Lou Ottens, que não só inventou a fita cassete (ou K-7), mas também ajudou a desenvolver o CD e o Vídeo 2000 – formato de fita que concorreu com o VHS -, morreu em sua casa na vila holandesa de Duizel, aos 94 anos. A causa da morte não foi revelada até o momento.
“Estamos muito tristes em informar que Lou faleceu pacificamente no sábado, 6 de março de 2021”, disse a filha de Ottens, Arine Ottens, ao WTOP News.
Engenheiro holandês, nascido Lodewijk Frederik Ottens, começou a trabalhar para a empresa de eletrônicos Royal Philips por volta dos 20 anos. Em 1960, após oito anos na empresa, ele foi promovido à chefe de desenvolvimento de produtos pela mesma filial belga da Philips.
Em um ano no cargo, Ottens e sua equipe criaram o primeiro gravador portátil do mundo, o EL 3585, uma invenção que revolucionaria a indústria da música e venderia mais de um milhão de unidades. Em seu terceiro ano, ele inventou a fita cassete, um desenvolvimento inspirado pela frustração de Ottens com os LPs e, principalmente com a pesada gravação em fita magnética de carretel aberto. “Fiquei irritado com o desajeitado sistema de ‘bobina para bobina’, (que é) hostil ao usuário, tão simplório”, disse em uma entrevista sobre o que o motivou a fazer o cassete compacto.
Em comparação com o mencionado sistema de cartucho, seu novo formato de gravação de fita magnética analógica foi considerado uma inovação revolucionária e delicada. As novas fitas também permitiram que os ouvintes gravassem facilmente as músicas do rádio, uma virada de jogo na época – e o início de inúmeros romances de “mixtape”.
A equipe de Ottens apresentou ao mundo sua fita cassete com invólucro plástico, inaugurado em uma feira de eletrônicos de 1963. “Menor que um maço de cigarros!”, ostentava a promoção do formato musical.
As fitas patenteadas pela Philips foram um sucesso quase instantâneo e rapidamente revolucionaram a indústria musical, gerando inúmeras mixtapes profissionais e DIY, com mais de 100 bilhões de unidades vendidas.
Então na década de 1970, Ottens ajudou a desenvolver o CD, uma co-criação da Philips e da produtora japonesa de eletrônicos Sony, que fez sua estreia pública em 1982.
Apesar de sua enorme influência sobre a música moderna, Ottens permaneceu humilde quanto ao seu desenvolvimento. “Não tenho um ‘botão do orgulho’”, declarou após sua aposentadoria em 1986, enfatizando que as criações foram esforços de equipe.
Em outra entrevista, Ottens expressou uma profunda compreensão e presciente da inevitabilidade da mudança, da inovação e da passagem do tempo. “Tudo desaparece no mundo quando chega a sua hora”. “Então eu (também) vou (desaparecer)”.
Embora Lou Ottens tenha partido e a tecnologia do mundo moderno tenha ofuscado o brilho de sua invenção, principalmente a partir do surgimento do CD e ainda mais recentemente com as ferramentas de streaming, sempre haverá adeptos que seguirão colecionando ou guardando com carinho seus exemplares desse formato de armazenamento de música que foi tão importante em outros tempos.
No heavy metal, quem tem mais de 40 anos lembra ou fez parte da romântica era dos chamados ‘tape traders’. Esses eram headbangers e/ou músicos, que faziam cópias dos álbuns que eram lançados (ou mesmo de suas demos), para trocarem com pessoas do mundo todo. Foi através do boca a boca e da ‘rodagem’ de mão em mão de suas primeiras demos gravadas em cassete, por exemplo, que o Metallica se tornou bastante conhecido no circuito underground. Foi com a entrega e envio de fitas cassetes também que muita banda conseguiu tocar no rádio e assinar contratos com gravadoras.

E quem também não criou suas próprias ‘mixtapes’, atentando-se ao seu programa favorito de rádio para soltar o ‘rec’ no aparelho de som ou no gravador na hora em que a programação ou música anunciada começava a rolar? Eu mesmo gravei algumas edições do saudoso “Comando Metal”, programa apresentado por Walcir Chalas, dono da lendária loja Woodstock Discos, que ia ao ar nas noites de domingo (das 22h00 a 0h00) pela rádio 89FM, de São Paulo.
No documentário Botinada: A Origem do Punk no Brasil (2006), de Gastão Moreira, há um capítulo dedicado à importância da fita cassete no cenário nacional de punk rock. Era comum naqueles tempos vermos em flyers de shows chamadas como “fitas e bandas” ou “som de fita”. Alguns dos entrevistados do documentário relembraram os tempos icônicos da fita cassete. “Uma coisa que hoje é extinta e eu adorava era show de punk de fita cassete”, recorda Anselmo, baixista do Inocentes. Já o líder da banda, o vocalista e guitarrista Clemente Tadeu, divertiu-se ao lembrar que não havia a presença de DJs nas casas. “Na nossa época era som de fita, não era nem som mecânico, nem DJ”.
Havia até quem repudiasse as bandas que estavam no palco, preferindo ouvir grupos estrangeiros através de fitas cassetes que rolavam nas casas noturnas. “Naqueles tempos, a gente não gostava de som ao vivo”, afirmou João Gordo (Ratos de Porão). “As bandas nacionais eram “tudo” ruins, eu não gostava de ver, preferia som de fita”, completou. Naqueles primeiros anos do punk rock no Brasil, chegava a rolar treta quando uma banda se atrevia a subir no palco, “atrapalhando” o ‘playing’ das fitas cassetes que animavam as festas punks. Irene, baixista que passou pelo Restos de Nada – para muitos, considerada a primeira banda nacional de punk rock, criada em 1978 pelo saudoso guitarrista Douglas Alves Viscaino -, comentou o que rolava: “A gente tocava às vezes, e quando tocávamos alguém tinha que manter uma garrafa na mão pra fazer a segurança pessoal, porque o público queria invadir e tirar as pessoas, porque queria ouvir fita”.
Na falta de grana para ir a shows, as fitas cassetes salvavam até rolê furado. “No nosso próprio bairro, tinham aqueles ‘discoteques’ da época, bailinho de final de semana, os punks iam, (porque) não podiam sair do bairro, não tinham grana. A gente ia lá com a “cassetezinha” no meio das (músicas) lentas, no meio dos (sons) funk, e o cara rolava um Sex Pistols para os punks baterem as jaquetas no chão”, orgulha-se Português, ex-baterista do Garotos Podres.
Ainda que as plataformas de streaming reflitam o imediatismo e a praticidade que a vida moderna requer, certamente elas não possuem o charme da nostálgica era dos LPs e dos cassetes. Quem não viveu tal época e nem faz questão de adquirir essas antigas e adoráveis mídias, desconhece o prazer de sentir o “perfume” e de manuseá-las. E por mais entediante que fosse dar a devida manutenção e limpeza que esses produtos exigiam, muita gente hoje em dia se lembra com bom humor das táticas e artimanhas de conservação e utilização. Se você não sabe do que estou falando, pergunte a alguém mais velho sobre a relação, por exemplo, de uma fita cassete com uma caneta esferográfica e um Durex, que certamente você se divertirá com o que irá ouvir.

Edições avulsas, assinatura física e digital.
Conheça a nossa Roadie Crew Shop – acesse www.roadiecrew.com/roadie-shop
Apoie nosso jornalismo com uma contribuição de qualquer tamanho.
Seu apoio ajuda a continuarmos melhorando o conteúdo do site com entrevistas exclusivas, resenhas de shows, notícias e artigos. Toda contribuição, por maior ou menor que seja, é muito valiosa para nós. Clique em Doações