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PAPANGU: PROG 100% NORDESTINO

Sexteto formado por Raí Accioly, Rodolfo Salgueiro, Marco Mayer, Hector Ruslan, Pedro Francisco e Vitor “Vespa” Alves mescla brasilidades com metal extremo, rock progressivo e muita experimentação, redefinindo o que pode ser a música brasileira

Por Daniel Agapito

Convenhamos, o prog tem tudo para ser terrivelmente chato, se perdendo nas próprias composições. O Papangu, formado em 2012 na capital paraibana, impressionou fãs e críticos com seu brilhante debut Holoceno, lançado em 2021, sendo chamado de “incrível” e “surpreendente” por Fábio Massari. Com Lampião Rei, seu mais novo trabalho, expande significativamente sua gama de sonoridades, contando a cativante história da ascensão de Virgulino Ferreira da Silva em um disco conceitual que redefine o que pode ser a música brasileira. Agora, o grupo tem sido chamado para fazer parte de grandes festivais, como o Knotfest deste ano, dividindo o palco com nomes como Bad Omens, Babymetal, P.O.D. e, claro, o Slipknot, e o tradicional Arctangent, na Inglaterra, que contará também com apresentações de Melvins, Between the Buried and Me e The Fall of Troy. Abaixo, Hector Ruslan, Marco Mayer, Rodolfo Salgueiro e Raí Accioly dissecam sua obra, falando dos temas, da sonoridade e da incorporação da cultura nordestina.

 

Lampião Rei conta a história da ascensão de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, desde seu nascimento até chegar ao posto de homem mais temido das terras nacionais, certo?

Hector Ruslan: Exatamente. A ideia de tecer uma narrativa de realismo fantástico ao redor da figura de Lampião surgiu nos primórdios da banda, lá nos idos de 2012, talvez. Começou com uma música. A gente sabia que era uma ideia que podia ser mais desenvolvida e melhor explorada, e ficou no nosso baú por alguns anos até acharmos que havia chegado a hora de revisitar essa história e expandir a coisa toda. Enquanto Holoceno tratou de uma história inteiramente fictícia, em Lampião Rei nós acrescentamos elementos mágicos, folclóricos e de horror em uma história real. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nasceu em Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, a aproximadamente 200 quilômetros de distância de onde eu me criei, na cidade de Belo Jardim, agreste pernambucano. Quando eu era criança, meu pai costumava me contar histórias mirabolantes sobre os feitos de Lampião e de seu bando para que eu e minha irmã pudéssemos dormir. Era quase como a versão pernambucana de contar histórias sobre cavaleiros, dragões e coisas assim. Lampião iniciou a vida no cangaço após o assassinato de seu pai em uma disputa com a polícia, jurando vingança e passando a liderar seu próprio bando de cangaceiros por volta de 1922. Suas andanças e ações pelo nordeste brasileiro são fortemente entranhadas na cultura popular, em uma mistura de realidade e mito que achamos que daria uma ótima história para um disco conceitual. Seu reinado no cangaço durou até 1938, quando foi morto em uma emboscada organizada pela polícia num local chamado Grota do Angico, em Alagoas. As cabeças dos cangaceiros mortos foram arrancadas e expostas como troféus, em um tipo de parada nefasta que passou por várias cidades do nordeste até chegar em Salvador/BA.

 

A história desse álbum para no ‘auge’ de Lampião. Já há planos para futuras gravações retratando a queda dele?

Marco Mayer: Sim, nós planejamos gravar a conclusão da história. Não sabemos ainda se essa vai ser a temática do terceiro disco, já que também temos outras ideias no forno, mas a história merece um fim. Temos algumas músicas já compostas, mas falta dar o tempo necessário para maturar os arranjos e testá-los em shows antes de entrar no estúdio. Sai muito melhor e mais barato para uma banda gravar um material que já vem sendo tocado há um bom tempo nos palcos. Dá para chegar no estúdio, montar tudo, gravar ao vivo, e talvez até aproveitar o primeiro take, saca? Se a gente conseguir maturar essas músicas a esse ponto, talvez até dê para gravar o disco inteiro em fita analógica.

Rodolfo Salgueiro: Parece uma falsa modéstia dizer isso, mas acredito que para nós o difícil não é compor, mas de fato ter o tempo de produzir tudo na qualidade e com os arranjos que esperamos. Com o foco nos shows e na divulgação do novo material, é algo que é difícil pensar agora. Daqui a alguns meses devemos mudar a chavinha.

Foto: Adri L

Sonoramente, misturam elementos do prog rock, jazz e metal experimental com uma boa dose de sons típicos do nordeste e um quê cinemático, grandioso. Como chegaram nessa mescla?

Rodolfo: Foi natural para nós, sendo todos nordestinos, criar e tocar música que escutamos a vida toda. Eu toquei numa banda de forró tradicional por alguns anos comercialmente, paralelamente às bandas de metal e rock. Foi um grande aprendizado. É outra linguagem que expande também seu repertório na hora de tocar outros gêneros. Pedro é pesquisador e estudante de música, sendo particularmente versado em jazz e vários ritmos nordestinos, tendo tocado na Itiberê Orquestra Família da França – projeto do baixista e colaborador musical de décadas de Hermeto Pascoal. Vitor, nosso baterista, toca em várias bandas de metal extremo e também tem experiência em trios pé-de-serra (risos). Quanto ao progressivo, somos todos fãs dos medalhões setentistas, cada membro da banda enveredando levemente para outras vertentes alternativas. Zappa, Genesis, Yes, Gentle Giant, Magma, estão todos ali. Para mim, a influência prog está muito presente na escolha de texturas, timbres e instrumentos. Acho que temos muita sorte de ter na banda gente que não tem nenhuma restrição a curtir outros estilos, mas na hora de tocar quer entregar um som mais cabeçudo e pesado, sem perder a ternura…

Hector: No início de tudo, a banda era um power trio voltado para sons mais na área do stoner rock, doom metal, sludge metal, esse tipo de música pesada e arrastada, na escola de Sabbath, Sleep, Kyuss etc. Depois de alguns poucos ensaios tocando covers dessas bandas para que pudéssemos conhecer uns aos outros, decidimos partir para composições próprias, e uma das primeiras decisões tomadas foi a de que o nosso sotaque, nossa música e as histórias inspiradas no imaginário fantástico e folclórico do nordeste brasileiro estariam no centro da banda. Quando os primeiros sons começaram a surgir, fortes elementos de música nordestina, rock progressivo e metal experimental começaram a se fundir com as texturas mais voltadas pro stoner ali no início da banda, e o som foi se montando e evoluindo.

Marco: Acho também que o ponto de inflexão que marca a passagem do stoner do começo da banda para os experimentalismos progressivos seja o momento em que começamos a aprender técnicas de produção musical – especificamente, como lidar com um ambiente de gravação e produção (DAW). Antes disso, não tínhamos costume de gravar ensaios e de ter algum controle minucioso do que tocamos. Ensaiamos em estúdios mal equipados e era muito difícil de ouvir bem o que os outros músicos tocavam. A partir do momento em que os elementos de cada arranjo puderam ser separados e as músicas estavam fáceis de dissecar, começamos a experimentar com estruturas e timbres. O primeiro resultado desse aprendizado foi a faixa-título do nosso primeiro disco.

 

Como diria que este estilo diferenciado de vocês contribui para a experiência do disco no geral, na transmissão da história?

Marco: O fato de a gente poder navegar por estilos musicais distintos (e de conseguir mesclá-los, quando necessário) nos dá uma paleta de cores maior para construir tensão, dar falsas sensações de segurança, alterar a temperatura, meter um ‘jumpscare’… Eu gosto de pensar que nossos discos têm algum aspecto cinematográfico, e acho que dá para dizer que tentamos criar um sequenciamento similar ao de um filme a eles. Lampião Rei talvez seja ainda mais marcado por essa verve do que Holoceno. Nós literalmente escrevemos um roteiro para o disco antes de compor as músicas.

Rodolfo: Além das diversas influências musicais, muitos de nós inserem referências de outras mídias e linguagens artísticas, como pinturas, videogames, filmes ou livros. A visão cinematográfica que Marco cita acima está presente em Maracutaia, por exemplo, em que imaginei de fato as cenas antes da letra. Pedro tem forte inspiração nas composições em 8 bits dos jogos dos anos 90, e isso transparece em Ruínas. Muitas bandas de metal buscam um som mais pesado elevando cada vez mais o volume, a distorção e a agressividade. Acontece que se tudo é pesado, você perde o referencial. A gente acredita que a dinâmica entre o fraco e o forte, o leve e o pesado, o calmo e o agitado comunica mais o contraste e acaba soando mais extremo. Isso também ajuda na hora de comunicar sons mais alternativos para um público desacostumado com aquele gênero.

 

Seu debut, Holoceno foi aclamado pela crítica e elogiado pelo som diferenciado. Como descreveria a evolução de lá para Lampião Rei?

Raí Accioly: Acredito que a evolução mais perceptível está na qualidade da gravação em si. Holoceno foi um mix de gravação em estúdio com gravações caseiras feitas em nossas interfaces na sala do apartamento de Hector e Marco. Em Lampião Rei nós tivemos acesso a um equipamento de primeira linha e gravamos com um engenheiro extremamente experiente, que foi capaz de extrair o melhor do som que fizemos no El Rocha. Mas a evolução, na minha perspectiva, foi além do aspecto técnico, ela veio também no aspecto humano da banda. Sinto que passamos por um processo de amadurecimento após o lançamento de Holoceno. Vimos que nosso projeto ressoou com muita gente e que aquilo era um sinal de que deveríamos cair na estrada. Com a tomada de decisão de encarar uma turnê, veio, também, a decisão de incluir os meninos (Rodolfo, Pedro e Vitor) na banda, e que decisão acertada essa foi. Marco, Hector e eu não tínhamos experiência de estrada, já os meninos eram calejados e conseguiram nos mostrar questões que nós deixamos passar batido quando da montagem da turnê. Além disso, sentimos que eles estavam na mesma vibe que a gente, empolgados com o projeto e ansiosos para fazer coisas novas. Em razão disso, os passos que culminaram na conclusão do Lampião Rei se deram com bastante naturalidade.

Rodolfo: Tendo apenas tocado Holoceno ao vivo, mas não participado de sua produção, vejo a evolução dessa fase da banda como espectador. A evolução que percebo é a de uma banda que não tem o menor pudor em experimentar, se divertir e entregar absolutamente o melhor que pode no quesito musical, profissional e artístico. O amadurecimento nos arranjos e composições também é percebido com a colaboração ainda mais constante e variada entre um sexteto muito dinâmico, com diferentes forças e histórias.

 

A música Maracutaia, conta com a participação de João Kombi, vocalista do Test, um dos maiores nomes do grindcore nacional. Como foi incorporar o estilo dele na composição?

Rodolfo: O Test nos presenteou no início de 2023 com um convite para fazer tour junto com a banda pelo Sudeste. A colaboração foi coroada por um show em conjunto no Centro da Terra, em São Paulo/SP. Desde então, as duas bandas compartilham forte amizade e colaboração. Maracutaia tinha um trecho gutural que pode ter vindo, incidentalmente ou não, da influência dos shows e palcos compartilhados com o Test. Não tínhamos como convidar outra pessoa. Ficamos bastante felizes também porque ele gostou do resultado!

Hector: O Test é literalmente uma das minhas bandas prediletas. O respeito que eu tenho por João e Barata é imenso. A forma como eles encaram a música e o papel do músico é extremamente inspiradora, sem floreios e com uma absoluta convicção em tudo que fazem. É um enorme prazer poder chamá-los de amigos, e esperamos muitos encontros e tocadas pela frente. Foi super natural incluí-lo em Maracutaia, como Rodolfo disse. Além de João, é válido citar as outras brilhantes participações que tivemos no disco. Em Oferenda no Alguidar, contamos com os talentos percussivos de Marian Sarine, do Deafkids. Em Ruínas, contamos com a genialidade de Paulo Ró, da lendária banda paraibana Jaguaribe Carne. Em Acende a Luz e Rito de Coroação, temo o baixo de Philippe Bussonnet, ex-Magma, lendária banda francesa de rock progressivo com um nicho todo próprio denominado de zeuhl. Por fim, também em Rito de Coroação, temos violinos tocados por Andrea Petucco, de uma excelente banda italiana de death metal avant garde chamada Ad Nauseam.

 

Vocês vão ser uma das bandas nacionais que tocarão no Knotfest, dividindo o palco com nomes como Bad Omens, Babymetal e P.O.D. Como foi feita essa ponte entre vocês e o festival? O que os fãs podem esperar de seu show?

Marco: Fomos contatados diretamente pelo festival. A plateia do Knotfest verá um set ultra pesado, com bastante dinâmica, e uma mistura de faixas do Holoceno e do Lampião Rei.

Rodolfo: Muita gana em palco para entregar uma massa sonora e mescla de ritmos e instrumentações cujo peso certamente vai impressionar.

Hector: A gente vai deixar tudo que tem em cima daquele palco. Estamos super animados em participar de um festival desse porte.

 

Com o lançamento de Holoceno em 2021, receberam não só comparações a grandes nomes como King Crimson e Magma, recebendo elogios de diversas publicações. Onde veem o Papangu daqui a dez anos, por exemplo?

Rodolfo: Lampião Rei tem expandido as analogias e comparações com nossos ídolos. A construção de nossas influências varia, portanto a banda não se prende a uma inspiração única, ainda que elementos-chave sejam norte para a linguagem musical. Acredito que daqui a dez anos a Papangu estará soltando novos lançamentos que mantenham a sensação criada pelo passo dado entre Holoceno e Lampião Rei, em que alguns conceitos são aprofundados e outros completamente novos introduzidos. Também variamos a instrumentação e a presença vocal e de solo nas músicas, portanto acredito que o arranjo varie bastante até lá, enquanto exploramos todas as combinações possíveis que um sexteto com multi-instrumentistas, diversos compositores e letristas permite.

Hector: Vejo a banda fazendo o que faz hoje: compondo, gravando e executando ao vivo música doida e sem amarras. Com mais alguns discos na carreira, teremos mais espaço e experiência para explorar caminhos sônicos que nos permitirão esticar ainda mais a corda do que pode ser entendido por rock ou metal brasileiro.

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