Dois dias antes de se apresentar no Mister Rock, na última quarta-feira (31), em Belo Horizonte, Max Cavalera dizia a este que vos escreve que a capital mineira seria a sede de um “exorcismo”, em que Max Possessed – sua alcunha no prólogo da história do Sepultura – estaria presente. À beira dos 50 anos de vida – a serem completados em 2019 –, o vocalista e guitarrista não poupava palavras para descrever o sentimento de nostalgia e empolgação, não apenas em revisitar, ao lado de seu irmão e baterista Iggor, a era de ouro do grupo que ajudaram a fundar – dos clássicos Beneath the Remains (1989) e Arise (1991), além de algumas surpresas – como também usufruir da cidade onde nasceram e deram os primeiros passos para transformar uma banda de “moleques com a cara pintada e vestimentas pretas” num fenômeno mundial. A véspera do show foi de passeios com a família. Vinte quatro horas depois, começava o “exorcismo”.
Às 22h da quarta-feira, hora prevista para o início do massacre sonoro, o público, em ótimo número na casa, entoava a plenos pulmões: “Sepultura”. Para muitos, a alma do grupo oitentista estava ali naquele lugar, representada na figura da dupla (e também em outro ex-integrante, que daria as caras no apoteótico desfecho). Com cerca de 15 minutos de atraso, eis que emerge o chamado “Soufly + Iggor”. Sim, isso porque o guitarrista Marc Rizzo e o baixista Mike Leon, ambos do conjunto que acaba de lançar seu 11° disco, Ritual, completavam a formação da turnê “89/91 Era”. A única diferença realmente era Iggor em vez de Zyon, filho de Max.
E antes mesmo de se darem conta de que Max Possessed estava ali, os fãs testavam seus pescoços ao som de Beneath the Remains. Uma paulada sem dó nem piedade, seguida de Inner Self, com seu hipnótico riff inicial – quem nunca bateu cabeça na vida ao ouvir essa música, bom headbanger não é. Como o vocalista havia mencionado, ao vivo as canções ficam mais rápidas do que as originais dos álbuns. Mas se o público se deleitava com cada nota neste começo arrebatador, era hora de recompensar Max. Afinal, ele estava em casa e queria ser presenteado em seu retorno. Por isso, deu a ordem: “Abre a roda ae, caralho!”. Missão dada, missão cumprida. O mosh comeu solto inúmeras vezes dali em diante.
Sem tempo para respirar, veio o terceiro ato da orquestra de torcicolos, Stronger Than Hate, com Mike Leon demonstrando toda sua técnica ao fim da música. Mass Hypnosis foi executada de forma furiosa, com Iggor alucinado no bate estaca. É surreal o quanto esse batera é brutal ao vivo; passam-se os anos, a brutalidade só aumenta.
É de salientar ainda que o Mister Rock estava com um ótimo som naquela noite, apesar de a casa continuar sendo um caldeirão, com o próprio Max destacando isso e suando bastante naquele calor infernal.
Depois de mais duas porradas de Beneath the Remains – Slaves of Pain e Primitive Future –, Max perguntava a seus súditos: “estão preparados para o Arise?”.. Com a galera nas mãos, ele já sabia a resposta. E aí começou a sequência de petardos daquela pérola de 1991. A faixa-título, executada à velocidade da luz, não dava trégua, nem para o público, nem para a galera do bar, concentrada na parte mais atrás e que também vibrava intensamente naquela onda de insanidade que parecia não ter fim.
Depois de mais uma gama de clássicos, como Dead Embryonic Cells e Desperate Cry – em que a casa quase veio abaixo –, vieram as primeiras surpresas. No meio da dobradinha Orgasmatron e Ace of Spades, o vocalista vociferava um lembrete a todos os metaleiros: “Se não existisse Motörhead, não existiria Metallica, não existiria Slayer, não existiria Sepultura, não existiria porra nenhuma”. O mestre tem toda razão. Ah sim, antes disso, mandou todo mundo gritar “uai”, como bom mineiro que é.
O cover de Polícia, dos Titãs, foi executada apenas por Max e Iggor, com Leon e Rizzo retornando em Refuse/Resist, a única de Chaos A.D. (1993). O vocalista não deixou de prestar uma homenagem aos familiares presentes no show e também ao bairro Santa Tereza, onde tudo começou. Nesse clima de nostalgia e de ressaltar a importância de suas raízes, todo mundo já estava ciente de que o final não seria aquele clichê com Roots Bloody Roots.
Não, senhor. Em BH, o apocalipse thrash tem outro nome: Troops of Doom (e me perdoem os fãs de Roots Bloody Roots, a troca foi muito melhor). Para a festa ser completa, nada mais justo do que convidar o guitarrista Jairo Guedz, integrante nos idos do Sepultura – nos discos Bestial Devastation (1985) e Morbid Visions (1986). Trajando a camisa do Clube Atlético Mineiro – o Galo Doido também faz parte de suas raízes –, Max deixou as guitarras para Jairo e Rizzo e se concentrou apenas no vocal na última devastação da noite.
Com menos de uma hora e meia de show – mas que pareciam três horas –, o Max Possessed deixava o palco do Mister Rock com a alma lavada e mais possesso do que nunca.