Na última semana, duas das mais talentosas vozes do rock americano desembarcaram no Brasil para uma mini-turnê acústica em teatros de cinco capitais. Michael Sweet e John Schlitt, vocalistas do Stryper e do Petra, respectivamente, sempre foram respeitados não apenas por adeptos do white metal (ou christian metal – como muitos preferem rotular), como também por fãs de hard rock em geral que, acertadamente, se desprendem do fator religião. Na estrada viajando por inúmeros países em décadas, esses veteranos enfrentaram desde sempre a resistência e o preconceito em relação à temática cristã dentro do rock e do heavy metal, ao mesmo tempo em que conquistaram inúmeros e leais fãs, além de grandes premiações na indústria musical. Em São Paulo, o local escolhido para os shows exibia instalações de muito bom gosto. O Teatro Gamaro – localizado no tradicional bairro da Mooca, que é considerado o mais popular e que melhor representa a cidade -, além de muito bonito, aconchegante e confortável, com plateia e dois mezaninos, e capacidade para quase 800 pessoas, dispõe de excelente acústica, tal qual garantiu uma ótima qualidade de som para o público, que, por sua vez, compareceu em peso.
A abertura ficou por conta de John Schlitt, que preparou um repertório baseado em músicas de alguns dos álbuns que gravou com o Petra e também em sua carreira solo. O vocalista entrou brincando com a plateia e com o brasileiro Fausto Caetano (o qual ele tirava sarro, chamando-o de ‘brazilian’), músico e professor de canto, que lhe acompanhou, tocando violão e atuando nos vocais de apoio. Controlando o sampler, que disparava pistas pré-gravadas, incluindo ‘loops’ de bateria, Schlitt começou seu show empolgando com a suingada “Dance”, música do respeitado “Unseen Power” (1991), disco que levou o Petra à conquista do Grammy Award como “Melhor Álbum de Rock Gospel”, e também ao “Dove Award” – premiação equivalente ao Grammy, só que para a música Gospel -, na categoria “Melhor Música de Rock”, com a faixa “Destiny”.
Ao longo do set, Schlitt ia encantando a plateia com sua afortunada voz, que continua impecável, mesmo no alto de seus não aparentáveis 67 anos de idade. Simpático e bastante comunicativo, no intervalo entre uma música e outra ele transmitia seu habitual bom humor, mas também falava sério, quando resolvia emanar sua fé através de mensagens positivas. A interação com o público acontecia a todo instante e em músicas como as belas “Show Me the Way” e “Just Reach Out” ele desceu do palco para sentir de perto o calor dos fãs. Em dado momento, o músico pegou uma bandeira do Brasil e cantou algumas músicas com ela enrolada em seu pescoço.
As versões acústicas que John Schlitt executou para as belas baladas “The Grifting” e “Inside of You”, e também para a envolvente “Take Me Home”, por exemplo, deixaram boa impressão acerca de seus álbuns solo. Porém, foi com composições do Petra que o vocalista agitou os fãs, especialmente os do álbum mais consagrado do grupo: “Beyond Belief” (1990). Esse clássico da banda foi representado por uma trinca impecável formada por “Creed”, “I Am on the Rock” e a própria “Beyond Belief”. Essa última, a já mencionada “Dance” e também “Jekyll and Hyde”, do álbum de mesmo nome, foram as mais comemoradas pelos fãs. Após exata uma hora de show, John Schlitt se despediu do público paulistano sendo, merecidamente, bastante aplaudido. Ele se saiu muito bem nesse formato de show e deixou todo mundo empolgado. E olha que se Schlitt tivesse economizado nas palavras, teria tido tempo de improvisar de última hora alguns outros clássicos do Petra – à escolher entre “First Love”, “Think Twice”, “Love”, “Counsel of the Holy”, “All Fired Up” ou “Destiny”.
Não demorou muito para que o aguardado Michael Sweet surgisse no palco. Faltando quinze minutos para as dez da noite, o frontman do Stryper chegou fazendo alguns testes no som do microfone e cumprimentando o público, que o recebeu de maneira eufórica, como era de se prever. Sweet disse que era muito bom estar de volta à São Paulo – sua mais recente visita à cidade havia sido com o Stryper, em dezembro de 2014, pela turnê de “No More Hell to Pay” (2013) -, avisou que estará de volta com sua banda em 2018, já com um novo álbum lançado (que deverá começar a ser gravado em outubro), e explicou que as músicas do set seriam tocadas em ordem cronológica aos seus respectivos lançamentos – embora, no meio do “trajeto”, a sequência tenha desandado. Assim sendo, acompanhado apenas por um sampler e também pela plateia (ainda que cantando de maneira tímida no início), a primeira que Michael Sweet mandou foi “You Know What to Do”, do EP “The Yellow and Black Attack”, que marcou a estreia fonográfica do Stryper no ano de 1984. Na sequência foi a vez “Reach Out”, do debut “Soldiers Under Command”, que é considerado não só por muitos fãs, como também pelo próprio Sweet, como o melhor disco do grupo.
Desde o início do show, Michael, que sempre foi tremendamente respeitado por seus dotes vocais, especificamente os agudos e extensões de notas, ia dando uma verdadeira aula de canto. Na primeira pausa, deixou os fãs em polvorosa, quando resolveu soltar a garganta, com um “grito metal”, que, particularmente, achei meio constrangedor, ainda mais porque não combinou com o que veio na sequência, que não foi uma música agitada, e sim a primeira balada do set. Com certo suingue na levada, “Honestly” (que dá nome a autobiografia de Michael Sweet) representou o aclamado “To Hell with the Devil” (1986), que é o álbum mais vendido na história do Stryper e que divide com “Soldiers…” a preferência da maioria dos fãs. É muito importante ressaltar que este hit-single é o de maior reconhecimento na carreira do grupo californiano de Orange County. Na época em que foi lançado, seu videoclipe era frequentemente requisitado pelos fãs na MTV, em programas como “Disk MTV”. Um feito e tanto, levando-se em conta que antes disso nenhuma outra banda cristã havia tido abertura na emissora – isso mostra o tamanho do preconceito que rolava. A música acabou sendo a primeira e única da banda de Michael Sweet a figurar no Top 40 da Billboard Hot 100, tendo alcançado o 23° lugar.
Voltando ao show, foi bacana em “Always There for You”, clássico do controverso “In God We Trust” (1989), álbum que tem uma pegada delineadamente mais pop, quando Michael realizou o sonho do fã Brian Silver, baixista da banda Vallet, chamando-o ao palco para acompanhá-lo com o violão. Silver trajava um visual similar ao que Sweet costumava usar entre 1986 e 1989, e repetiu os movimentos que o vocalista fazia naquela época, girando e chutando o ar. Michael curtiu tanto a performance do rapaz, que pediu pra ele repetir a girada de corpo. Hilário. Depois dessa parceria, o falante Michael Sweet pegou o violão de volta, desceu tocando em meio ao público, pousou para algumas ‘selfies’ e cumprimentou algumas pessoas – incluindo esse que vos escreve, que trocou um amigável ‘high five’. Assim que retornou ao palco, “Mike” surpreendeu a todos com um inusitado cover do Bon Jovi para o hino “Livin’ on a Prayer”, do multi-premiado “Slippery When Wet” (1986).
Para a sequência do show, Michael Sweet quebrou o protocolo e pediu que a plateia levantasse das poltronas e fosse curtir o restando do show da pista. Então vieram “All for One” e “Lady”, do polêmico “Against the Law” (meu favorito), de 1990. Nesse álbum, o Stryper passou por mudanças radicais, no logotipo, nas cores de suas listras (o amarelo e preto deram lugar ao azul e preto), nas letras, que não estavam mais tão explicitamente ligadas à religião, no visual, que passou a ser mais discreto e sujo (abandonaram o laquê e a maquiagem e deixaram crescer barbas) e até no som, que agora dispunha de mais peso, groove e consistência. “Against the Law” marcou o fim da primeira fase do Stryper, então era hora de Michael dar sequência ao set com músicas de sua carreira solo. Vieram “Real”, “Someday” e “I’m Not Your Suicide”, mas entre elas o vocalista atendeu alguns pedidos dos fãs, ao tocar trechos de “All This and Heaven Too” e também de “More than a Man”, outra de “To Hell with the Devil”.
Era engraçado quando em algumas músicas, nas partes em que Sweet nitidamente não alcançava mais as notas altas que conseguia com facilidade antigamente, ele se justificava com o público, esclarecendo de maneira bem humorada, que, atualmente, ele não tem mais como se arriscar a cantar como há décadas atrás. E isso é algo totalmente compreensível, afinal de contas, estamos falando de um cara de 54 anos de idade, que encontrou o melhor de sua performance vocal quando ainda estava na casa dos 20 e dos 30. Ainda assim, com a experiência que conquistou com o passar do tempo, Sweet ainda consegue surpreender facilmente cantando.
Resumindo a partir de agora o restante da apresentação de Michael Sweet, ele reviveu seus tempos de Boston, tocando covers para “Peace of Mind” e “Amanda”, deu uma pequena amostra do primeiro álbum que lançou com o Sweet & Lynch – projeto que mantém com George Lynch, guitarrista do Lynch Mob e ex-Dokken -, através da ótima “Dying Rose”, e despejou outros clássicos que faltavam do Stryper, como “Calling on You” e “To Hell with the Devil”. Novamente ele atendeu aos fãs e tocou um medley inesperado com trechos de “Free”, “First Love”, “Surrender” e “Soldiers Under Command”. Uma das mais bem recebidas foi “I Believe in You”, de “In God We Trust”. A comoção do público brasileiro para esse tema surpreende Michael Sweet, pelo fato dessa música só ter feito sucesso em nosso país – ela foi tema da novela “O Salvador da Pátria”, que foi exibida na Rede Globo, no ano de 1989.
O show caminhava para o fim, mas Michael Sweet voltou para o bis com a citada “Amanda” (Boston). A despedida se deu com “Sing-Along Song”, outra das mais aguardadas de “To Hell…”. Estranhamente, apesar de no decorrer da apresentação um banner com a capa de “One Sided War” (2016) ter descido do teto, Mike não tocou nenhuma música desse seu mais recente álbum solo. Foi um show energético e divertido, que durou cerca de uma hora e meia. Assim como John Schlitt e como de praxe, Michael Sweet soube entreter o público, se comunicando, brincando e preenchendo cada espaço do palco. Fica agora a expectativa de que ele cumpra o que prometeu e retorne com o Stryper em 2018. Ao final do show, entrevistamos o simpático Michael Sweet para a seção “playlist”, que você acompanha em breve nas páginas da ROADIE CREW.
MICHAEL SWEET – Setlist:
You Know What to Do (Stryper)
Reach Out (Stryper)
Honestly (Stryper)
Always There for You (Stryper)
Livin’ on a Prayer (Cover do Bon Jovi)
All for One (Stryper)
Lady (Stryper)
Real
All This and Heaven Too / More than A Man (Stryper)
Someday
I’m Not Your Suicide
Peace of Mind (Cover do Boston)
I Believe in You (Stryper)
Dying Rose (Cover de Sweet & Lynch)
Calling On You (Stryper)
Free / First Love / Surrender / Soldiers Under Command (Stryper)
To Hell with the Devil (Stryper)
Amanda (Cover do Boston)
Sing-Along Song (Stryper)
JOHN SCHLITT – Setlist:
Dance (Petra)
Love Won’t Leave Me Alone
The Grafting
Show Me the Way
Take Me Home
Inside of You
Creed (Petra)
Wake the Dead
I Am on the Rock (Petra)
No Doubt (Petra)
Just Reach Out (Petra)
Jekyll and Hyde (Petra)
Beyond Belief (Petra)