O mercado de shows anda agitadíssimo e prova disso é que não estamos nem no final do primeiro trimestre de 2023 e já passaram por nós: a turnê de Paul Di’Anno com Noturnall e Eletric Gypsy, Def Leppard e Mötley Crüe, Paramore, Coldplay (com seis noites lotadas no Morumbi) e logo teremos Katatonia e o tão esperado Summer Breeze Open Air, além muitos outros. Fato é que existe uma coisa em comum entre todos os exemplos citados: eles encaram a estrada.
Encarar essa estrada não é tarefa tão simples quanto talvez pareça. Uma das alternativas encontrada por muitos artistas para otimizar as possibilidades é formar “pacotes” de duas, três ou quatro bandas para saírem em turnê. Recentemente, a NorthTale, que conta com os brasileiros Guilherme Hirose (vocal, TraumeR) e Bill Hudson (guitarra, I am Morbid, Doro), uniu forças com o BloodBound, Arion e Tungsten para um giro de treze shows na Europa. “Acho que foi um ótimo pacote, com as bandas certas tocando para o público que queria ouvi-las” analisa Hudson.
Não é segredo para ninguém que os Estados Unidos e o Japão são territórios muito cobiçados por artistas do mundo todo, mas muitas vezes o melhor custo-benefício para um grupo estrangeiro seja a Europa. “A Europa é um ótimo mercado. Eu sempre digo que as bandas têm que começar as suas turnês por lá porque existe respeito pelo artista de qualquer tamanho. Nos EUA, os artistas devem levar no mínimo 1500-2000 pessoas para tocar em lugares descentes. Abaixo disso, você está lidando com maus pagamentos e promotores que se acham estrelas. Nessa nossa turnê, nós tocamos para uma média de 300 pessoas por noite e fomos tratados decentemente. Sempre em ótimas casas com ótimos camarins, boa comida e respeito ao rider. No Japão é a mesma coisa. Eu diria que são os melhores mercados para se conquistar público. A América (continente) vem depois, quando toda a Europa já conhece a sua banda”, afirma o veterano guitarrista.
A questão do número de expectadores é bastante interessante porque muitas vezes somos induzidos ao erro ao imaginar que o normal é uma banda em turnê ter mais de 1000 expectadores por noite e que qualquer coisa abaixo disso é um fracasso. Na verdade, no mundo real a situação é o exato oposto – a maioria das bandas de metal em turnê toca para uma centena de pessoas. “Hoje na Europa, Stratovarius e Sonata Arctica, por exemplo, tocam para públicos similares aos dessa nossa turnê. Eu não esperava tocar para mais pessoas com a NorthTale do que eu toquei com o Circle II Circle”, expõe Hudson.
Diferente de shows em festivais ou de apresentações pontuais, durante uma turnê a vida é literalmente sobre rodas. Quando não estão dentro do ônibus viajando, os músicos estão na casa de shows. A palavras de Hirose reforçam a importância de buscar bons lugares para se tocar – “[…] moramos em um ônibus e nossa segunda casa são as venues”.
Viver dentro de um ônibus e conviver 24h com as mesmas pessoas por um longo período, com falta de rotina e por muitas vezes horários insanos não é para qualquer um. São várias as declarações de músicos confirmando isso. Tanto é que muitas vezes o aspecto pessoal de convivência sobrepõe o aspecto técnico quando se busca novos integrantes. Essa primeira experiência do NorthTale na estrada seria indiscutivelmente um divisor de águas. Sobreviver e continuar juntos era uma preocupação, afirmou Hudson ao declarar: “É muito fácil fazer um disco foda. Hoje você faz um no quarto mesmo… Mas sair para a estrada é o que divide os homens dos meninos!”.
Além dos desafios citados, ainda é necessário um cuidado extra com a saúde, afinal, qualquer problema pode facilmente acabar com tudo. Muito da continuidade dos shows está na vontade do músico em seguir em frente e encarar as limitações impostas por uma eventual enfermidade, como foi o caso de Hirose, que contraiu uma gripe no meio da turnê. Questionado sobre como encarar essa adversidade, o vocalista respondeu: “Persistência, técnica, calma e perseverança. Não terminei a tour no meu 100%, mas a resposta que eu tive do público no meu pior show, foi uma das melhores da tour inteira. Energia é o que mais importa nesse momento!”.
A energia do público é realmente o que move muitos artistas. Não apenas durante o show, mas a todo o momento. Ainda que hoje as redes sociais encurtem a distância e sejam peça fundamental para aumentar a sensação de proximidade, é inegável que nada substitui a sensação de chegar numa cidade que está a quilômetros de distância e se deparar com pessoas esperando por você como se fosse um velho conhecido. “Fiquei impressionado com a quantidade de fãs que já tínhamos. Pessoas esperando logo de manhã na frente das casas de show para autógrafos e fotos, cantando as letras no show […]”, relembra Hudson.
“A resposta do público europeu me surpreendeu muito. Diziam que poderia ser um público frio e parado, mas foi o contrário – eles foram 100% reativos a cada movimento que eu fiz durante os shows. As vozes ainda ecoam na minha cabeça!”, completa Hirose.
A experiência de fazer essa turnê certamente foi especial para Hirose, que passou a integrar a banda em 2020. Além de cantar as música de Eternal Flame (2021), o vocalista também interpreta canções do primeiro álbum – Welcome to Paradise (2019). Quanto ao desempenho de Hirose, Hudson reconhece que “[…] foi fantástico ver Guilherme cantando as músicas do primeiro disco. A voz dele serviu como uma luva, parecia que foram feitas para ele!”. Já considerando as suas músicas, Hirose revela a satisfação de explorar o material ao vivo. “Chega a ser algo que eu defino como “confortável”, porque é meu, eu gravei, só eu posso interpretar do jeito que eu quiser. Eu amo!” conta o vocalista, cujas preferidas de cantar ao vivo foram The Land of Mystic Rites, Midnight Bells e Only Human.
A escolha de um repertório parece tarefa simples, mas não é. Cada integrante e cada fã tem a sua música preferida além disso, há os clássicos, as que engajam mais e aquelas que melhor representam a sonoridade do grupo. Não é uma equação simples escolher que será tocado ao vivo. “[…] foi um aprendizado. Eu achava que as músicas rápidas eram as que o público queria, mas faixas como Everyone’s a Star foram as que tiraram o público do chão. Também começamos a tocar The Land of Mystic Rites no meio da turnê, e notamos um engajamento insano com um ritmo que eles não conheciam. Talvez a mais conhecida do público tenha sido Shape Your Reality”, relembra Hudson.
São vários os objetivos de uma turnê e cabe analisar muito bem o retorno que se espera e o que se obtém a partir desse investimento de tempo e dinheiro. Depois de treze apresentações, o saldo da NorthTale, de acordo com Hudson, foi positivo. “Eu nem consigo expressar o tamanho do sucesso que foi essa turnê. Ela foi muito foda mesmo. Fizemos novos fãs, novos amigos nas outras bandas e tivemos muito merchandising vendido. Estou de alma lavada. Não poderíamos estar mais felizes com o resultado”. “Foi sensacional, me sinto com muita sorte de voltar pra casa com 20 novos amigos!”, destaca Hirose.
Diante de tanta empolgação, cabe considerar que a missão foi cumprida, mas a vida da banda continua e ficam os aprendizados para encarar os próximos desafios. Ainda em 2023, o grupo se prepara para encarar dois deles: “O nosso próximo show será para 25 mil pessoas no festival Masters of Rock da República Tcheca, em julho. Será o nosso maior show até então! Também vamos voltar a trabalhar no novo álbum que está sendo preparado há tempos!” concluiu Hudson.
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