A expectativa era grande. Reunir três dos maiores expoentes do Heavy Metal mundial em Porto Alegre em um mesmo palco estava meio distante dos sonhos dos headbangers gaúchos, que mesmo já acostumados com a presença do trio em shows solo (ou de Ozzy com o Black Sabbath). E foi o que aconteceu na versão reduzida do “Monsters of Rock” no Estádio Zequinha, numa fria noite de quinta-feira, cercada de decepções e emoções fortes para um público inferior ao limite do local, de 16 mil lugares. Havia espaços vazios em vários setores do Zequinha, principalmente do lado direito das arquibancadas e na pista Premium.
Decepção? Sim, infelizmente eventos deste porte são propícios à erros e desorganização por parte das produtoras, e desta vez não foi diferente. Cabe ainda citar a palavra desrespeito, muito comentada nas redes sociais. São dezenas de relatos de quem não conseguiu assistir ao show do Motörhead pelo simples fato de não haver organização na fila de entrada, que deixou até mesmo aqueles que chegaram cedo sem a chance de conferir Lemmy & Cia. Fica o apelo, mais do que óbvio, para quando se espera um público estimado em 16 mil pessoas: abram os portões um pouco mais cedo, para evitar que problemas como este surjam ou invistam no treinamento dos funcionários responsáveis pelas filas, para que ajam com eficácia e educação, afinal, ninguém é gado para ser tratado como tal. Porém, há informações que a desorganização teve início com o atraso dos bombeiros chegarem para averiguação.
Ora, se as pessoas pagam por um serviço, elas querem que funcione. Não é porque é um show de Rock/Metal que a excelência no atendimento, organização e pontualidade deverão ser deixadas de lado… E, paga-se caro por isto. Neste quesito a produção do “Monsters Tour” pecou feio, e há pelo menos mais três pontos muito importantes que devem ser comentados: a desorganização na distribuição dos banheiros químicos, o valor abusivo dos produtos vendidos lá dentro e a falta de um DJ competente (se é que havia algum lá). A exemplo de São Paulo, em vez de Pantera, Porto Alegre se viu diante de uma overdose de AC/DC. Ok, praticamente todo mundo curte os australianos, mas estamos falando de repetição exaustiva de uma mesma banda, o que para alguns pode soar irritante. Solução? Colocar um DJ capacitado, que saiba como agradar o público, tocando músicas condizentes com o evento. Um misto de Iron Maiden, Metallica, Megadeth, Slayer e até mesmo AC/DC e Pantera cairia bem, agradando a gregos e troianos, deixando o público já com o sangue fervendo. Mas, creio que ninguém numa produtora de grande porte deva se importar com isso, não é mesmo?
Já dentro do local, o primeiro passo para muitos é comprar uma cerveja. Como de praxe, o valor é abusivo, assim como o preço de um copo d´água. Não foram poucas as pessoas reclamando desta situação. Sinceramente, não sei como funciona o “esquema”, mas cobrar R$ 8,00, R$ 9,00 ou até mesmo (pasmem!) R$ 10,00 num copinho de água? E para aonde vai esta cerveja e esta água consumidas durante o festival? Para uma má distribuição dos (poucos) banheiros químicos, causando filas imensas, onde o tempo de espera passava do limite… Para quem leva tudo na base da festa e não está nem aí, pode parecer besteira, mas privar o ser humano de fazer suas necessidades básicas é algo inconcebível. Como eu disse anteriormente, são problemas comuns, mas que poderiam ser sanados sem grandes complicações, basta um cuidado maior e respeito com quem está desembolsando uma boa quantia no serviço. Já a saída, foi igualmente tumultuada, mas daí já é uma soma de fatores que envolvem não apenas a (má) organização do evento, mas também dos próprios headbangers, principalmente daqueles já dominados pelo álcool.
ZERODOZE – O peso que corrói!
A abertura do Monsters ficou a cargo dos porto-alegrenses da Zerodoze. O trio formado por Cristiano Wortmann (guitarra/vocal), André Lacet (baixo) e Jean Montelli (bateria) iniciou seu set, pesado e coeso, pouco antes do horário previsto, destacando a extrema qualidade sonora, com todos os instrumentos soando nítidos e as linhas vocais de Cristiano em alto e bom som. A primeira música, “Essa Mulher”, mostrou de cara a competência e total segurança da banda, arrancando aplausos do público, que se mostrou satisfeito com sua sonoridade Hard’n’Heavy. Na sequência, “Esperança e Redenção”, um dos destaques de seu novo álbum, “O Peso que Corrói”, disponível para download em www.zerodoze.com. A execução primorosa de “Symphony of Destruction”, clássico do Megadeth, fez milhares de vozes entoarem o refrão junto com Cristiano, assim como em “Wrathchild”, do Iron Maiden. “Ninguém” encerrou o set list dos gaúchos, que saíram ovacionados pelos presentes, enquanto muitas pessoas ainda adentravam o local. Certamente esta noite não sairá tão cedo da memória do trio.
MOTÖRHEAD – Sinônimo de Rock and Roll em estado bruto
A velha locomotiva inglesa de Lemmy Kilmister pode não estar com a mesma velocidade de outrora, mas o show serviu para provar que o velho de guerra ainda tem lenha para queimar, mesmo que de forma moderada. Há quem diga que ele morrerá no palco, fazendo aquilo que mais gosta: tocando Rock ‘n’ Roll. Talvez seja este seu destino, e caso aconteça, o público de Porto Alegre teve a sorte de assistir o Motörhead pela terceira vez. Se na primeira oportunidade, em 1989, tocaram para um Ginásio do Gigantinho praticamente vazio com abertura do Dorsal Atlântica, em 2000 retornaram num lugar menor, o Bar Opinião, fazendo um show memorável. Agora, depois de todo o agito em torno dos problemas de saúde de Lemmy e o cancelamento do show em São Paulo, coube aos veteranos mostrar tudo aquilo que sabem… E como sabem!
Divulgando seu mais recente álbum, o excelente “Aftershock”, o Motörhead deixou o público em êxtase, afinal, com o comunicado de Lemmy, “Nós somos o Motörhead e tocamos Rock and Roll”, o que vem a seguir é uma tempestade sonora, iniciada com uma música do disco “Ace of Spades” (1980): “Shoot You in the Back”. Se Lemmy hoje em dia fica praticamente parado e imponente com seu lindíssimo Rickenbacker, cabe ao agitado guitarrista Phil Campbell a tarefa de se movimentar pelo palco, enquanto lá atrás o monstruoso Mikkey Dee não deixa pedra sobre pedra e agita como um maníaco. E foi ele que em certo momento fez um gesto como se o público estivesse dormindo, para logo depois Lemmy soltar: “Nós somos só três e fazemos muito barulho. Vocês são centenas, eu quero ouvir dor!”. Bom, aqui cabe um parênteses: o público de Porto Alegre estava, ou querendo prestar atenção na apresentação, ou realmente dormindo! Clássicos e mais clássicos eram despejados, destacando “Damage Case”, “Stay Clean” e “Metropolis”. Entre “Over the Top” e “The Chase Is Better Than the Catch” Phil fez um pequeno workshop de Rock ‘n’ Roll, arrancando aplausos da platéia. “Rock It”, do subestimado “Another Perfect Day”, antecedeu duas faixas novas: “Do You Believe” e “Lost Woman Blues”, esta última, como o título indica, um Blues tirado da alma de Lemmy. “Doctor Rock”, presente em “Orgasmatron” (1986), antecedeu o solo de bateria animalesco de Mikkey, que quando anunciado por Lemmy ao apresentar a banda, o intitulou como o “melhor baterista do mundo”. Do improvável “Rock ‘n’ Roll”, de 1987, veio “Jus ‘Cos You Got the Power”, seguida da emblemática “Going to Brazil” e sua linha de guitarra contagiante. Porém, quando Lemmy puxou “Ace of Spades”, sabia-se que o show estava chegando ao fim, e o sonho de muitos em assistir ao Motörhead estava se concretizando. O bis, com a arrasa quarteirão “Overkill” deve ser deixado muito marmanjo com os olhos marejados. Quando será que ouviremos novamente aquela linha de baixo clássica e os bumbos “à milhão” de novo?
Foi uma apresentação vitoriosa, sobretudo para o quase setentão Lemmy, dono de um amor incalculável por aquilo que faz, sentimento este nutrido pela totalidade dos presentes à sua pessoa. Para encerrar, fica aquele diálogo do filme Air Heads (no Brasil, “Cabeças de Vento”):
– Quem ganharia uma luta de wrestling? Lemmy ou Deus?
– Lemmy… Deus…
– Errado bobo!
– Pergunta traiçoeira. Lemmy é Deus!
Set list:
Shoot You in the Back
Damage Case
Stay Clean
Metropolis
Over the Top
Guitar Solo
The Chase Is Better Than the Catch
Rock It
Do You Believe
Lost Woman Blues
Doctor Rock (com solo de bateria)
Just ‘Cos You Got the Power
Going to Brazil
Ace of Spades
Encore:
Overkill
JUDAS PRIEST – A definição exata do Heavy Metal
Esta foi a quarta apresentação do Priest em Porto Alegre, e a terceira com Rob Halford, já que da primeira vez que vieram, em setembro de 2001, Tim “Ripper” Owens ainda estava no comando dos agudos. Em 2005, lotaram o Gigantinho com o Whitesnake, em suporte à divulgação de “Angel of Retribution”, disco que marcou o retorno do Metal God à lenda britânica. Fazendo uma comparação com aquele show, notou-se uma melhora significativa do vocalista, tanto em relação aos seus característicos vocais quanto à sua postura em palco, desta vez muito mais movimentada. Quem achou que o senhor Robert John Arthur Halford, de 63 anos de idade, não corresponderia à altura, deu com os burros n´água! “Painkiller”, certamente a faixa mais agressiva da banda, deu à Halford a chance de provar que ainda há muitos berros estridentes pela frente, com direito a alguns trechos cantados de forma gutural (sim, no estilo Death Metal!).
Também promovendo um novo álbum, o excelente “Redeemer of Souls”, lançado no ano passado, o aço britânico mais uma vez deixou pesado o ar porto-alegrense, esquentando a fria noite que antecipava o feriado do Dia do Trabalhador. E o começo do show foi justamente apresentando material novo: a abertura com a intro “Battle Cry”, seguida de “Dragonaut”, fizeram os punhos se erguerem em referência ao Priest, tendo na figura de Rob Halford a personificação do Heavy Metal. Trocando de figurino durante todo o show, o Metal God conduziu com sabedoria uma verdadeira seleção de clássicos. O hino “Metal Gods” evocou “British Steel”, de 1980, e a cada batida, pesada, de Scott Travis, Halford caminhava no ritmo, como se fosse um gigante de aço marchando para a guerra. “Devil’s Child”, com seu ritmo marcante, evidenciou o peso da cozinha, com Ian Hill marcando o ritmo com a precisão habitual, bangeando o show inteiro e empunhando seu baixo da maneira que todos conhecem. Os riffs e solos proferidos por Glen Tipton e o “novato” Richie Faulkner nos mostraram o poder da banda ao vivo, destacando a performance arrasadora de Faulkner, não deixando saudades de K.K. Downing. É como se a entrada dele desse uma nova vida, adicionando gás extra, algo essencial para uma banda com quase 50 anos de estrada.
E foi na faixa seguinte que Porto Alegre estremeceu: “Victim of Changes” causou arrepios no mais frio dos fãs… Além, é claro, da performance arrebatadora de Halford, foi naquela parte calma da música, aliada ao vento frio que soprava, que deixou o clima assustadoramente lindo. Um dos pontos altos da noite! “Halls of Valhalla”, do novo álbum, soou perfeita ao vivo, com riffs pujantes e peso descomunal! Para os fãs mais “die hard”, “Turbo Lover” caiu como uma luva, com Halford pedindo a participação de todos em seu refrão. “Redeemer of Souls” veio na sequência, imprimindo doses cavalares de peso, mostrando para todos que um dos problemas do disco em si foi a produção, já que suas músicas soam como o Judas de sempre. Chegando já na metade do show, uma trinca de respeito foi simplesmente despejada nos presentes em forma de decibéis: “Jawbreaker”, “Breaking the Law” e “Hell Bent for Leather”, esta última com Halford acelerando o motor da Harley Davidson e adentrando ao palco com toda a categoria que lhe compete. Preciso descrever em detalhes?
Nem é preciso dizer que até aí a banda já estava com o público ganho… E para incendiar ainda mais, o primeiro encore trouxe mais três clássicos: “The Hellion”, “Eletric Eye” e a aniquiladora “Painkiller”, com Scott perguntando o que as pessoas queriam, para então executar com precisão a tão famosa intro de bateria. Halford não poupou suas cordas vocais e deu tudo de si, arrancando aplausos efusivos do público. Uma breve pausa, agora para se despedir de Porto Alegre e deixando um gostinho de quero mais, com “Living After Midnight” encerrando este magnífico espetáculo do mais autêntico Heavy Metal. Se alguém perguntar para vocês qual o segredo do aço, respondam: Judas Priest!
Set list:
Battle Cry (Intro)
Dragonaut
Metal Gods
Devil’s Child
Victim of Changes
Halls of Valhalla
Turbo Lover
Redeemer of Souls
Jawbreaker
Breaking the Law
Hell Bent for Leather
Encore:
The Hellion / Electric Eye
Painkiller
Encore 2:
Living After Midnight
OZZY OSBOURNE – Energia e carisma sem precedentes
Talvez o show mais esperado da noite (vide a receptividade do público), a volta de Ozzy à Porto Alegre foi ovacionada com entusiasmo. Um dos pais do Heavy Metal – apesar de não gostar deste termo – Ozzy sabe como entreter as massas, e no alto dos seus 66 anos, parece não envelhecer. Entrando alguns minutos mais cedo do que o espero (algo que já virou tradição), o velho “madman” abre os trabalhos com “Bark at the Moon”, ganhando o público de imediato. Os músicos que o acompanham há algum tempo foram escolhidos a dedo: o guitarrista Gus G. toca muito bem, mas ainda falta um pouco de estrada e “selvageria” para poder acompanhar as loucuras de seu chefe, enquanto o baterista Tommy Clufetos é um legítimo representante da escola Bill Ward/John Bonham, imprimindo peso e violência em cada batida. O baixista Rob “Blasko”, ex-Cryptic Slaughter e ex-Danzig cumpre seu papel com louvor, criando com Tommy uma parede de som inatingível. Completando o time temos o tecladista Adam Wakeman, que também assume o papel de guitarrista em alguns momentos. Foi com esse time que Ozzy gravou “Scream” em 2010 e não me parece que ele (ou Sharon, sua esposa e empresária) planeja trocá-lo tão cedo.
E foi logo no começo do show que Ozzy decide brincar com a mangueira de água, estragando a vida dos seguranças e dos fotógrafos na frente do palco. Os fãs, é claro, não se importaram e fizeram questão de receber rajadas em várias ocasiões. A segunda música, “Mr. Crowley”, apresentou um Ozzy performático diante do microfone, nesta que é um dos seus grandes e inesquecíveis clássicos. Entre pulos, batidas de palmas e muitos “eu amo todos vocês”, Ozzy emendou com “I Don’t Know”, para em seguida tocar o primeiro som do Sabbath da noite: “Fairies Wear Boots”. A questão é: por mais que a banda seja competente, ouvir as músicas do Sabbath pelo próprio Sabbath é outro nível de malevolência, principalmente os riffs únicos de Iommi.
O set list em si foi uma verdadeira viagem ao passado, recheado de clássicos, como é o caso de “Suicide Solution”, lançada em seu primeiro disco pós-Sabbath, “Blizzard of Ozz”, de 1980. A mais “recente” foi “Road to Nowhere”, de “No More Tears” (1991). Deixando seus músicos brilharem um pouco sozinhos, foi logo após “Rat Salad” que Gus e Tommy mostraram seus dotes. Dentre os dois, Tommy foi o que se sobressaiu, arrancando aplausos de todos os cantos do estádio. “Iron Man”, outro clássico do Sabbath, fez surgir o tradicional coro, e “Crazy Train” fez todos pularem como se não houvesse amanhã. A parada estratégica antes do bis serviu para tomar fôlego antes de “Paranoid”, encerrando esta que foi a melhor apresentação solo de Ozzy na capital gaúcha.
Set list:
Bark at the Moon
Mr. Crowley
I Don’t Know
Fairies Wear Boots
Suicide Solution
Road to Nowhere
War Pigs
Shot in the Dark
Rat Salad
(Guitar and Drum solos)
Iron Man
I Don’t Want to Change the World
Crazy Train
Encore:
Paranoid
SALDO FINAL
Depois de ler tudo isso, ainda tem mais? Sim! O Estádio Zequinha, embora não seja perfeito, tem se mostrado mais acessível do que o Estacionamento da Fiergs (o pior local para shows em Porto Alegre), e a equipe de som contratada para o evento arrancou elogios do público, já que o som de todas as bandas estava perfeito. Os dois telões também ajudaram quem estava lá atrás, mas como o Zequinha não é um estádio muito grande, pelo menos neste aspecto não há do que reclamar. Além disso, nenhuma banda atrasou, ou melhor, até começaram seus sets um pouco antes dos horários previstos. Tirando os problemas citados na matéria, foi uma noite espetacular, que ficará marcada na memória de cada banger lá presente, graças à competência destas verdadeiras lendas do Metal mundial.