Quando a produtora Overload anunciou que faria um festival, algumas questões surgiram no público. A principal delas, que carregou muita especulação até o anúncio oficial, dizia respeito ao cast, já que essa produtora é notadamente responsável por trazer bandas que fogem um pouco do circuito básico do Metal. Nomes como The Reign of Kindo, Andy McKee e Anneke van Giersbergen (que foi vocalista do The Gathering, mas está longe do Metal em sua carreira solo a um bom tempo já) são figurinhas carimbadas da produtora. Logo, a ansiedade por esse anúncio começou a atingir diferentes nichos de público. Fato que se consolidou quando a própria produtora comunicou que faria um mix de vertentes, e que quase todas as bandas contratadas seriam estreantes em nossas terras. Isso fez com que, todos aqueles que estavam antenados a esse anúncio, ficassem ainda mais ansiosos. Quando o mesmo foi feito, pode-se perceber que estaríamos diante de algo realmente nunca antes feito em nossas terras.
E os escolhidos, aqueles que fariam os espetáculos desta noite, seriam a banda Labirinto, representante nacional; os finlandeses do Swallow the Sun, representando o Doom; os americanos veteranos do Fates Warning, com seu Prog ‘old school’; os franceses sensação do momento, Alcest, com seu Metal cheio de ingredientes de Atmospheric, Doom e até Black; e os irlandeses do God is an Astronaut, com seu autointitulado “Space Rock” instrumental. Sim, dava para criar uma expectativa bem interessante sobre esse evento, que teve o Via Marquês escolhido como sua casa na cidade de São Paulo.
Outro fator interessante na dinâmica deste evento: seu horário. Ao contrário do que vem acontecendo já há alguns anos em São Paulo, com shows começando em horários acessíveis aos seus términos dentro da grade de funcionamento do transporte público, o fest teve seu início anunciado para 21h, tendo fim nas primeiras horas da manhã de domingo. Tendo sua realização em uma casa próxima ao metrô, terminando num horário em que as pessoas não precisariam ficar na rua, isso também parecia ser mais uma boa aposta.
E foi exatamente às 20h54 que as cortinas do palco se abriram pela primeira vez na noite, trazendo os músicos do Labirinto. Com onze anos de estrada computados, o grupo aposta em uma sonoridade um tanto indigesta para muitos, de vanguarda para outros, ou apenas interessante e diferente para outros tantos. Fazendo um Post Rock experimental, totalmente instrumental, o grupo levou ao palco do Marquês uma apresentação recheada de climas e camadas sonoras, em um som hipnótico. Positivamente curioso foi poder perceber que havia sim um público deles ali, que apoiou e curtiu desde o início. Sempre que havia um espaço para manifestações desse público, se ouviam gritos e aplausos. Mesmo que para alguns essa sonoridade ainda soe estranha, a banda cumpriu com excelência seu papel, abrindo uma noite eclética da forma mais característica possível.
Na sequência, os finlandeses do Swallow the Sun subiram ao palco, preenchendo toda a casa com sua sonoridade pesada, carregada de emoções e climas frios, com aquela típica e característica assinatura que o Doom finlandês apresenta. Formada por Mikko Kotamäkino vocal, Juha Raivio e Markus Jämsen nas guitarras, Aleksi Munter no teclado, Matti Honkonenno baixo e Kai Hahto na bateria, a banda apresentou um set list de 45 minutos, que contou com as músicas “Hold This Woe”, “Deadly Nightshade”, “Falling World”, “Out of This Gloomy Light”, “Labyrinth of London (Horror pt. IV)”, “Night Will Forgive Us”, “The Giant” e “Swallow (Horror Pt. I)”.
Mikko é um vocalista expressivo, que consegue transmitir com suas expressões faciais o que sua música deseja passar. Em alguns momentos, chegou a dar a impressão de estar chorando. Matti é outro destaque no mesmo quesito. Apesar de seu público não ser o maior da noite, os que ali estavam para ver sua apresentação se mostravam nitidamente satisfeitos. Primeira passagem pelo Brasil, que certamente deixará boas lembranças nos fãs.
Por volta de 23h30, os representantes do Prog, Fates Warning, entraram em cena para “chacoalhar um pouco a poeira” do evento. Surgida no início dos anos 80, tendo passado por inúmeras formações, os norte-americanos trouxeram em seu line-up para sua segunda apresentação no país Ray Alder no vocal, Jim Matheos e Frank Aresti nas guitarras, Joey Vera no baixo e Bobby Jarzombek na bateria. E não foi preciso mais de uma música para que o mais desavisado presente ao local percebesse que ali teríamos algo totalmente na contramão do resto do evento. Ray e Joey mostraram uma presença de palco e sintonia muito boas, enquanto Bobby “quebrava tudo” atrás de seu kit gigante.
Apresentando seu último álbum, “Darkness in a Different Light”, o set contou com músicas como “One Thousand Fires”, “One”, “Life in Still Water”, “A Pleasant Shade of Gray Part III”, “Point of View”, “Another Perfect Day”, “A Pleasant Shade of Gray Part XI” e “Monument”. Era nítido que o publico presente, fã ou não da banda, aproveitou esse show para produzir algum tipo de “agito”, já que até então os shows haviam sido mais contemplativos. E, verdade seja dita, o Fates Warning ofereceu exatamente o combustível necessário para tal reação, com um show energético e de muita qualidade musical.
Na sequência, já adentrando a madrugada, teríamos aquela que nitidamente era a banda mais esperada do evento. Muito se pedia pelo Alcest em nossas terras. Muitos até brincavam com o fato de duvidar da real existência dessa banda, brincadeira obviamente exagerada, mas que deixava claro o desejo dos fãs pela sua vinda. E, quando o anúncio desta foi feito, houve uma pequena comoção nas redes sociais. Porém, o Alcest foi o responsável pelo maior atraso da noite. Com um acerto de palco que levou mais de uma hora para se concretizar, fez com que o final do cronograma se estendesse além do anunciado. Fato que, com toda certeza, não fez a menor diferença para seus fãs presentes ao Marquês.
E, quando finalmente as cortinas se abriram e o Alcest se fez presente, um clima todo diferente tomou conta do local. Um clima de devoção, de êxtase, algo comparado a um alívio entre os presentes podia ser sentido. Os fãs, por finalmente estarem frente a frente com seus ídolos. Os não fãs, por cessar aquela espera entre os shows. O Alcest é praticamente uma “one man band”, pois tem em sua formação oficial, além do baterista Winterhalter, seu mentor Neige (que atende realmente pela alcunha de Stéphane Paut), este responsável pela composição de todo o resto que constrói a música da banda. Porém, como apoio de palco para apresentações ao vivo, contam também com Zero, na guitarra e backing vocal, e Indria no baixo. E o que o Alcest mostrou em um show considerado curto pelos presentes foi toda a nuance de seu som, repleto de climas variados, baterias cadenciadas que pulam para levadas rápidas de bumbo duplo, vocais limpos e suaves mesclados com tons agressivos de um quase gutural. Aos poucos os presentes foram se envolvendo pelo set list executado, que contou com “Wings”, “Opale”, “Summer’s Glory”, “Làoùnaissent les couleurs nouvelles”, “L’eveil des muses”, “Autretemps”, “Les Iris”, “Souvenirs d’unautre monde”, “Sur l’océan couleur de fer”, “Percées de lumière” e “Délivrance”. Estive mais afastado da massa nesse momento, justamente para apreciar a reação da mesma. E contemplação volta a mente ao lembrar daquele público, que demonstrava se sentir em uma dimensão paralela enquanto as músicas eram executadas. Indria é de longe o que mais agita e preenche o palco. Neige a todo tempo batia com o punho cerrado em seu lado esquerdo do peito, como que dizendo que todos ali presentes estavam em seu coração. O Alcest apresentou um show extremamente correto e cativante, que segurou o público de sua primeira a última nota. Irrepreensível seria se não fosse todo o atraso oferecido. Ao fim deste, boa parte do público se retirou, deixando a pista um pouco mais vazia do que estava até então.
E aqueles que decidiram sair antes perderam uma excelente oportunidade de presenciar um dos melhores shows do ano em nossas terras. O God is an Astronaut é uma banda que faz música instrumental. Geralmente, essa expressão conota virtuosismo chato, aquelas “músicas para músicos”, que poucos digerem e curtem com facilidade. Porém, o que se viu ao longo de seu set de dezessete músicas foi justamente o oposto disso: músicas curtas, muito bem trabalhadas, com velocidades e pesos diferentes e muito bem dosados, e músicos em perfeita sintonia com seu trabalho executado. De longe foi a banda que mais soube preencher o palco e agitar, mantendo a intensidade de sua apresentação em níveis impressionantes! Contando em seu lineup com Torsten Kinsella na guitarra, Niels Kinsella no baixo e Jamie Dean no teclado/sintetizadores/guitarra como membros oficiais, mais Stephen Whelan na bateria, como músico de tour.
Com uma variedade muito bem vinda e aceita em seu trabalho, o show do God pode ser considerado uma experiência, acima de um simples show. A energia é tamanha que é quase impossível não se envolver com as músicas e não sentir vontade de bangear, agitar de alguma forma e até mesmo dançar em alguns momentos. Uma banda que merecia ser mais conhecida por aqui. Seu set contou com “When Everything Dies”, “Transmissions, “All Is Violent All Is Bright”, “Reverse World”, “Echoes”, Spiral Code”, “Remembrance Day”, “The End of the Beginning”, “Fragile”, “Calistoga”, “Forever Lost”, “Worlds In Collision”, “The Last March”, “From Dust to the Beyond”, “Dark Passenger”, “Fire Flies and Empty Skies” e “Red Moon Lagoon”. Ao final desta, que nitidamente não seria a última da apresentação, o palco entrou em silêncio, onde apenas se ouvia a bateria. Algo havia acontecido com os geradores de energia do palco, que explodiram (segundo os próprios músicos, que voltaram depois de alguns minutos para darem uma satisfação sobre o ocorrido), e assim encerraram precocemente a derradeira exibição da noite.