Em tempos em que na música pesada há toda uma leva de bitolados valorizando tão somente o quão técnicos, velozes, habilidosos, em suma, “olímpicos” alguns músicos e bandas podem (e querem) ser, a ideia de um evento com o sugestivo nome “Rock N Roll Experience” veio na contramão e a calhar para quem tem na veia o espírito vanguardista de sair para curtir, única e exclusivamente, uma agradável noite de rock and roll. E essa foi a vibe emanada pelas bandas paulistanas King Bird, Cosmic Rover e Redneck Brotherhood ao público que compareceu ao Jai Club no último sábado.
Infelizmente, devido ao “dilúvio” que caiu sobre São Paulo, o público acabou sendo pequeno. Eu mesmo tive meu trajeto miseravelmente prejudicado até o local e por consequência disso acabei perdendo a apresentação do Redneck Brotherhood. Trata-se de um power trio que mistura hard rock, com southern rock, blues, country e bluegrass. Em suas fileiras o grupo conta com Eddie Brandoff (vocal e guitarra), Mauro Catani (baixo) e ninguém menos do que o lendário Paulão Thomaz, baterista de longa estrada e que tem nome cravado no cenário nacional por seus préstimos à bandas como Baranga, Centúrias, Kamboja, Patrulha do Espaço, Korzus, Firebox, Güdenläwd, Harppia, Proposital Noise e Cheap Tequila. Deixo aqui os meus pedidos de desculpas ao pessoal do Redneck Brotherhood por minha irremediável ausência.
Assim que cheguei à casa (parecendo um pinto molhado, tamanho banho a mãe natureza me deu), não demorou muito para que o outro power trio do evento, o Cosmic Rover, desse início à sua apresentação. O novato grupo formado pelo experiente Edson Graseffi (vocal e bateria) e pela dupla Rick Rocha (guitarra / ex-Laboratori) e Rodrigo Felix (baixo e backing vocal) vem despontando no cenário com seu stoner rock vitaminado com raízes setentistas e doses de hard e classic rock. Prestes a lançar o primeiro álbum, Spitting Fire, o trio deu início com uma dobradinha do homônimo EP lançado em 2018, formada pelas viciantes Space Motherfucker e Never Forget. A primeira vez que assisti o Cosmic Rover ao vivo foi em seu show anterior, em dezembro último, quando abriu para os uruguaios do Reytoro no Sesc Belenzinho, e naquela ocasião saí com uma sensação de “quero mais”. Dessa vez, o tempo de palco foi maior, então foi legal conferir o repertório completo do grupo.
Com uma qualidade de som satisfatória, o Cosmic Rover agradou o público presente. Um dos pontos mais legais foi que Graseffi, que sempre foi conhecido como batera e que agora tem segurado bem a bronca nas duas funções que comanda, ia explicando o conceito lírico da maioria das músicas tocadas – isso é algo que eu valorizo bastante num show. Antes da nova Our Tattoos, por exemplo, ele, que é tatuador, comentou que o Cosmic é uma banda formada por integrantes que se conheceram em um estúdio de tatuagem. Porém o momento mais hilário foi quando o músico anunciou Mushroom Memories, dizendo que o título é autoexplicativo: fala de ‘memórias de cogumelo’ – pra bom entendedor… Uma das mais contagiantes do set foi Bright Highway, música que tem clima de sol e estrada e realmente fala sobre se aventurar em duas rodas. Nessa, a atuação de Rodrigo foi bem legal, não só pelos backing vocals que dão um clima psicodélico, como também pela levada ‘slapeada’, um detalhe que caiu como luva para o groove da música. Há de se destacar também os riffs pegajosos do jovem Rick Rocha nas músicas. A despedida se deu com a energética Yesterday Was Crazy. O Cosmic Rover saiu ovacionado e agora concentra sua atenções para o lançamento de seu debut. E tou curioso para conferir, tendo em vista que o EP foi um ótimo aperitivo.
A última banda a entrar em ação foi o veterano King Bird, que chegou agitando o público com uma sequência arrebatadora de músicas de seu mais recente álbum, Got Newz (2016), que marcou a estreia do ótimo vocalista Ton Cremon. Com o carisma que lhes é de praxe, os comunicativos Cremon e Sílvio Lopes (guitarra), dono de riffs contagiantes, iam entretendo o público no intervalo entre uma música e outra com natural bom humor. Inclusive, Cremon, Lopes e Fábio César (baixo) comemoram no palco o aniversário do baterista Marcelo Ladwig, que aconteceu alguns dias antes. Ainda falando dos músicos, é impressionante a competência dos quatro, sendo que, individualmente, cada um deles, sem exceção, se destaca como sendo um dos melhores do país em suas respectivas funções.
A primeira das músicas mais antigas da banda a ser apresentada foi a emocionante Old Jack, do debut Jaywalker (2005), em que Cremon, que nessa e em outras músicas faz dupla com Sílvio nas cordas, deixou todo mundo de queixo caído com sua voz. Com seu belo clima western, essa música nunca pode ficar de fora de um show do Pássaro Rei. No setlist, o quarteto priorizou o álbum Got Newz em sua maioria, mas também foram executadas algumas de seus outros materiais, como Let the Rock and Roll, de Sunshine (2008), por exemplo. Outras que assim como Old Jack se destacaram foram Beyond the Rainbow, que foi composta em homenagem ao saudoso Ronnie James Dio, e o cover do Black Sabbath para Supernaut, que ficou muito bom na pegada do King Bird, que deu números finais à sua apresentação com outra de Got Newz: Back in Time.
Uma das coisas mais legais que observei no “Rock N Roll Experience” foi o clima de amizade entre as bandas, com os músicos curtindo os shows um do outro. Em muitos discursos que vemos pelas redes sociais, com as pessoas cobrando união na cena, isso não passa de hipocrisia, tendo em vista que, em muitas ocasiões, quando rolam eventos, ao invés de as bandas se confraternizarem, como aconteceu no último sábado, preferem ficar do lado de fora da casa, abrindo mão de prestigiar as outras que estão no palco. Ponto para o pessoal do King Bird, Cosmic Rover e Redneck Brotherhood pela atitude e também para o público, que enfrentou a chuva absurda que caía na cidade e compareceu para vivenciar uma experiência rock and roll!