Infelizmente, aqui no Brasil nunca houve grande interesse pelo metal produzido nos demais países da América Latina. De bate-pronto, lembro-me de poucas bandas que chegaram a tocar em nosso país (muitas delas sem muita repercussão): as argentinas Aeroblus, do lendário baterista brasileiro Rolando Castello Junior (CaSch, Patrulha do Espaço, Made In Brazil e Inox), Rata Blanca, A.N.I.M.A.L., Almafuerte, V8, Interceptor, Tungsteno, Zrymgöll, Sinonimo, La Renga, Morwen, Horcas, Logos, Nepal, Climatic Terra, Metaluria, Kefren, Skiltron, Deimos, Jesus Martyr, Ban This, O’Connor e Watchmen, as paraguaias The Force, Steel Rose, Arcano, Overlord, Patriarca e Kuasar, as chilenas Massacre, Atomic Aggressor, Force of Darkness, Hades Archer, Wrathprayer e Tabernarios, as peruanas Anal Vomit e Mandrágora, a colombiana Masacre e a uruguaia Requiem Aeternam – isso sem contar o Brujeria, que tem alguns músicos mexicanos em sua formação, e o De La Tierra, projeto integrado por Andreas Kisser (Sepultura) e membros do A.N.I.M.A.L. (ARG), Maná (MEX) e Puya (RQ). Ao longo dos anos, essa lamentável cultura de não abrirmos a mente para o que rola na música pesada latina, tem feito com que deixemos de prestigiar shows de bons grupos como, por exemplo, os argentinos Malón, Riff, Tren Loco e Hermética, os paraguaios Evil Force, Corrosión, Sabaoth, Funeral e 220 Voltios, além do chileno Criminal – isso só pra citar alguns.
A maior banda do Uruguai, Reytoro, era outra que nunca havia pisado no Brasil, no entanto, em 2018, ano em que completou 20 anos de carreira, os laços se estreitaram e em setembro o grupo fez a sua estreia no país. Na ocasião, o Reytoro passou com sua “Splendors Tour” pela região sul, onde tocou em Porto Alegre (RS) e Indaial (SC) – essa primeira aparição rendeu até um mini documentário. E a coisa ficou ainda melhor quando no início de dezembro o Reytoro retornou ao Brasil e se apresentou pela primeira vez em São Paulo. No dia 07, os uruguaios tocaram na capital e no dia seguinte em Atibaia. Em ambas as noites, o Reytoro teve a companhia do recém-formado Cosmic Rover, grupo paulistano que vem se destacando no cenário com seu stoner de pegada ‘rocker’. E a ROADIE CREW marcou presença no primeiro dia para prestigiar os shows das duas bandas no Sesc Belenzinho.
Com muito ‘punch’, o Cosmic Rover abriu a noite com a eletrizante Space Motherfucker, música instigante que faz parte de seu homônimo EP de estreia, que foi lançado no primeiro semestre do ano. Formado pelo experiente e conhecido baterista Edson Graseffi (ex-Panzer), que no Cosmic assume também a função de vocalista, pelo guitarrista Rick Rocha (ex-Laboratori) e pelo baixista Rodrigo Felix, o grupo exibe um stoner de responsa, que embora possua uma raiz altamente ‘vintage’, não se prende unicamente àquela fórmula ‘sabbathica’ tão manjada em muitas bandas do estilo. Ao invés de uma aura sombria, as músicas são viscerais e trazem muito frescor para o gênero ao qual o Cosmic Rover investe, além de nítidas referências que vão do hard até o classic rock, haja vista os refrãos grudentos, a cozinha pulsante e os riffs e solos marcantes. Além disso, a variedade no som do Cosmic é evidente. Fato é que, ao contrário da música de abertura, a seguinte Never Forget, de riff imponente, mostrou um viés cadenciado em grande parte até entrar em um ‘crescendo’ na hora do solo.
Beneficiados por ótima qualidade de som, os músicos estavam à vontade no palco e isso refletiu em boas performances individuais. Rick e Rodrigo se movimentavam o tempo todo, enquanto que Graseffi exercia com naturalidade as suas funções. Falando em Graseffi, seu vocal “enrouquecido” evidenciava, em certos momentos, traços de Ronnie James Dio, precisamente em alguns finais de frases nos quais o músico empregava forte entonação – algo que era característico no modo de cantar do saudoso baixinho. Como o tempo disponível de palco era curto, a banda evitou delongas e dedicou a sequência do set à algumas músicas que estarão em seu debut Spitting Fire, que será lançado em 2019. Além da própria Spitting Fire, foram executadas Electrify (uma das mais legais do repertório) e a derradeira e não menos contagiante Yesterday was Crazy. Pena não ter havido tempo de o grupo tocar Mushroom Memories, que integra o seu mais recente material, o EP ao vivo Cosmic Sessions. Apesar de o show ter sido curto, o Cosmic Rover passou muito bem o seu recado, tanto é que saiu ovacionado e ainda fez com que o público ficasse alvoroçado por mais músicas. E essa apresentação deixou duas coisas bem claras: o formato power trio funciona para a banda e, ao vivo, as músicas soam ainda mais energéticas.
Não demorou muito para que os uruguaios do Reytoro assumissem o palco. Também ovacionados pelo público, que compareceu em número razoável ao Sesc Belenzinho e vibrou durante os shows dos dois grupos, os veteranos Fabian Furtado, vocalista de outra grande banda uruguaia, o Chopper, Norberto Arriola (guitarra), Enzo Broglia (baixo) e Fernando Alfaro (bateria) entraram executando uma breve introdução, que culminou em Sistema, música do terceiro e mais recente álbum III, de 2015. Embora não seja tão conhecido pelos brasileiros, o Reytoro é enorme no Uruguai, ao ponto de dois de seus quatro álbuns, o ao vivo Reytoro En Vivo (2007) e o segundo de estúdio II (2008), terem sido certificados com Disco de Ouro. Em seu currículo, o grupo soma participações em grandes festivais e shows lendários ao lado de nomes como Deep Purple, Megadeth, Kreator, Rata Blanca, Malón, Exodus, Sepultura, Slayer, Anthrax, Lamb of God, Guns N’ Roses e Sebastian Bach.
Dando continuidade, o grupo mostrou mais de seu heavy metal com doses de thrash e de groove metal, descarregando uma sequência com meia dúzia de outras músicas do álbum III. Entre elas, as instigantes Finisterra e Hacha, a pesada EDDF e Dinamita, um heavy tradicional com boas palhetadas de Arriola, foram as mais empolgantes. Bastante comunicativo, Fabian chegou a brincar com o fato de não saber falar português e ganhou o público com sua simpatia e performance contagiante. Outro que também chamou a atenção foi Enzo Broglia, que contribuía para as linhas vocais fazendo backings agressivos. Falando em Broglia, era olhar para ele e se lembrar de D.D. Verni (baixo – OverKill/The Bronx Casket Co.), não só pela aparência, como também por sua postura e presença de palco. Depois de dar uma boa amostra de seu mais recente álbum, o Reytoro resolveu mandar uma trinca do antecessor II: as cadenciadas Karma e Viajar, e Me Esta Matando, música que também dispunha de riffs bem legais de Arriola. A despedida do Reytoro em sua primeira noite em São Paulo se deu com a única representante do homônimo debut, de 2003: a grudenta Peste. Essa teve o final repetido e cantado tão à exaustão, que por conta disso o refrão simples ficou ecoando por horas na minha mente.
Quem compareceu ao Sesc Belezinho e prestigiou essa aliança metálica entre Brasil e Uruguai, foi agraciado por dois ótimos shows do Cosmic Rover e do Reytoro. Que bom seria se começasse a rolar um intercâmbio maior entre as bandas latino-americanas. Mas, infelizmente, não creio em melhoras, já que muita gente no Brasil ainda tem preconceito até mesmo com as bandas nacionais que cantam em português. Porém, fica a minha torcida para que o Reytoro possa retornar um dia ao Brasil, de preferência com um novo álbum de estúdio, já que faz tempo que o grupo não lança nada de inédito. Quanto ao Cosmic Rover, á se basear pelas novas músicas que foram apresentadas, a expectativa é que em 2019 o grupo solte um grande álbum de estreia. E que assim seja!
REYTORO – Setlist:
Sistema
Finisterra
Hacha
Desolador
EDDF
Dinamita
Karma
Viajar
Me Esta Matando
Peste
COSMIC ROVER – Setlist:
Space Motherfucker
Never Forget
Spitting Fire
Electrify
Yesterday was Crazy