Ossian fala sobre a estreia de sua nova vocalista, desvenda o conceito central e a proposta da lenda italiana do black metal em seu mais novo álbum
Por Valtemir Amler
Mesmo que às vezes passe despercebida, a Itália é uma das nações mais importantes no desenvolvimento de um cenário mundial de música extrema. Dos passos iniciais, dados por bandas como Bulldozer, Death SS, Mortuary Drape e Necrodeath, passando por uma segunda geração comandada por Necromass e Opera IX, até chegar ao momento atual, onde suas bandas de technical death metal se destacam na cena, a Itália sempre revelou uma sonoridade única, genuína, fortemente caracterizada por uma temática extremamente sombria e intrigante, não poucas vezes conectada a tradição italiana da bruxaria, a Stregheria, que aparece muitas vezes referida como ‘La Vecchia Religione’. A Opera IX sempre se destacou neste sentido, transformando a sua própria música em um ritual, uma grande convocação aos espíritos das velhas bruxas de seu país natal. Em seu novo álbum, The Gospel, a banda mergulha ainda mais fundo nesta história, e seu líder, o guitarrista Ossian, pode até ser econômico em palavras, mas sabe como poucos abordar suas tradições. Com a nova vocalista, Dipsas Dianaria à bordo, eles criaram o mais profundo, mais misterioso e mais sombrio álbum do Opera IX desde a saída da lendária vocalista Cadaveria, em 2001. Confira abaixo o que Ossian tem a nos dizer sobre o novo encantamento da lenda italiana.
O Opera IX lançou recentemente o excelente álbum The Gospel. Qual é o significado e a inspiração por trás da escolha desse nome para o álbum e que conotações ele evoca?
Ossian D’Ambrosio: The Gospel é um álbum totalmente relacionado a um mito italiano, que fala sobre Aradia e o Evangelho das bruxas. A história conta sobre Aradia, filha de Lúcifer e Diana, que vem à Terra para defender os fracos dos abusos dos nobres e da igreja católica.
O Opera IX tem um catálogo longo e respeitado álbuns que remonta a 1993. Em perspectiva, a recepção que seus álbuns mais recentes receberam foi extremamente positiva. Isso alterou de alguma maneira a forma como você abordou esse novo álbum?
Ossian: Na verdade, remonta a 1990 com a primeira demo, Gothik (N.R: The Triumph of Death, o primeiro EP oficial do Opera IX, foi lançado em 1993, via Wimp Records. Continha apenas duas músicas, uma em cada lado do vinil de sete polegadas). No entanto, respondendo à sua pergunta, eu digo que não. Toda obra do Opera IX é uma evolução ou involução natural, nunca antes pensada. O que fazemos é extremamente inspirado e natural.
Vocês lançaram recentemente um single em vídeo para a faixa-título, The Gospel, uma música que ilustra as letras envolventes e variadas do álbum. Você pode nos dar uma ideia da história por trás dessa música?
Ossian: Conforme mencionado acima, a música The Gospel refere-se ao conceito por trás do nosso último álbum e refere-se, de fato, ao mito de Aradia, o evangelho das bruxas, escrito por CG Leland no final do século XIX, durante uma estadia na Toscana. Um mito em que a verdadeira essência da bruxaria italiana está ligada a um misterioso culto pré-cristão.
No entanto, essa música não é a única a fornecer alguns versos instigantes e incomuns. A letra das músicas Cimaruta e House of the Wind também mostram a variedade de caminhos em torno do tópico principal abordado em The Gospel. Qual é a história por trás da letra dessas músicas?
Ossian: Cimaruta é o nome de um talismã italiano tradicional, que tem sido usado desde os tempos romanos antigos para se proteger de influências nocivas. Foi usado até o final de 1800, especialmente no sul da Itália, mas infelizmente foi perdido. Já House of the Wind é uma música é completa e intimamente relacionada a Aradia, o Evangelho das Bruxas, e seu texto é quase fielmente retirado do capítulo intitulado, precisamente, House of the Wind. Uma música com uma forte poética pagã.
Ao mesmo tempo, também estou intrigado com a inspiração por trás da sétima música do álbum, Queen of the Serpents, que tem uma abordagem diferente musicalmente. Suponho que a ideia lírica venha da mesma fonte, mas e quanto à música?
Ossian: Sinto muito por ser repetitivo, mas esta faixa também segue o conceito do Evangelho das Bruxas e esta faixa também retoma a narrativa do próprio Evangelho. Sua peculiaridade, no entanto, é que deixamos algumas partes da letra em seu original, em italiano.
Ainda falando sobre as novas músicas, Chapter III traz uma performance incrível nos vocais limpos, que combinam muito bem com as ótimas linhas de teclado. Qual é o segredo para usar vocais limpos no black metal sem mudar o clima sombrio da música?
Ossian: O segredo é causar impacto, excitar, não importa se a voz é limpa ou gritada, tudo depende da habilidade do intérprete e de sua teatralidade vocal.
Bem, este é o primeiro álbum do Opera IX com a talentosa vocalista Dipsas Dianaria. Como ela se juntou à banda? Como você se sente sobre a performance dela neste álbum?
Ossian: Depois de Back To Sepulcro, comecei a procurar uma voz feminina que pudesse corresponder ao esplendor alcançado por Cadaveria (N.R: Raffaella Rivarolo, vocalista do Opera IX de 1992 até 2001) e, com calma e determinação, encontrei Dipsas, uma artista muito talentosa. Estou completamente satisfeito com a performance dela.
O Opera IX é obviamente famoso pela sua marca registrada no black metal, dotado de uma forte abordagem da música clássica. No entanto, você se sente confortável com o rótulo “black metal sinfônico” ou sente que ele às vezes “esconde” a diversidade musical que você sempre oferece em seus álbuns?
Ossian: Rótulos e definições são dados por outras pessoas, de fora da banda, e muitas vezes falta critério e sobra um bocado de superficialidade. Eu prefiro definir a banda simplesmente como “Bruxaria transfigurada em Música”.
Inteligentemente, este álbum consegue mostrar as raízes da banda e a abordagem que há muito tempo alimenta esse estilo de música, além de adicionar um novo e ‘fresco’ aspecto da música do Opera IX. Quão difícil é esse equilíbrio?
Ossian: Exatamente, você acertou em cheio, mas garanto que foi um processo muito natural e, depois de o nosso último cantor masculino, M (Marco De Rosa, vocalista e guitarrista do Opera IX de 2003 até 2014, falecido em 2017), deixar a banda, decidi que nós tínhamos que voltar ao básico com uma voz feminina. Com essa decisão tomada e a entrada de Dipsas Dianaria, tudo foi desenvolvido até a sublimação do Evangelho.
Uma das maiores mudanças na banda desde Back to Sepulcro foi a adição do tecladista Alessandro Muscio à formação. Por que você decidiu transformá-lo em membro permanente do arsenal da banda, e como isso afetou seu som e sua abordagem para esses últimos álbuns?
Ossian: Foi ele mesmo quem me pediu para entrar na formação permanente da banda, após a sua participação como músico sessão na época do Strix (Strix – Maledictae in Aeternum, 2016). Como ele tinha se revelado como um músico talentoso, motivado pelo gênero, só pude aceitar sua candidatura. Ele é um ótimo arranjador, bem alinhado com o tema misterioso da banda.
O lendário produtor e baterista do Death SS, Federico Pennazzato, ajudou a dar os retoques finais no álbum, ao lado de um membro fundador do Opera IX, no caso, você mesmo. Qual foi o impacto desse par no som, na sensação e na atmosfera do produto após terminado?
Ossian: Foi uma alquimia perfeita entre tradição e inovação, sou mais firme na velha escola e Federico bem equilibrado com os sons mais modernos. Acrescento ainda que ele é um excelente produtor, que nunca é invasivo e sempre propõe soluções sábias e concretas para o sucesso do produto e da proposta musical.
Como vocês trabalharam nos coros (como em Chapter III) para o álbum The Gospel? Você planeja estender o uso desse recurso em um futuro próximo?
Ossian: O trabalho coral é algo que se deve apenas ao trabalho conjunto dos teclados de Dipsas e Alex. Não posso ainda fazer previsões quanto ao futuro, então tudo dependerá do tema e da letra.
O que você pode nos dizer sobre a capa do The Gospel?
Ossian: A obra de arte para a capa é um conceito meu, mas o trabalho de realização e desenvolvimento foi cuidado inteiramente pela Dispas, que é uma artista gráfica muito talentosa. As imagens refletem todo o conceito de bruxaria envolvido no álbum, tanto com o uso de fotografias reais quanto com miniaturas medievais e renascentistas.
Quais são os próximos passos no Opera IX?
Ossian: Os planos são continuar promovendo The Gospel, e em 2020 tivemos o 25º aniversário do lançamento de The Call of The Wood e, por esse motivo, estamos avaliando o relançamento e uma turnê promocional. Quem sabe, talvez possamos tocar em seu país. Esperamos entrar em contato com um bom promotor.
(A entrevista ocorreu antes da pandemia)