O ano de 1986 foi histórico para o Brasil sob diversos aspectos. Na política sofríamos com a inflação e a recessão econômica – apesar do crescimento do PIB em 8,5% – que eram heranças deixadas pelo governo militar. Também acompanhávamos o presidente em exercício José Sarney criar o “Plano Cruzado” e o “Plano Cruzado II”, que, entre as medidas de maior destaque, estavam o congelamento total dos preços por um período de 12 meses, e também a inserção do “gatilho salarial”, que na verdade era o reajuste automático de salários quando a inflação batesse os 20%. No futebol, a Seleção “canarinho” decepcionava seus torcedores sendo eliminada pela França de Bats, Tigana e Michel Platini no estádio Jalisco em Guadalajara na Copa do Mundo realizada no México, pelas Quartas de Final, após o saudoso meia Sócrates e o zagueiro Júlio César desperdiçarem seus chutes nas cobranças de pênaltis que terminaram em 4 x 3 para os europeus e que foi realizada após empate em um a um no tempo normal. Por outro lado, algo que já nos dava muito orgulho era o Heavy Metal, gênero que se solidificava no país. Um exemplo disso aconteceu na noite de 16 de agosto, quando o município de Santa Isabel (SP) promoveu nas dependências do Lanifício Esporte Clube um evento que contou com as bandas Vodu, Anthares e Minotauro.
Trinta anos mais tarde a política do país continua crítica, a Seleção Brasileira – assim como o futebol nacional de maneira geral – não é mais digna do respeito que obtinha naqueles tempos, mas o Heavy Metal – que evoluiu muito de lá para cá -, continua nos orgulhando bastante. E sabe qual foi uma das coisas mais fascinantes de 2015 nesse sentido? Poder estar presente no Inferno Club no sábado, 24 de outubro, para presenciar os mesmos Vodu, Anthares e Minotauro dividindo palco pela primeira vez após aquela data histórica, ocorrida há três décadas.
O evento recebeu um bom público e aconteceu graças ao empenho dos organizadores Sandra Marques e Guilherme Büssing, que para a abertura convidaram a banda santista Erodelia. Formada por músicos que provavelmente nem eram nascidos na época do show de Santa Isabel, a banda vinha de uma apresentação no Palco Pepsi pelo mega festival “Rock In Rio” e às 18h00 deu início com “Fútil”. Com boa presença de palco e um som bastante energético, Dell (vocal), Yan Cambiucci e Danilove (guitarras), Erick Ajifu (baixo) e Heittor Jabbur (bateria) empolgaram com seu Rock ‘n’ Roll simples e barulhento. Após “Ditado Popular”, Dell falou do prazer que estava sendo tocar pela primeira vez após o “Rock In Rio” e foi simpático ao agradecer por estar abrindo para três bandas lendárias.
Apesar de contar com os EP’s “Me Segura, Neném” (2010) e “Santa Madeira” (2013), nada foi tocado do primeiro, porém, novas músicas como “Sempre Em Frente” e “O Que Eu Sou” constaram no set list. Inclusive, Dell revelou que em 2016 ambas farão parte do CD “Estocando Vento” – Aposto que você se lembrou de Dilma Rousseff, né? Além do vocalista, também se destacaram Cambiucci, que fritava nos solos, e Jabbur, dono de uma pegada pesada, que tocava descendo o braço na bateria. A música “Essa Semana Eu Tirei Pra Te Odiar”, conhecida pelo videoclipe que contou com a participação do mito Zé do Caixão, não ficou de fora. Após “Fora Da Lei”, a banda se despediu sendo bastante aplaudida. O próximo ano será produtivo para o Erodélia, não só pelo lançamento do mencionado CD, mas também pela turnê que fará pelos Estados Unidos.
Dando continuidade ao evento, Guilherme Büssing subiu ao palco para fazer os devidos agradecimentos e chamou um personagem importante do Metal nacional, o proprietário da renomada loja de discos Woodstock e apresentador do extinto programa “Comando Metal” da 89 A Rádio Rock, Walcir Chalas, que foi ao microfone e destacou o quão bom era ver que 30 anos depois o Metal continua no sangue de muita gente, desde o dos integrantes das bandas que ainda iriam se apresentar, até o de várias pessoas da plateia. Ao mesmo tempo, disse que se impressionou com a apresentação do Erodelia. Após ser ovacionado, Walcir chamou a próxima atração, anunciando-a com seu inesquecível bordão radiofônico: “Paaaaaaaaau!”.
Imediatamente, o Minotauro se posicionou e deu início ao seu show com a música “Fugitivo” mas, devido a alguns problemas técnicos no som, foi obrigado a recomeçar alguns minutos depois. Aplaudidos, Luiz Carneiro Lima (vocal) e Lombra Weber (bateria), e os novos integrantes Luciano Domingues (baixo, ex-Fright Night) e Roger Baccelli (guitarra, Nacionarquia) passaram por cima desse imprevisto e voltaram detonando com seu Heavy Tradicional com toques de Stoner. Porém, nas primeiras músicas era visível o nervosismo que havia entre os integrantes, fruto do período em que estiveram inativos. Mas o show seguiu sem maiores percalços.
“Colisão” animou o público com passagens que lembravam muito o Black Sabbath e ao seu final Carneiro falou pela primeira vez com o público e aproveitou para apresentar “Hino De Guerra” – originalmente gravada para o ‘split’ “Metal Brigade” (1987) da revista e gravadora Rock Brigade, que foi dividido com as bandas Megaton, Angel e Cruciform. A música foi tocada em sua nova versão, que faz parte de “Renascido”, recém lançado primeiro EP. Na sequência, foi a vez da novata “O Medo”, que consistia de bases mais arrastadas, assim como a misteriosa, antiga e extensa “Machado Mortal”, destaque do show do Minotauro e que poderia facilmente figurar na trilha sonora de algum filme de terror, devido ao seu clima e letra sombrios. Ainda foram tocadas as músicas “Canalha” e “Resistência”, até que a banda se despedisse com a rápida “Caminhos Do Amanhã”. O Minotauro divulgou pelas redes sociais que em 2016 um novo registro será lançado.
Às 20h00 o enorme ‘backdrop’ do Anthares com a imagem que ilustra a capa do novo álbum “O Caos Da Razão” surgiu no fundo do palco. Bastante ativo nos últimos anos, o grupo mostrou o peso habitual de seu Thrash Metal abrindo com uma sequência matadora de novas músicas, seguindo exatamente o ‘tracklist’ inicial do ‘full lenght’ que sucede o lendário ‘debut’ “No Limite Da Força”. Sendo assim, o bombardeio caiu sobre as cabeças dos headbangers através de “Sementes Perdidas”, “Ócio”, “O Caos Da Razão” e “No Poço Do Obscuro”. No intervalo após a segunda música, o vocalista Diego Nogueira elogiou a todos que compareceram ao Inferno Club e criticou os ranzinzas de Internet que ficam reclamando atrás da tela do computador e não comparecem aos eventos. Claro que a banda não deixaria de tocar músicas de seu álbum de estreia e a primeira representante dele foi “Vingança”.
Uma coisa muito legal nas apresentações do Anthares é a questão da movimentação ‘onstage’ e essa desenvoltura vem do fato de Diego, Maurício Amaral e Eduardo “Topperman” (guitarras), Pardal Chimello (baixo) e Evandro Junior (bateria) estarem juntos desde 2008, fazendo diversos shows. A banda equilibrou bem o repertório e deu ênfase aos seus dois álbuns de estúdio em igualdade. Em “Paranoia Final”, Diego convidou Luiz Carneiro do Minotauro para dividir com ele os vocais. Contando também com a participação do público, a banda se despediu com uma trinca impiedosa do álbum de estreia: “Fúria”, “No Limite Da Força” e “Chacina”. Nessa última, Diego cantou o refrão junto com alguns fãs à beira do palco. Vale destacar o poder das guitarras de Maurício e Topperman e também de Evandro Junior que está destruindo nos bumbos. Grande show!
Um dos momentos mais aguardados do evento era a volta do Vodu aos palcos, e as 21h30 o quinteto formado por André Góis (vocal), Jeff Gouvea e José Luis Gemignani “Xinha” (guitarras), André “Pomba” Cagni (baixo) e Sérgio Facci (bateria) roubaram a cena com “Seeds Of Destruction” do clássico álbum de mesmo nome que fora lançado em 1988. O tempo em que o grupo ficou afastado do cenário não comprometeu a sua performance, pois parecia que os cinco estavam tocando juntos há tempos. Facci, por exemplo, surrou a bateria!
Após “Let Me Live” do também clássico primeiro álbum “The Final Conflict” (1986), André explicou que foi no show de trinta anos do Viper que os integrantes do Vodu se reencontraram e tiveram a ideia de colocar o grupo na ativa novamente. Pomba complementou dizendo que voltaram sob a condição de que novas músicas fossem compostas. Sendo assim, apresentaram ao público as recentes “The Enemy Inside” e “Walking Fire”. “Keep (On) Fighting” de “Seeds…” mostrou a influência que o Punk/Hardcore também exerceu no Vodu, tanto que Pomba ressaltou que na época eles estavam ouvindo S.O.D. direto. Emocionante foi quando Góis convidou Diego Nogueira do Anthares a revezar com ele a épica “Battle Hymns” do Manowar, e nessa hora o que se ouvia era toda a plateia cantando junto, a plenos pulmões. Até o famoso gesto bárbaro da banda norte-americana foi feito com todos erguendo seus punhos. Memorável!
Foi engraçado quando Luiz Carneiro do Minotauro foi novamente convidado a subir no palco para cantar o cover de “Prowler” do Iron Maiden e André Góis brincou dizendo que Carneiro ganharia três cachês por ter participado de todos os shows. Ainda houve tempo de a banda tocar a faixa título de seu álbum de estreia e encerrar o evento com “Ace Of Spades” do Motörhead junto de Carneiro e Diego, que se disse emocionado por estar tendo a honra de poder participar do show do Vodu que já estava na estrada quando ele ainda era uma criança.
Então é isso. Quem viu a essas lendas do Metal nacional na época, teve a chance de matar saudade delas. Os demais puderam comprovar a relevância que esses nomes têm para o Heavy Metal brasileiro e o porquê de terem se tornado cultuados em outros países. Quem compareceu, certamente saiu satisfeito por ter apreciado a esse evento histórico. Agora, quem não pôde ir, aproveite enquanto ainda é tempo e as veja em algum novo show, pois daqui a outros trinta anos, dificilmente isso será possível.
VODU – Set list:
Seeds Of Destruction
Let Me Live (I Don’t Wanna Die)
The Enemy Inside
What’s The Reason
Battle Hymns (Cover do Manowar)
Walking With Fire
Keep (On) Fighting
Prowler (Cover do Iron Maiden)
Final Conflict
Ace Of Spades (Cover do Motörhead)
ANTHARES – Set list:
Sementes Perdidas
Ócio
O Caos Da Razão
No Poço Do Obscuro
Vingança
Pesadelo Sul-Americano
Prisioneiros Do Sistema
Corporação Do Terror
Paranóia Final
Fúria
No Limite Da Força
Chacina
MINOTAURO – Set list:
Fugitivo
Colisão
Hino De Guerra
O Medo
Machado Mortal
Canalha
Resistência
Caminhos Do Amanhã
ERODELIA – Set list:
Fútil
Ditado Popular
Sempre Em Frente
O Que Foi Bom (O Que Foi Nada)
O Que Eu Sou
Essa Semana Eu Tirei Pra Te Odiar
Fora Da Lei