Por Leonardo M. Brauna
Faz tempo que Fortaleza/CE entrou na rota de turnês internacionais gerenciadas por produtoras como a Liberation Music Company que, em junho de 2017, levou à capital cearense os vikings do Amon Amarth e o ex-Immortal Abbath. Novamente a Liberation apostou no território alencarino para realizar o evento mais brutal dos últimos tempos na cidade, a “Latin America Tour 2018”, protagonizada por dois dos maiores nomes da música extrema mundial. Mesmo com a iluminação não acompanhando à altura a qualidade de som e postura de palco das bandas, o evento seguiu com excelente dedicação ao tempo proposto para a sua realização, contribuindo para o conforto dos mais ansiosos.
Um ponto curioso está na localização do Espaço Jangada, um salão de eventos de estrutura fascinante, situado no interior do shopping Iguatemi, que é o maior ícone cearense de consumo da classe média –, é também o nono centro comercial do Brasil no quesito expansão, em outras palavras, um dos últimos lugares onde tocariam bandas de death metal e grindcore. Sem dúvida essa foi a maior quebra de tabu da sociedade comum, gerada pelo liberalismo que é uma marca forte desse novo milênio.
Consumismo é um tema assíduo nas letras do grupo formado por Mark “Barney” Greenway (vocal), Shane Embury (baixo) e Danny Herrera (bateria) desde a época do “Scum”, primeiro álbum lançado em 1987 pelo Napalm Death, de onde sairam “Multinational Corporations” e “Instinct of Survival” que, assim como no disco, abriram esta noite. Da formação clássica pós Jesse Pintado (R.I.P. 2006), apenas Mitch Harris não está presente nesta turnê, pois há anos o guitarrista atua apenas em estúdio, porém, John Cooke que em 2012 colaborou em alguns shows, e desde 2014 se mantém como membro efetivo em turnês, preenche devidamente essa lacuna.
O baixo de Shane com seu habitual peso extraindo um som grotesco e distorcido, se confere em “Unchallenged Hate”, canção de “From Enslavement To Obliteration” (1988) que, ao lado do debut, é um álbum visceral e extremamente rápido. Após esta execução, Barney falou ao público dando boas vindas e agradecendo com um “obrigado!” bem pronunciado. Como bom ‘frontman’ o vocalista interage com o público com dissertações que sempre terminam em aplausos, como o alerta que fez à humanidade sobre a corrupção dos governantes, antes de mandarem nos PAs “Smash a Single Digit”, ‘single’ que promoveu o álbum “Apex Predator – Easy Meat”, em 2015.
“Practice What You Preach” do “F.E.T.O.” foi outro momento festivo do ‘set list’, pois quanto mais rápida e brutal é a execução, mais a galera na pista gera seus grandes ‘circle pits’. “O Brasil é um país incrível, do caralho!”, exclama Barney após o turbilhão causado em “Standardization”, que está em “Coded Smears and More Uncommon Slurs”, de 2018. É impressionante como este “tiozão” de 49 anos de idade, se movimenta correndo de um lado para o outro com a energia de um adolescente, proferindo da garganta os seus já conhecidos guturais, mas o acompanhamento de Shane e John nos backing vocals, complementa em brados rasgados o poder do conjunto vocal do Napalm Death.
Outras clássicas como “Scum” e as ultrarrápidas “You Suffer” e “Dead” deram as caras, assim como “Suffer the Children” de “Harmony Corruption” (1990) e “Breed to Breathe” de “Inside the Torn Apart” (1997), que fizeram o Espaço Jangada sacudir, aliás, a essa altura a central de climatização do ambiente já não fazia bom trabalho, e a banda sentia isso na pele pelas inúmeras garrafas d’água ingeridas e jogadas à cabeça. A noite segue com o ‘mosh pit’ fervendo com as canções “Silence Is Deafening”, do álbum “The Code Is Red… Long Live the Code” (2005), “Call That an Option?” do novo CD e “How the Years Condemn” do já citado “Apex Predator – Easy Meat”.
Após isso Barney fala que tocarão o segundo cover da noite, o primeiro foi “Victims of a Bomb Raid”, dos suecos do Anti Cimex, conferida depois de “Narcoleptic” do álbum “Order of the Leech” (2002), mas a releitura prometida e já aguardada foi a de “Nazi Punks Fuck Off” dos norte-americanos do Dead Kennedys. Durante o breve discurso do vocalista, o público grita “Antifa! – Antifa!” em alto coro para deleite do quarteto, que tocou brutalmente o referido cover.
A inclusão de “Siege of Power” no repertório foi uma surpresa e, claro, valeu quase a metade do show, pois este som do álbum “Scum” é um dos hinos do grupo e do grindcore em geral. A festa do Napalm Death foi encerrada com muita energia ainda circulando pelo interior da casa, com os fãs ecoando o nome da banda repetidas vezes até as luzes se acenderem novamente. Que despedida!
No dia 15 de novembro faria três anos que George “Corpsegrinder” Fisher (vocal), Pat O’Brien e Rob Barrett (guitarras), Alex Webster (baixo) e Paul Mazurkiewicz (bateria) pisaram em Fortaleza para realizar o – até a data de hoje, insuperável – maior show de brutalidade sonora de todos os tempos na cidade.
Esta marca só foi vencida pelo próprio Cannibal Corpse que trouxe “reforço extra” do Napalm Death nesta turnê, e que espancou os PAs do evento com “Code of the Slashers”, ‘single’ do novo álbum “Red Before Black”, que tem um videoclipe muito louco. A resposta do público foi imediata, muita gente se espremeu na grade procurando interagir com o grandalhão com cara de poucos amigos, mas muito gente boa. A temperatura no ‘mosh pit’ subiu com mais uma do CD atual e o fechamento da trinca com a canção título, “Red Before Black”.
As bases pesadas de “Scourge of Iron”, de “Torture” (2012), puseram à prova a estrutura física do Espaço Jangada, que suportou bem esta e a matadora “Evisceration Plague”, do álbum de mesmo nome, lançado em 2009. Durante todo o ‘set’ os guitarristas se movimentavam apenas o necessário, mas trabalhavam numa sincronia de causar inveja a músicos de orquestra. Sim, conferir Cannibal Corpse em tempo real não é muito diferente de ouvi-los pelo CD.
Do lado direito, O’Brien tratava as seis cordas com devido respeito à sua guitarra que, vez ou outra, além dos solos, mostrava como se harpejava no death metal. Na outra ponta, Barrett parecia dar mais atenção a um grupo que se pusera ali a admirar a sua técnica de tocar os riffs mais pesados da noite. A cozinha dos baluartes Paul e Webster mostra o porquê de a banda ser uma das mais pesadas do gênero. Não há satisfação maior do que ver o Cannibal Corpse em ação!
Foi em “Scavenger Consuming Death”, mais uma do recente álbum, que Rob chegou mais junto da galera e chamou para o acompanhar em “The Wretched Spawn” do álbum homônimo de 2004. Em um momento de pouca pausa, Fisher comenta que se sente muito bem em estar de volta. Sentindo que o lugar já estava bastante quente, o vocalista distribuiu garrafas d’água com a plateia e ainda zombou de um fã que surrupiou a garrafinha de outro. Retornando à destruição, “Pounded into Dust” de “Bloodthirst” (1999) foi arremessada aos PAs.
O penúltimo CD “A Skeletal Domain”, de 2014, também teve seu momento com “Kill or Become”, mas após Fisher dizer “Agora é hora de incendiar tudo com uma das antigas”, os presentes se animaram com “Gutted”, do clássico “Butchered at Birth” (1991) que, aliás, George se sente muito à vontade em cantá-la e ‘bangeá-la’ com a sua habitual rodopiada de cabeça que, segundo ele, ninguém consegue acompanhar, e para quem já viu o Cannibal Corpse no palco sabe que o vocalista fala a verdade.
Se com o Napalm Death o calor não deu trégua, a coisa se elevou com os norte-americanos, e isso fez o gentio vocalista distribuir mais garrafas ao público. Após a cacetada da nova “Corpus Delicti”, “Devoured by Vermin” do ótimo “Vile” (1996) deu o ar da graça mais a “A Skull Full of Maggots” do ‘debut’ “Eaten Back to Life” (1990) –, e assim mantiveram o ritmo do show com rodas monstruosas fazendo subir poeira do ‘hall’ que se tornava um verdadeiro liquidificador humano, impulsionado também por “cantiguinhas” como “I Cum Blood” e outra de “Tomb of the Mutilated” (1992), a obrigatória e mais que essencial, “Hammer Smashed Face”, que encerrou o show depois de tocadas “Make Them Suffer” de “Kill” (2006) e “Staring Through the Eyes of the Dead”, de “The Bleeding” (1994).
Como pode observar, o Cannibal Corpse desfilou por quase toda a sua discografia, deixando de fora apenas músicas dos álbuns “Gallery of Suicide” (1998) e “Gore Obsessed” (2002) e, pelo menos, uma meia dúzia a mais de clássicos, mas este é um preço a se pagar quando em seu histórico existem quinze trabalhos oficiais, tirando EPs etc.
O headbanger dessa noite também fez bonito e fica garantida a volta dessas duas lendas nas próximas turnês, assim como prometeram seus ‘frontmans’. O forró pode ser o ritmo predominante desse lado de cá do Brasil, mas o metal conseguiu cravar a sua cena fomentando um nicho na música extrema que hoje é um dos maiores do país, tão respeitado quanto cultuado por seus adeptos, os mesmos que encantam todas as bandas do estilo que visitam o Nordeste. Hoje foi só mais um exemplo.