um produto de televisão, então sempre primamos muito pela imagem. Por isso que é legal quem vai ao show do Massacration e literalmente vê o show, porque o público quer ver performers, um super-herói no palco e isso hoje não tem muito no heavy metal, temos excelentes cantores, porém não muitos ‘frontmen’. Na minha concepção, o heavy metal e o rock é um circo, por isso que as bandas fodas são as que trazem esse espetáculo, o KISS, o Ozzy, o Alice Cooper, o Iron Maiden, o Slipknot, isso faz muita diferença. E como tem esse lance de todos os shows serem gravados, filmamos essa primeira perna da turnê, então a gente já quer fazer uma repaginada para os próximos shows, que acontecerão a partir da próxima semana: Goiânia, Brasília e São Paulo. Quem for terá surpresas diferentes.
Voltando ao passado do Massacration, como é o sentimento da banda ao pensar que o primeiro disco vendeu 50 mil cópias e chegou a Disco de Ouro?
Bruno: Para mim, é um orgulho que não cabe no peito. Se você for analisar, a notoriedade que o Massacration tem é quase um Sepultura e um Angra no Brasil, o cara que conhece as duas bandas conhece o Massacration. Isso é muito legal e ao mesmo tempo é bom por ser algo diferente, a sonoridade do Massacration é única, porque une heavy metal com humor, nunca teve um grupo desse tipo no Brasil. Lá fora teve o Spinal Tap, tem o Steel Panther e, em certa medida, tem até o The Darkness. Essa junção de música com humor é muito poderosa. Você vê um show do Massacration lotado em um mesmo nível de um show do Angra, por exemplo. No Brasil, a gente coloca a mesma quantidade de público. Sou um fã desde moleque de todos esses ídolos.
Falando de sua relação com o Detonator, ele te incentiva como músico, principalmente a partir do lançamento de seu primeiro álbum solo, o homônimo de 2015?
Bruno: Não, muito pelo contrário. Ele diz que meu disco está uma merda e que eu nunca deveria ousar pensar em cantar porque eu sou muito ruim. Ele me desaprova totalmente. E não é por rivalidade, porque como ele é um deus, ele me vê como um inseto (risos). Ele diz: “você está perdendo tempo fazendo isso, você tinha era que trabalhar pra mim!”. Ele fica puto porque era para eu estar trabalhando para ele e não ficar ‘brincando’ de fazer música merda. (risos)
Como baixista que você é, por que ele nunca te convidou para fazer parte do Massacration ou participar de algum show?
Bruno: É porque eu sou um empregado. Ele tem uma cabeça bem antiquada com isso. Para ele é cada um no seu lugar, não existe meritocracia, para ele isso é algo meio monárquico, ele nasceu rei então só os nobres é que podem tocar heavy metal, e eu sou um plebeu, ele acha que eu nem deveria tocar um instrumento. Eu faço as coisas escondido para ele não ver. (risos)
Você pensa em um novo álbum solo?
Bruno: Eu gostaria muito, já estou começando a reunir material, o problema é que quando eu ia lançar o primeiro single pintou o reality show “A Ilha”. Como meu trabalho é artístico, não só na música e no heavy metal, às vezes tenho que largar uma coisa para priorizar outra. Tenho meus compromissos com a rádio e com a televisão, então acaba não sobrando muito tempo, mas eu gostaria muito de no ano que vem começar a lançar os singles do meu segundo disco. Lancei o disco ao vivo, Alive in Hell (2017), foram discos premiados e eu fiquei muito feliz com a recepção da crítica e do público. Meu primeiro disco foi eleito o segundo melhor disco do ano na época, o Alive in Hell também… Eles são tipo o (time do) Vasco da Gama, sempre vice (risos). Em 2014, vai fazer 10 anos do disco do primeiro disco solo do Detonator com as Musas do Metal (N.R.: Metal Folclore: The Zoeira Never Ends…), e eu gostaria muito de poder fazer uma turnê com as meninas, depois de dez anos, em 2024. Então são projetos que estão no papel e que estão próximos de voltarem para a realidade.
Para finalizar, o que o Detonator achou de sua participação em “A Ilha”?
Bruno: Ele realmente não apoia nada que eu faça e que possa ter algum destaque midiático, porque ele acha que eu vou usar a imagem dele para me promover. Ele diz, “Se não fosse por mim, você não estaria nesses programas de televisão”. Mas ele não me manda embora, não sei por quê. Ele me odeia, mas me ama ao mesmo tempo, só pode ser. (risos)
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