Por Guilherme Spiazzi
Fotos: Robson Siqueira e Guilherme Spiazzi
Quando você presencia pessoas amontoadas na frente de um palco cantando e vibrando, percebe que a música é algo que transcende o físico. A coisa fica ainda mais interessante quando estamos num festival em que amigos, fãs, apreciadores, apoiadores e curiosos se juntam para fazer a festa. O Palaces Festival, evento promovido pela banda As the Palaces Burn em parceria com a produtora Colher de Chá, foi o primeiro passo para o resgate desse formato de evento no sul de Santa Catarina.
A iniciativa veio em um excelente momento, uma vez que já fazia cerca de 5 anos que a região – um polo com mais de 1 milhão de habitantes, situado entre as capitais Florianópolis e Porto Alegre – não via algo nesse formato. Para tanto, a produção se propôs a oferecer uma estrutura mais elaborada do que de costume para o local. Vimos dois palcos, área para alimentação, área para tatuagem, compra de camisetas e merchandising. Na parte musical, foram contratados dois grandes nomes – Hibria e Krisiun para comandar a festa ao lado de As the Palaces Burn, Malice Garden, Murdock, Alkila, Norium e Milagro.
Os dois headliners cumpriram muito bem o seu papel, especialmente o Hibria que fechou a primeira edição do festival com chave de ouro. Perto das 2h manhã, eles abriram com Shoot me Down e mandaram um set que percorreu a discografia do grupo. É claro que Steel Lord on Wheels, Millennium Quest (Defying the Rules, 2004) e Tiger Punch (The Skull Collectors, 2008) se destacaram por serem clássicos representantes do melhor que a banda tem a oferecer no power metal melódico, mas as novas War Cry e Shine (Metamorphosis, 2022) mostram como a banda matem a sua essência intacta.
Manter a essência depois de uma troca geral de integrante não é tarefa simples, mas o guitarrista e cofundador Abel Camargo soube escolher bem que o acompanharia. No palco, vimos a mesma competência de estúdio. Victor Emeka, além de cantar muito bem as músicas anteriores a sua fase, imprime personalidade e dá um show. Como uma locomotiva, o jovem Otávio Quiroga transmite uma imensa energia que chega a contrastar com a tranquilidade ímpar de Thiago Baumgarten executando aquelas linhas complexas de baixo. Estreando oficialmente ao vivo na segunda guitarra, Vicente Telles surpreendeu com a sua performance no instrumento e nos vocais de apoio.
Quem nunca viu o Krisiun, não sabe o que é brutalidade sonora intensa e visceral ao vivo. Após quase oito anos, o grupo voltou para a região e abriu as apresentações do palco principal com o clássico Kings of Killing (Apocalyptic Revelation, 1998) sem piedade. A bestialíssima trindade formada pelos irmãos Alex Camargo (vocal e baixo), Moyses Kolesne (guitarra) e Max Kolesne (bateria), que promove o seu décimo segundo disco de estúdio – Morten Solis (2022), mostrou que as novas Necronomical e Serpent Messiah seguem a tradição atroz da banda.
Max é estamina pura. Parecendo um tanque de guerra em ação, ele tocou os blast beats, as passagens mais técnicas e os pedais duplos de todo o set de forma coesa e sem demonstrar o mínimo de cansaço. Moyses trouxe palhetadas e riffs que são um tsunami de ferocidade. Técnico, o guitarrista mantém a sonoridade do trio fincada no death metal sem descambar para a vertente “tech” do estilo. Já Alex lançou toda a sua fúria vocal, enquanto demonstrou cordialidade e respeito pelos presentes. Do outro lado, o público respondeu com entusiasmo, amplificando toda a energia que vinha do palco – ora agitando, ora observando a execução precisa com olhos estalados. Perto do final do set, o cover de Ace of Spades (Motörhead) e uma brincada com La Grange (ZZ Top) deram uma boa quebrada na tensão. Para fechar a noite, veio a tempestuosa Hatred Inherit (Conquerors of Armageddon, 2000) derrubando aquilo que ainda restava em pé.
Crescendo na cena de forma acelerada, a banda As the Palaces Burn subiu ao palco principal com a missão de representar o festival que leva o seu nome. Com um set objetivo, o quarteto impressionou passando uma segurança superior àquela vista na apresentação de sete de setembro último. O som pesado da dobradinha de abertura com Arcanum e I Tried (End´evour, 2019) prepararam bem o ambiente para For the Weak (2021) – single que mostra o quanto de potencial de crescimento eles têm. Com o jogo praticamente ganho, a banda desenvolveu o seu set e ainda mandou um cover de Caught in a Web (Dream Theater), que foi de arrepiar. O quarteto que já fez versões cover de Angra, Dr. Sin, King Diamond, Ozzy Osbourne, Savatage e Seputura, nesse show mandou esse clássico do metal progressivo ao vivo. Naquele momento foi justo se perguntar: tem algo que Alyson Garcia não consiga cantar?
A banda, completada por Diego Bittencourt (guitarra), André Schneider (baixo) e Gilson Naspolini (bateria) pôde sentir o calor e receptividade de uma base de fãs que vem crescendo a cada apresentação. Se o fato de tocarem em casa, no próprio festival trouxe alguma pressão, o caras não deixaram isso transparecerem em momento algum. Ainda, arriscaria dizer que o retorno de Schneider para o grupo os deixou ainda mais coesos. Assim que o segundo disco de estúdio sair, posso apostar que veremos a ATPB embarcando para shows pelo Brasil e fora dele.
No palco secundário tivemos apresentações de estilos bastante diferente e completares para um festival. Por volta das 17h, a banda Milagro abriu os trabalhos para um público que já vinha chegando. Chamaram a atenção os singles S.L.H.C Saint Louis Harmonic Ceremony e Revolution In Your Mind, sendo que o primeiro som tem uma pegada que remete ao estilo Down fase NOLA (1992) muito legal. Na sequência, veio o power metal tradicional da Norium, que promove A Jouney Through The Soul (2022). A agitação contou com músicas do álbum, com destaque para Mr. Clock, e o cover de Hearts On Fire (Hammerfall).
Diretamente de Laguna e retornando depois de um hiato, a Alkila destoou um pouco ao trazer um repertório concentrado em covers. Ainda que a autoral Corruption tenha chamado a atenção, as versão para clássicos do Sepultura elevaram o tom da apresentação. Na sequência, trazendo uma pegada stoner ardida, a banda Murdock promoveu o EP Entre Tigres e Lobos (2021) com destaque indiscutível para Olhos Sinistros.
Pesando para o death/black, os veteranos da Malice Garden fizeram um som visceral com destaque os vocais rasgados e um trabalho de guitarras gêmeas que dão um bom diferencial para o som do grupo. Fechando o palco secundário, direto de Porto Alegre (RS), a Losna trouxe um thrash agressivo. Apesar do avançar da hora, o power trio deu uma boa injetada de energia com destaque para En Garde, Back to the Grotto, Crossing the Bar, Slowness, além do solo de bateria com direito a apresentação de bombo legüero diferente e muito legal.
Fazia muito tempo que a região merecia um evento de metal com várias bandas, comida, bebida, espaço e som bom e o Palaces Festival conseguiu cumprir bem o papel. Claro que houve contratempos, mas a produção está ciente e certamente os tratará para que na próxima edição tudo venha mais redondo. O Palaces Festival começou com pé direito, mostrando para o que veio e com certeza promete muito mais.
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