Um reencontro que os fãs haviam aguardado por dois anos, e uma empolgação aflorada pela ansiedade causada pelas remarcações causadas pela pandemia da Covid-19. Este era o clima da noite de quinta-feira num Vivo Rio abarrotado – com um público aproximado de 4 mil pessoas – para finalmente receber o Nightwish em sua turnê do excelente “Human. :II: Nature.” (2020).
Uma noite que começou com uma mudança causada exatamente pelos danos da pandemia: no lugar de Marco Hietala, que trabalharia em dobro, o Beast in Black ficou com a missão de abrir os serviços para um público que pouco ou nada conhecia do seu trabalho, apesar dos três álbuns lançados – “Berserker” (2017), “From Hell With Love” (2019) e “Dark Connection” (2021).
Ainda assim, o quinteto finlandês – formado por Yannis Papadopoulos (vocal), Anton Kabanen e Kasperi Heikkinen (guitarras), Máté Molnár (baixo) e Atte Palokangas (bateria) – teve uma recepção positiva, especialmente com aplausos ao fim de cada música. Aplausos que ganhavam força conforme a casa ia tendo seus espaços preenchidos, mas vai saber se motivados pela excitação de uma plateia para a qual qualquer banda em cima do palco seria motivo de festa àquela altura, afinal…
Bom, ao pegar todos os clichês possíveis e imagináveis do power metal melódico e juntá-los a referências do hard rock, com direito a uma enxurrada de teclados pré-gravados, o Beast in Black tanto agrada aos menos exigentes quanto esgota a paciência de quem costuma espera algo a mais. Seja de grupos mais novos, seja dentro de um estilo que há muito se mostra limitado e limitador.
Assim, os falsetes e agudinhos de Papadopoulos – que lembra demais o saudoso comediante Paulo Gustavo – não ajudam em nada, ainda mais soltando um cada início de música. E as coreografias à la Judas Priest soam tão caricatas que estão mais para um show do Steel Panther, e aí sim seriam divertidas exatamente por não serem levadas a sério.
Não fosse “From Hell With Love”, que anima por flertar com a disco music, veja só você, e a estreia do Beast in Black em solo carioca teria sido completamente esquecível para quem não nunca vai colocar um de seus CDs para tocar. Ou não pretende gastar conexão de internet com a banda em plataformas de streaming, porque obviamente teve muita gente que gostou. Sempre tem.
A ideia não é fazer algum tipo de comparação, mas a verdade é que bastou o início da apresentação do Nightwish para entender o que é brincadeira de gente grande. Apertando rapidamente o botão de adiantar até o fim do show, é necessário louvar o fato de que a banda joga seis amostras dos dois álbuns com Floor Jansen – incluindo os quase 25 minutos de “The Greatest Show on Earth” – num repertório de 17 músicas.
Mais do que isso, são 10 canções da fase pós-Tarja Turunen, o que ajuda a ratificar o fato de que aqui não se vive do passado. E é isso que o Nightwish deixa bem claro logo de cara, com “Planet Hell” de intrusa entre as cinco primeiras músicas do show. Claro, depois de um começo arrasador com “Noise”, já na ponta da língua dos fãs, ela terminou de colocar gasolina numa fogueira já muito bem acesa pelo público, a ponto de Floor Jansen comemorar que a “pandemic had to fuck off!” para que todos estivesse ali, juntos.
Aliás, “Planet Hell” reforçou o que havia ficado óbvio em “An Evening With Nightwish in a Virtual World”, as duas apresentações por streaming que o sexteto fez em maio de 2021, durante a pandemia: enquanto o agora efetivado Jukka Koskinen segura bem nas cinco cordas, a presença de palco e os vocais de Hietala fazem falta. Troy Donockley é um multi-instrumentista acima de qualquer suspeita, mas a voz não tem o mesmo carisma da do ex-baixista.
De qualquer maneira, sejamos sinceros: com todo respeito também ao batera Kai Hahto e aos dois remanescentes da formação original, o guitarrista Emppu Vuorinen e o tecladista e líder Tuomas Holopainen, a noite era de Floor. Pouco importa se fosse com seu próprio material ou com músicas dos anos com Tarja ou Anette Olzon, a holandesa deu um espetáculo não apenas de voz, porque o que ela está cantando é, perdoe o meu francês, sacanagem de impressionante.
Floor deu, também, uma aula de simpatia e presença de palco. Foi assim no groove de “Tribal”, música mais objetiva, para os parâmetros do Nightwish, e que ficou ainda melhor ao vivo; e continuou com “Élan”, que ainda não é o hit que merecer ser, e “Storytime”, cujo espetacular refrão, um dos melhores da banda, foi acompanhado à altura pela graça e leveza de Floor no palco – a propósito: aos que curtem o lado revista Caras ou revista Contigo do heavy metal, cortar o cabelo não tirou um pingo sequer da força da vocalista.
Enquanto “She is My Sin” e “Sleeping Sun” foram agradáveis surpresas, especialmente para os fãs mais das antigas, seja pela manutenção ou aparição no setlist, o que veio a seguir foi o momento de maior catarse natural do espetáculo. Anunciada por Floor como uma de suas favoritas, “7 Days to the Wolves” abriu caminho para performances arrebatadoras de “Dark Chest of Wonders” – infelizmente, só posso imaginar a histeria se tivessem emendado “Wish I Had an Angel” na sequência – e “I Want My Tears Back”, na qual Floor dominou as ações de tal maneira – dançando, batendo cabeça, sorrindo fácil… Ou seja, se divertindo e entretendo – que Holopainen, estrategicamente posicionado no centro do palco, não escondia o semblante de alegria.
Na plateia, era só olhar para os lados e ver fãs com a mesma feição, e como se estivessem hipnotizados pelo que acontecia à frente. Até porque “Ever Dream”, com outro refrão difícil de tirar da mente, e “Nemo”, na qual Floor tem a manha de cantar com um jeito bem pessoal, manteriam qualquer um no estado de transe.
E isso ajudou a manter o astral lá em cima para duas novas, “Shoemaker”, cuja incrível e difícil melodia vocal foi tirada de letra ao vivo, e “How’s the Heart?”, esta em formato acústico, apenas com Floor e Donockley no palco. Uma versão obviamente especial para a vocalista, já que se trata de sua canção favorita em “Human. :II: Nature.”, e os efusivos aplausos durante e depois acabaram sendo um reconhecimento.
Não deixa de ser curioso perceber agora que o show se encaminhava para o fim, mas que ainda faltavam 40 minutos de música. Mais do que isso, com uma trinca que, escolhida a dedo ou não, se provou funcional. Animada, “Last Ride of the Day” foi um belo aquecimento para uma das melhores obras do Nightwish, “Ghost Love Score”, cujo mérito precisa ser dividido entre Holopainen, o criador, e Tarja, cujo antológico registro original (que refrão espetacular!) é acrescido de um tom mais agressivo de Floor em alguns momentos.
E o que poderia ser o anticlímax acabou se tornando um desfecho épico. Com seus mais de 20 minutos, “The Greatest Show on Earth” foi enriquecida por projeções no telão que, além dos seis integrantes no palco, também ajudaram a prender a atenção a uma música que está longe de ser palatável. Assim, o encerramento foi um espetáculo audiovisual que, como destaque, resgatou duas imagens relevantes exibidas no início da apresentação: do Cristo Redentor e do Museu de Arte Contemporânea, obra de Oscar Niemeyer localizada em Niterói.
Desta vez, no entanto, os cartões postais não estavam em chamas, mas intactos, e não deixa de ser interessante traçar um paralelo entre o presente, um Brasil sendo destruído diariamente, e o que se espera para muito breve, um Brasil reconstruído e com a esperança de volta. Proposital ou não, pouco importa. Naquela noite de quinta-feira, o Nightwish fez o que nem sempre uma banda consegue: fazer com que todos os presentes voltassem para casa mais leves e com um sorriso no rosto.
Setlist NIGHTWISH
1. Noise
2. Planet Hell
3. Tribal
4. Élan
5. Storytime
6. She is My Sin
7. Sleeping Sun
8. 7 Days to the Wolves
9. Dark Chest of Wonders
10. I Want My Tears Back
11. Ever Dream
12. Nemo
13. Shoemaker
14. How’s the Heart?
15. Last Ride of the Day
16. Ghost Love Score
17. The Greatest Show on Earth
Setlist BEAST IN BLACK
1. Blade Runner
2. From Hell With Love
3. Beast in Black
4. Born Again
5. Cry Out for a Hero
6. Moonlight Rendezvouz
7. Sweet True Lies
8. No Surrender
9. Die By the Blade
10. One Night in Tokyo
11. Blind and Frozen
12. End of the World