Após duas noites memoráveis com os lendários ‘thrashers’ nova-iorquinos do Nuclear Assault, realizadas em 25 e 26 de abril, o projeto “Música Extrema” do Sesc Belenzinho proporcionou outro momento histórico para os headbangers paulistanos: trouxe à São Paulo, no último dia 11 de maio, o veterano e cultuado Mutilator. Formado em 1985, na famigerada Belo Horizonte, o grupo mineiro de death/thrash metal foi um dos responsáveis, ao lado de nomes como Sepultura, Sarcófago, Overdose, Chakal, Witchhammer, Overdose, Holocausto, Sagrado Inferno, Sextrash, Kamikaze e, mais tarde, The Mist, Cirrhosis e Expulser, por tornar o estado de Minas Gerais mundialmente conhecido e influente na música pesada. Em 2018, após convite do canal online E Aí, Cara?, que comemorava quatro anos de atividades, os membros originais Ricardo Neves (baixo) e Rodrigo Neves (bateria, Lou Cyfer/Insulter) reativaram o Mutilator. Com isso, os irmãos Neves punham fim à um hiato que já durava quase três décadas. A princípio, esse retorno, que contou com o reforço de Kiko Ianni e Igor Arruda (Hocnis, Ex-Machina) nas guitarras e Ron Seth (Lou Cyfer, Sepulchral Voice, Impurity) no vocal, seria apenas para o show realizado em maio do ano passado, no próprio festival “E Aí, Cara?”, em que o Mutilator tocou só cinco músicas. No entanto, já com Delei Reis no vocal e Luiz Sepulchral (Sepulchral Voice) no lugar de Arruda, a banda regravou a clássica Nuclear Holocaust (com direito à videoclipe) e no início de 2019 tocou no “Bloco dos Camisas Pretas”, de BH, e depois no tradicional festival “Headbangers Attack”, em Brasília, pouco antes de vir à São Paulo.
Fazia exatos 30 anos que o Mutilator não se apresentava em São Paulo. A última vez aconteceu no extinto Projeto SP, quando dividiu palco com duas bandas paulistanas, também icônicas, MX, do ABC, e Korzus. Entretanto, naquela ocasião, o Mutilator estava divulgando o seu segundo álbum, Into the Strange (1988), portanto, já não contava com Ricardo e Rodrigo Neves. Dito isso, afortunados daqueles que compareceram (em número razoável) ao Sesc Belenzinho, pois tiveram a chance de presenciar o Mutilator tocando várias músicas de seu debut Immortal Force (1987), entre outras ainda mais antigas. Pontualmente, às 21h30, um clima macabro criado por uma introdução sinfônica que culminou em gritos aterrorizados pelo barulho ‘mutilador’ de uma motosserra (ao melhor estilo do clássico ‘cult’ do Terror “O Massacre da Serra Elétrica”), seguidos de sirenes, tomou conta do ambiente. O Mutilator – com Luiz Sepulchral de rosto coberto por uma máscara de gás -, entrou impiedoso executando Nuclear Holocaust. Esse seu hino foi originalmente gravado em Warfare Noise I, conceituada coletânea da respeitada Cogumelo Records, que apresentava também as bandas Chakal, Sarcófago e Holocausto. Na primeira pausa, depois dos cumprimentos de Delei e Ricardo, o animado baixista elogiou o público, dizendo: “Vocês são os ‘bangers’ mais fodidos do Brasil!”. E agradeceu: “Pra gente, é uma honra estar com vocês aqui em São Paulo. A gente agradece de coração o apoio que vocês têm dado para a volta do Mutilator”. Prosseguindo, ele apresentou a nova formação e anunciou a primeira de Immortal Force: Brigade of Hate. Nessa, em que o título homenageia a extinta banda de grindcore Brigada do Ódio, um modesto circle pit se estabeleceu na pista.
Voltando ainda mais no tempo, especificamente ao ano de 1986, a banda revisitou sua primeira demo, Bloostorm, tocando a matadora Evil Conspiracy, que quase foi regravada, não fosse os integrantes terem optado pela mencionada Nuclear Holocaust. Ao final dela, a plateia soltou o coro de “Mutilator, Mutilator…”, antes de agitar na outra música que o grupo gravou em Warfare Noise I: Believers of Hell. Tanto nessa, quanto na anterior e em algumas outras músicas posteriores, notava-se certo desentrosamento. Olhares mais atentos percebiam a tensão e a comunicação entre os músicos, que davam toques um ao outro para o ajuste de partes que de vez em quando enroscavam. Dando sequência, Delei perguntou: “preparados para a tempestade sangrenta?”. Era o prenúncio para outra de Immortal Force, a violenta Blood Storm. Evidenciando a influência de Slayer e Sacrifice, essa, que é de autoria do saudoso guitarrista Magoo, foi uma das melhores do set – destaque para o solo cavalar de Kiko Ianni. Quanto ao que foi perguntado por Delei, a resposta dos fãs foi dada agitando no moshpit.
A seguir, vozes cavernosas começaram a ecoar nos falantes. Nesse clima sinistro, a dupla que empunha os machados cortantes do Mutilator se dirigiu ao centro do palco. Sepulchral deu início à um riff abafado, que serviu de base para Ianni mostrar suas habilidades num extenso solo, ora melódico, ora veloz, valendo-se de improvisações que incluíam o modo ‘tapping’ – também conhecido como ‘two-hands’ (técnica aprimorada e altamente difundida por Eddie Van Halen). Com os irmãos Neves de volta, pondo a cozinha do Mutilator pra funcionar, rolou uma rápida sessão instrumental, que antecedeu a música que dá nome ao grupo. Novamente, os headbangers corresponderam e caíram no moshpit. Antes da próxima, o comunicativo Ricardo teceu elogios à cena paulistana: “Galera, com muita gratidão, a gente está aqui em São Paulo, que pra gente é a capital nacional do metal. Se o metal nacional existe, é por causa de São Paulo. Vocês são os mais fodidos do Brasil!”. Aplaudido, ele anunciou a própria Immortal Force. Curiosamente, mesmo não havendo a tradicional grade que separa a pista do palco, foi somente nessa música que aconteceu de um fã subir e se jogar no stage diving.
Sempre segurando um copo com alguma bebida, dessa vez foi Delei que, sorridente, comemorou: “Satisfação. É bom demais estar com vocês aqui essa noite. Do caralho. Sem palavras!”. E disse mais: “Eu sou como vocês. Sabe por quê? Porque quando a banda começou, eu era uma criança. Sou o fã que se tornou membro”. Com orgulho, o frontman relembrou: “Ruídos de Minas Gerais: nasceu Mutilator, Sarcófago, Sepultura, Chakal, Witchhammer, Holocausto, Sepulchral Voice e muito mais!”. Ao avisar, “a gente agora vai de tormento da alma”, ficou claro que ele falava de Tormented Soul, mais uma de Immortal Force – essa com letra de Rodrigo – com a pegada do Slayer antigo. E dá-lhe mosh por parte dos fãs! Pra finalizar, a banda escolheu a música que abre seu álbum de estreia: Memorial Stone Without Name. Após longa ausência do palco e um silêncio angustiante, Ricardo, Rodrigo, Delei, Kiko e Luiz retomaram suas posições. Para desapontamento de muitos, no bis não rolou nenhuma das três que completariam a totalidade de Immortal Force, ou seja, Butcher, War Dogs e Paranoic Command. O Mutilator as preteriu à repetição de Nuclear Holocaust e Evil Conspiracy.
Após uma hora e dez minutos de show, em que o Mutilator saciou os anseios dos fãs paulistanos que esperaram uma vida toda para assisti-lo, os simpáticos músicos confraternizaram com os fãs, atendendo a quem quisesse para fotos, autógrafos e bate papo. À este repórter, Ricardo Neves falou da sensação de estar novamente correndo os palcos do Brasil com o Mutilator: “Pra ser sincero, é uma coisa que ainda estava mal resolvida na minha vida e na do Rodrigo. A gente sempre teve vontade de voltar com o Mutilator, mas sempre tinha algum empecilho que nos impedia. A sensação é maravilhosa. Temos muita gratidão à toda galera metal do Brasil inteiro pelo apoio que está nos dando”. E enalteceu: “O mais legal é que muitas daquelas galeras dos anos 80 continuam frequentando shows. Então, é uma oportunidade que estamos tendo de reencontrar amigos do passado. É muito gratificante.” Finalizando, o baixista confirmou: “Temos material novo e devemos começar a gravá-lo em novembro. A ideia é um EP de cinco músicas, que já estão prontas”. Aguardemos então por esse trabalho e que o Mutilator não demore mais tanto tempo para retornar à São Paulo.