E vamos para mais uma edição do Rock Na Praça… O mais interessante é que, ao contrário do que muita gente faz em eventos e festivais, o pessoal que tem como pilares Fabricio Ravelli e o vocalista do Korzus, Marcello Pompeu, sempre busca criar novas estratégias. Para aqueles que não tiveram a oportunidade de conferir as edições anteriores, vale citar que as primeiras ‘gigs’ do evento tinham quatro bandas. Aí o lance ganhou novas proporções na edição 4.9, com oito grupos, sendo dois headliners e seis bandas disputando uma vaga para esta edição, que trouxe outras novidades. A primeira, e mais visível, ficou para a estrutura e local. Novamente no Vale do Anhangabaú, mas agora com dois palcos grandes e muita parafernália, além de ter sido o maior cast do evento. O termo maior não se limita a quantidade de bandas, mas pela profundidade de estilos, indo do pop rock ao metal extremo. Se por um lado a variedade não agrada os radicais, dá a oportunidade de quem não está acostumado com música tão pesada de checar o que rola na cena independente. E vice-versa.
O cast abrangeu nomes consagrados da cena underground (Andre Matos, Krisiun), emergentes (Oitão, Claustrofobia, Sioux 66), gente que está voltando (Kiara Rocks), uma banda destinada ao evento (Pomparças), a vencedora da seletiva (Trayce), nomes mainstream (Malta, Supla), e o Screams of Hate, surpresa de última hora que, às 13h55, deu início à festa.
Com o sangue nos olhos, o quarteto formado por Clayton Bartalo (vocal), Alexandre Bovo (guitarra), Vicente Moreno (baixo e vocal) e Marcelo Toselli (bateria) mandou uma mescla de groove com death metal e tem como trunfo os vocais inspirados em nomes como Gorefest e Entombed. A galera respondeu muito bem ao som dos caras, cujo set teve como pontos altos “Evil” e “Spilling Hate”, ambas do mais recente trabalho, “Neorganic” (2016). Outra bem aceita foi “Depression”, que contou com a participação do vocalista Marcelo Carvalho (ex-Trayce). Começamos bem!
A grande vantagem de um fest com dois palcos são os shows simultâneos, ou seja, acabou um e começa o outro, sem enrolação. Assim, às 14h25, o Trayce já iniciava o seu set. Numa atitude bem pensada, Raphael Castejon (vocal), Alex Gizzi e Fabricio Modesto (guitarras), Rafa Palmisciano (baixo) e Cadu Gomes (bateria) entraram vestidos com camisetas de algumas das bandas da seletiva que se sagraram vencedoras. Assim como na edição anterior, o set privilegiou a nova fase em sons como “Réus”, “Corpo Fechado” e “Domadores”. Com um ritmo hipnótico, essa última já pode ser considerada um clássico da atual fase do quinteto, que fez um ótimo show, que só não foi melhor por causa do som que, embora audível, não estava em plenas condições. O que foi (infelizmente) uma constante nos shows.
De volta ao palco São Paulo Rocks, às 14h50 o Pomparças deu o ar da graça. Formada pelos membros do Korzus Marcello Pompeu (vocal) e Heros Trench (guitarra) e o apoio de Marcelo “Soldado” Nejen (guitarra, Coração de Heroi, ex-Korzus e Treta), Fabio Romero (baixo, Threat, ex-Proposital Noise) e Henrique Pucci (bateria, Clearwiew, ex-Project 46), mandaram clássicos do rock e do metal, cuja resposta foi unânime do público. Desde “Highway to Hell” (AC/DC), passando por “War Machine” (Kiss), “Orgasmatron” (Motörhead, que contou com a vocalista do Sinaya, Milena Monaco) e os clássicos do Slayer: “South of Heaven” e “Raining Blood”. Não tinha como sair errado, músicas consagradas executadas por um ‘dream team’ de músicos brasileiros.
A transição do thrash metal para o hard rock marcou a apresentação do Sioux 66, às 15h20, no palco Anhangabaú. Apresentados ao público por Victor Guilherme (Mattilha), Igor Godoi (vocal), Mika Jaxx e Bento Mello (guitarras), Fabio Bonnies (baixo) e Gabriel Haddad (bateria) mostraram segurança no palco e fizeram um show bem profissional, que agradará em cheio fãs de Guns and Roses e Aerosmith. Músicas como “Outro Lado”, “Porcos” e uma versão mais pesada e pessoal para “O Calibre” (Paralamas do Sucesso) mostraram que o hard continua sua saga de boas bandas nacionais. E olha que nem estávamos na metade da maratona.
Às 15h55, Vini Castellani (Project 46) chamou ao palco a galera do Oitão, cujo show foi um rolo compressor em forma de crossover. Com facas nos dentes, Henrique Fogaça (vocal), Ciero (guitarra), Ed Chavez (baixo) e Marcelo BA (bateria) fizeram uma das melhores apresentações do dia. Com a banda furiosa, fomos brindados com sons que são uma verdadeira hecatombe de thrash metal/hardcore, mesclando música extrema e discursos citando a condição do país e o tratamento dos governantes dado ao povo. Desde a pancadaria de “Tiro na Rótula”, da visceral “Trevas” até a pogante “Chacina”, dona de um acento punk e que contou com a participação de Marcão (ex-Lobotomia). “Imagem da Besta” (com Fogaça cantando com o público) e “Podridão Engravatada” coroaram o show do grupo que, seguramente, é um dos melhores do estilo no Brasil.
Já eram 16h30 quando a próxima atração do dia, a Kiara Rocks, começou seu set. Após anunciar o encerramento das atividades, o quarteto liderado pelo vocalista e guitarrista Cadu Pelegrini voltou para o jogo, dessa vez acompanhado por Bruno Carmo (guitarra, que substituiu nessa apresentação Kiko Shred), Raul Barroso (baixo) e Junior Van Loon (bateria). Apesar do som ruim, notou-se uma banda continuando do ponto de onde haviam parado, ou seja, a linha mais pesada do álbum “Daqui Por Diante” (2013), o que ficou evidente na escolha do cover “Ace of Spades” (Motörhead), dedicada ao mestre Lemmy. Outros pontos de destaque foram “Marcas e Cicatrizes”, “Sinais Vitais” e “Não Vai Adiantar”, essa com a participação de Marcelo Carvalho. Vamos acompanhar os próximos passos do quarteto.
Era hora de mais thrash e, assim como o Oitão, o Claustrofobia fez um excelente show. Agora como trio, Marcus D’Angelo (guitarra e vocal), Daniel Bonfogo (baixo) e Caio D’Angelo (bateria) mandaram o que eles chamam de “Metal Maloka” aos presentes, o que é uma mistura de thrash, hardcore, death e samba, mas tudo bem dosado e sem parecer essa ou aquela banda. Desde sons mais atuais, como “Generalized World Infection” e “Paulada” até a já clássica “Pinu da Granada”, incluindo também uma visceral versão para “Rapante” (Raimundos), tivemos uma aula de música extrema de qualidade. Sorte nossa poder conferir o poder dos moleques, que mostraram que o atual formato como trio deixou as coisas ainda mais insanas.
Era a hora de quebrar barreiras. Momento que entrou ao palco a banda Malta. Vencedora de um reality show global e vivendo um novo momento com vocalista Luana Camarah (ex-Turnê), o quarteto, composto por Thor Moraes (guitarra), Diego Lopes (baixo), Adriano Daga (bateria) e o guitarrista convidado Helton Fagundes e Silva optou por fazer um set seguro. Músicas próprias como “Igual a Ninguém” e a certeira “Indestrutível”, que mostra bem a nova fase da banda, foram mescladas a covers, que foram de AC/DC a Rage Against the Machine, que agradaram a galera. Só penso que, com a exposição que possuem, deveriam ter investido mais nos próprios sons.
Já anoitecia e às 18h45 era a hora do Krisiun. É incrível a regularidade do trio Alex Camargo (vocal e baixo), Moyses Kolesne (guitarra) e Max Kolesne (bateria), pois eles não fazem show meia boca. Sorte dos fãs e das pessoas que tem a sorte de assisti-los. Outra coisa que chama a atenção é evolução musical dos caras. Sem fugir das raízes do death metal, eles botaram uma cara própria nas canções, fugindo das armadilhas do estilo. Com isso fomos brindados com músicas coesas, brutais e trabalhadas como “Combustion Inferno”, “Vicious Wrath”, “Blood of Lions” (que riffs são esses!), “Kings of Killing” e “Ace of Spades” (Motörhead).
Da brutalidade para a irreverência. Essa foi a transição do death metal do Krisiun para o punk/pop do Supla. Com uma banda afiadíssima composta por Bruno Luiz (Stormsons, Command6, Doctor Pheabes), Henrique Baboom (Stormsons) e Ed Avian (bateria, Tales From The Porn), o Papito fez a festa com a galera com sons de toda sua carreira. Desde “Garota de Berlim” até versões pessoais para “Pet Semetery” (Ramones) e “Imagine” (John Lennon), tudo com o aval do público, que se divertiu a cada canção. Dois momentos especiais para este que escreve essas linhas ficaram por conta de “Encoleirado” e “Trip Scene”, essa última do ótimo projeto Psycho 69, lançado na década de 1990. Enfim, um show para elevar a carga de adrenalina.
Infelizmente, o que deveria ser aquele encerramento em alta teve um leve ar de decepção. Com início às 20h50, Andre Matos, acompanhado de seus fiéis escudeiros Hugo Mariutti (guitarra), Bruno Ladislau (baixo) e Rodrigo Silveira (bateria) fizeram um set que abrangeu a carreira do vocalista. Como a abertura veio “Nothing to Say” (Angra), mas o que se viu foi um som muito ruim e um cantor pouco inspirado, em especial para aqueles que acompanham sua carreira desde os tempos do Viper. O set de uma hora contou com as clássicas “I Will Return” e “Distant Thunder”, dos seus tempos de Shaman, além da bela “Lisbon”, do seu último trabalho com o Angra, “Fireworks”. Mesmo com todos esses percalços, Matos foi muito simpático com o público, além de ter uma banda classe A, principalmente o guitarrista Hugo Mariutti, que pode figurar tranquilamente entre os melhores do estilo no país. “Carry On”, também do Angra, encerrou a quinta edição do Rock Na Praça que, mesmo com esse percalço do som em algumas apresentações, faz por merecer uma continuidade, além de mostrar a galera os valores da cena, fazer com que esses mesmos fãs prestigiem os eventos underground em bares e casas de eventos.
Fabricio Ravelli, idealizador do festival, concluiu: “Certa vez me perguntaram ‘Fabrício, você imaginou que o RNP iria tomar essa proporção?’ Respondi que sim, por fazer parte de um processo e logo depois pensei: ‘Será que passei uma imagem prepotente?’ Mas não, é um trabalho intenso para realizá-lo. Porém, a nossa cidade merece um festival com esse formato, do tamanho e com a qualidade da nossa cena. Mesmo assim, sabemos que precisamos melhorar, sempre.”