A tão aguardada quarta edição do “Rock Na Praça” agitou São Paulo no último dia 4, primeiro domingo de setembro, tendo como atrações Angra, Korzus, Gloria e Kisser Clan. Ao contrário das edições passadas, que aconteceram ali perto, em frente à mundialmente famosa Galeria do Rock, dessa vez o evento foi realizado em um dos grandes cartões postais da cidade, o Vale do Anhangabaú. Isso trouxe a lembrança memórias de um passado situado lá no início dos anos 90, quando no mesmo local aconteciam outros festivais de Metal como, por exemplo, o “Rock No Vale”, que reuniu as bandas Ratos de Porão, Marcelo Nova, Zero Vision (que inclusive gravou ali o clipe de “Glass Screen”) e Câmbio Negro.
Durante os dias que antecederam o “Rock Na Praça 4” houve muito “disse me disse” nas redes sociais, iniciados, à princípio, por conta da escalação do Gloria, grupo que muitos julgavam não condizer com o restante do ‘cast’. E por ser um festival ‘open air’ gratuito, a coisa ficou ainda mais preocupante quando algumas pessoas começaram a postar comentários preconceituosos e também extra-musicais na página do evento no Facebook, além de incentivarem possíveis ações de violência e de vandalismo. Porém, momentos antes de começarem os shows, a produção do “Rock Na Praça” convidou a imprensa presente no local para um bate-papo em um dos camarins e apesar da cautela e dos cuidados tomados em relação às possíveis adversidades que poderiam vir a acontecer durante o evento, movidas pelos comentários inflamados da Internet -, os organizadores mostravam-se confiantes e positivos.
A ansiedade que já tomava conta do público aumentou quando, pouco antes das 15h, Nando Fernandes (vocalista do Radio Show, ex-Cavalo Vapor, Hangar, Shining Star e outras), o mestre de cerimônia Rodrigo Branco (locutor da rádio Kiss FM e DJ) e o idealizador do “Rock Na Praça” Fabricio Ravelli, fizeram as honrarias e anunciaram o Kisser Clan. O projeto de Andreas Kisser (Sepultura) e de seu filho Yohan Perissinotto é conhecido por tocar clássicos do Heavy Metal mundial e junto aos dois vieram Gustavo Giglio (baixo) e Leo Baeta (bateria), que substituía Amilcar Christófaro, que estava em turnê com o Torture Squad.
O grupo chegou empolgando com a imortal “Ace Of Spades” (Motörhead), com Kisser agitando muito e Yohan providenciando o solo. Ao final dessa, assim como Lemmy Kilmister dizia no início dos shows, “We are Motörhead and we play Rock and Roll”, Andreas Kisser, trajando uma camisa da banda inglesa, fez parecido: “Somos o Kisser Clan e nós tocamos Heavy Metal!”. Na sequência, pai e filho dividirem os vocais em “Am I Evil?” (Diamond Head), que foi tocada na versão que se tornou mais conhecida pelo Metallica.
Após mais três clássicos, “Helter Skelter” (Beatles), “Breaking The Law” (Judas Priest) e “Rock And Roll Damnation” (AC/DC), Yohan cumprimentou e agradeceu a todos e assumiu o vocal principal nas duas próximas. Emendadas uma na outra vieram, “The Zoo” (Scorpions) e “War Pigs” (Black Sabbath) – que causou histeria geral. O caos tomou conta da pista também quando Kisser anunciou o cover do Slayer para a ótima “Skeletons Of Society”, do álbum “Season In The Abyss” (1990).
Não foi diferente em “Motorbreath” (Metallica), em que Baeta cedeu as baquetas à Ravelli (ex-Hirax e Harppia), que sentou o braço sem dó na bateria, tocando cada arranjo de maneira fiel à música original. O show já caminhava para o final, quando Kisser agradeceu os organizadores e sob os tradicionais gritos de “Sepultura, Sepultura”, a banda mandou duas antes, “Wrathchild” (Iron Maiden) e “Rock And Roll All Nite” (Kiss), para aí então atender o público e encerrar com “Refuse / Resist”, que contou com o vocalista do Desalmado, Bruno Teixeira.
Momentos antes de entrar em palco, Andreas Kisser atendeu a ROADIE CREW e comentou a iniciativa de Fabricio Ravelli e do “Rock Na Praça”: “Foi um prazer e um privilégio ter tocado com o Kisser Clan em um evento desse porte e com essas três outras grandes bandas. Essa iniciativa do Fabrício tem tudo a ver com o que a nossa sociedade precisa, que é entender o Heavy Metal de uma forma mais respeitosa e não ter fobia do nosso estilo”. E completou: “O Heavy Metal é o gênero mais popular do mundo, o Sepultura tocou em 76 países em 32 anos, assim como outras bandas daqui também têm viajado, isso porque o Metal abre portas. Então, essa é uma oportunidade para quem não sabe o que fazer da vida, aprender um instrumento, tocar e falar o que quiser, já que no Metal há essa liberdade de se expressar. Esse evento aqui é um passo importante pra gente mostrar que o Heavy Metal é um produto, ou um estilo, ele vai além do lado musical e é uma grande opção de vida para muita gente. Ao menos foi para mim”.
Assim que o Kisser Clan deixou o palco, Rodrigo Branco começou a conscientizar as pessoas em relação às garrafas que estavam sendo atiradas e ressaltou que um ato falho desse tipo poderia acarretar na proibição de futuras edições do “Rock Na Praça”. Aliás, o objetivo dos organizadores é realizar uma em todo último domingo de cada mês. Passado o recado, Branco chamou o Gloria. Portando no palco uma bandeira do Brasil que tinha seu nome escrito, o grupo passou por cima dos comentários preconceituosos e de qualquer tensão que pudesse haver e chegou tocando a pesada “Desalmado”, que mostrou certa influência de Korn.
Com um repertório totalmente pesado, ao qual apenas as músicas “Só Eu Sei” e “A Chama” acabaram ficando de fora, Mi (vocal), Elliot Reis (guitarra e vocal), Peres Kenji (guitarra) e os mais recentes integrantes, Thiago Abreu (baixo) e Leandro Ferreira (bateria), basearam o set com músicas do segundo e do terceiro álbum da banda, “Glória” (2009) e “(Re) Nascido” (2012), respectivamente. Empolgados e agitando o tempo todo, os músicos foram bem recebidos por seu público que era bastante numeroso. Dando sequência, Mi pediu que fizessem o ‘mosh pit’ na próxima, e foi atendido quando da execução de “Vai Pagar Caro Por Me Conhecer”.
Uma das que mais animou os fãs foi “Sangue”, de “(Re) Nascido”, já que há tempos o grupo que um dia teve Eloy Casagrande (Sepultura, ex-Andre Matos, AcllA) na bateria, não a tocava ao vivo. Após essa, foi apresentada a música “Oração”, única do novo disco “V” (Leia-se “Quinto”). O comunicativo Mi, que por vezes dividia seus vocais agressivos com os melódicos de Elliot, contou sobre a próxima, dizendo que em todos esses anos de carreira o Gloria conheceu vários outros grupos pela estrada e um deles foi O Teatro Mágico, do vocalista, violonista e guitarrista, Fernando Anitelli, que ajudou a escrever a música em questão, a veloz “Presságio”. Uma das que foram tocadas e que tinha os riffs de guitarra e levadas mais legais foi “Bicho do Mato”.
Antes de encerrar o show, Mi agradeceu a presença do público e também de alguns ex-integrantes da banda, que estavam presentes, e anunciou a derradeira, “Asas Fracas”. Foram apenas quarenta minutos de apresentação e, felizmente, aqueles que estavam na pista e não curtiam a banda, não fizeram nada que pudesse prejudicar o grupo – apesar de uma garrafa ter sido atirada ao palco, mas, por sorte, não ter acertado ninguém. Tirando esse fato condenável e isolado, parece que todos entenderam que o motivo da inclusão do Gloria veio a calhar com um dos importantes intuitos do “Rock Na Praça”, que é o de abrir espaço para todas as vertentes do Rock e do Metal. O objetivo é unir bandas e público em prol de um mesmo ideal, que é o de inserir a nossa Cultura na agenda da cidade, mostrando ao poder público que nós fazemos por merecer esse espaço.
Após uma longa e cansativa espera, pontualmente às 18h, começou a rolar a introdução mecânica, junto à iluminação que dava um clima sinistro para uma das mais aguardadas bandas, o Korzus. O público ensandecido viu Rodrigo Oliveira (bateria) e os guitarristas Heros Trench e Antônio Araújo surgirem antes dos fundadores Marcello Pompeu (vocal) e Dick Siebert (baixo), que não tardaram a entrar. Com os cinco a postos, a paulada começou com “Guilty Silence”, pesadíssima música de abertura do antepenúltimo álbum do grupo, “Ties Of Blood” (2004).
Sem piedade, a banda não deixou ninguém tomar fôlego e já emendou com a intensa “Bleeding Pride”, do mais recente, “Legion” (2014), e “Never Die”, do anterior, “Discipline Of Hate” (2010). Um começo matador e que deixou muita gente com dor no pescoço. Na primeira pausa, Pompeu – que já havia tocado na primeira edição ao lado de Trench, com a banda Pompeu & Amigos – falou: “É muita felicidade estar no palco do “Rock Na Praça”, aqui na minha cidade, São Paulo. Fico muito feliz de ver todos vocês prestigiando não só a gente, mas também as bandas que estão subindo aqui”. Com o público nas mãos, Pompeu dizia “Rock” e todos completavam gritando “Na Praça”. O mesmo aconteceu quando pediu que repetissem várias vezes “I See You Death”, primeira parte do refrão da música seguinte, a ‘grooveada’ “What Are You Looking For”.
Após “Discipline Of Hate”, foi a vez de Pompeu dividir a pista. Sendo assim, uma parte gritava “Fabricio” e a outra “Ravelli”, até que todos juntos fizessem o mesmo com o nome inteiro do idealizador e formasse a roda para outra das mais recentes músicas da banda: “Vampiro”. Na sequência, veio mais uma com letra cantada em português, a pulsante “Correria”. Era hora de tocar material dos anos 90, então a banda se retirou do palco e imediatamente a introdução cavernosa que abre o clássico álbum “Mass Illusion” (1991) surgiu ao fundo, antecipando o retorno dos músicos, que voltaram tocando um dos hinos do Korzus, “Agony”, que logo foi emendado com “Internally”, de “KZS” (1995), álbum que foi bastante influenciado pelo Hardcore norte-americano.
Para a próxima, Pompeu convidou para cantar com ele, Nando Fernandes, que chegou parabenizando Ravelli “pela coragem e pela atitude de realizar o “Rock Na Praça” apesar das dificuldades existentes”. Além disso, Nando agradeceu à todos pela boa recepção que teve quanto à sua gravação de “Heroes Of Sand” (Angra), no álbum tributo aos 25 anos de carreira do também vocalista Edu Falaschi. Sem mais delongas, ele e o Korzus mandaram “Raise Your Soul”. Nando se despediu, incentivando a platéia a cantar o tradicional “olê, olê, olê”, com o nome do Korzus somado ao final.
Perto do fim, a banda ainda tocou uma de suas músicas mais conhecidas, “Truth”, e também a clássica “Guerreiros Do Metal”, a qual Pompeu explicou que a letra fala sobre o sentimento da banda em relação à todos os irmãos do Metal. Foi engraçado nessa, vê-lo fazendo um ‘circle pit solitário’ no palco. O final veio com a bela faixa título do último álbum, “Legion”, em que, de maneira inteligente, Pompeu fez os agradecimentos finais em cima do dedilhado inicial da música. Apesar de o som das guitarras ter ficado prejudicado, já que esteve abafado durante a maior parte do set, foi uma bela e empolgante apresentação dessa instituição do Thrash Metal sul-americano.
A expectativa do público era grande para conferir o Angra, que recentemente havia feito um show lotado e marcante no Tom Brasil, onde celebrou os 20 anos de lançamento do seu segundo álbum, “Holy Land”, tocando-o na íntegra – junto a outras músicas variadas -, tendo entre os convidados, os ilustres ex-integrantes da formação clássica da banda, o baixista Luis Mariutti e o baterista Ricardo Confessori – que em alguns momentos tocou ao mesmo tempo que Bruno Valverde, já que haviam duas baterias dispostas no palco. Para o “Rock Na Praça”, o show preparado foi bastante diferente, pois o set não seria dedicado ao “Holy Land” e a banda não contaria com o vocalista italiano Fábio Lione, que no mesmo dia se apresentava em Madrid, na Espanha, com o Vision Divine.
A espera novamente foi longa e cansativa, mas finalmente, após 45 minutos do final do show do Korzus, os guitarristas Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa, o baixista Felipe Andreoli e também Valverde entraram tocando “Wings Of Reality”, do álbum “Fireworks” (1998), acompanhados do vocalista Bruno Sutter, que com sua banda solo havia feito o ‘opening act’ para o Angra no citado show do Tom Brasil, que ocorreu em 13 de agosto. Ao final, Bittencourt cumprimentou a todos e perguntou quem ali queria a continuidade futura do “Rock Na Praça”, sendo correspondido positivamente e em unanimidade. “Só depende de vocês e de nós músicos. Todo mundo unido para fazer isso acontecer sempre, porque o Rock é cultura”, afirmou. Após gritar o nome de Sutter, que deixou o palco, o guitarrista disse que aquele era o “Angra and friends”, e então convidou Alirio Netto, vocalista do Age Of Artemis e ator e cantor de musicais como “Jesus Cristo Superstar” e do atual “We Will Rock You”, para cantar a veloz música de abertura de “Holy Land”, “Nothing To Say”.
Em “Waiting Silence”, que originalmente foi gravada por Edu Falaschi em “Temple Of Shadows” (2004), foi o próprio Bittencourt quem assumiu o vocal. Nessa função, ele já havia mostrado no Tom Brasil que se sai bem, mas, dessa vez, infelizmente, o som que saía de seu ‘headset’ estava aquém do que se ouvia naquele show, já que agora parecia vir de um rádio. Isso ficava ainda mais explícito toda vez que o músico falava com o público. BJ (Tempestt, Danger Angel e Jeff Scott Soto) foi chamado para cantar em “Heroes Of Sand” – música que Bittencourt comentou que há tempos não era tocada – e ela casou com sua voz, soando mais próxima do AOR – gênero que o vocalista domina.
Aliás, as músicas cantadas pelos convidados pareciam ter sido escolhidas a dedo para que soassem bem na voz de cada um, exemplos disso foram a citada “Heroes Of Sand”, “Time”, a qual Sutter alcançou as regiões do vocalista original Andre Matos e, principalmente, “Make Believe”, que talvez tenha sido o ápice do show do Angra, com Alírio interpretando-a de maneira irrepreensível e tendo uma performance carismática, descendo até as caixas de som à frente do palco, inclusive para interagir com um garotinho que estava sobre os ombros de um rapaz. A única do álbum mais recente, “Secret Garden” (2014), a ser tocada, foi “Final Light”. Depois disso, foi a vez de “Rebirth”. Por fim, a banda chamou todos os três convidados a se juntarem no palco para dividirem vocais na inesperada “Carry On”, que não estava programada, mas que foi intercalada com “Nova Era”, que finalizou o evento.
Felizmente, tudo conspirou a favor do “Rock Na Praça”, até mesmo a chuva que estava prevista colaborou e não passou de uma breve garoa. E apesar das garrafas (de vidro e de plástico) que, lamentavelmente, uns mal educados arremessavam, e de algumas pessoas que passaram mal terem sido socorridas, nenhuma ocorrência policial foi registrada. “Domingo, as 30 mil pessoas presentes no “Rock Na Praça 4”, deram um recado definitivo ao poder público sobre a importância daquilo que fazemos, quem somos e onde podemos chegar. Começamos uma revolução cultural na nossa cidade”, afirmou à ROADIE CREW, o idealizador do “Rock Na Praça” e candidato a vereador da Cultura Rock de São Paulo, Fabricio Ravelli. Desejamos que esses resultados favoráveis alcançados sirvam para que, assim que possível, os organizadores consigam realizar a quinta e outras mais edições.
ANGRA – Setlist:
Wings Of Reality
Nothing To Say
Waiting Silence
Heroes Of Sand
Make Believe
Time
Final Light
Rebirth
Nova Era
KORZUS – Setlist:
Intro
Guilty Silence
Bleeding Pride
Never Die
What Are You Looking For
Discipline Of Hate
Vampiro
Correria
Intro / Agony
Internally
Raise Your Soul
Truth
Guerreiros Do Metal
Intro / Legion
Outro
GLORIA – Setlist:
Desalmado
Vai Pagar Caro Por Me Conhecer
É Tudo Meu
Anemia
A Arte De Fazer Inimigos
Sangue
Oração
Presságio
Bicho Do Mato
Asas Fracas
KISSER CLAN – Setlist:
Ace Of Spades (Cover do Motörhead)
Am I Evil? (Cover do Diamond Head)
Helter Skelter (Cover dos Beatles)
Breaking The Law (Cover do Judas Priest)
Rock And Roll Damnation (Cover do AC/DC)
The Zoo (Cover do Scorpions)
War Pigs (Cover do Black Sabbath)
Skeletons Of Society (Cover do Slayer)
Motorbreath (Cover do Metallica)
Wrathchild (Cover do Iron Maiden)
Rock And Roll All Nite (Cover do Kiss)
Refuse / Resist (Cover do Sepultura)