Com mais uma edição do “Rock in Rio” acontecendo, festivais paralelos pululam em outros estados, dando a chance de diferentes públicos conferirem algumas das atrações que os cariocas têm recebido no Parque Olímpico do Rio de Janeiro. Em São Paulo, um dos grandes eventos foi o “Rockfest”, que aconteceu no último dia 21 de setembro. Em sua primeira edição, substituindo o “SP Trip”, que rolou em 2017 no mesmo estádio Allianz Parque, o “Rockfest” deu a oportunidade dos paulistanos prestigiarem, antes dos cariocas, shows dos gigantes Whitesnake, Scorpions e Helloween, além da emergente banda brasileira Armored Dawn e do lendário Europe, que foi o único dos cinco a não estar escalado para o mega festival criado pelo empresário Roberto Medina.
Com o cronograma seguido à risca durante todo o evento, o “Rockfest” foi iniciado às 16h15 pelo Armored Dawn. Com um cenário ornado por elementos que revelavam um pouco da temática de Viking Zombie, novo álbum que será lançado neste mês de outubro, Eduardo Parras (vocal), Tiago de Moura e Timo Kaarkoski (guitarras), Rafael Agostino (teclado), Rodrigo Oliveira (bateria) e o recém integrado baixista Heros Trench (guitarrista do Korzus) foram bem recebidos pelo público. Seguro no palco, o grupo exibiu seu folk metal através de um repertório que priorizou o segundo álbum, Barbarians in Black (2018). Desse, o grande destaque foi a balada Sail Away, que emocionou o público pela homenagem feita ao saudoso André Matos. Foi de arrepiar ver a imagem do vocalista exibida no telão ao fundo do palco durante toda a execução da música.
O próximo álbum do Armored Dawn também foi apresentado ao público, através das novas Heads are Rolling, Animal Uncaged, Ragnarok, single que ganhou videoclipe, e Rain of Fire, músicas que funcionaram ao vivo. É nítido que o Armored Dawn está mais solto no palco, principalmente Parras (vocalista também do Doctor Phoebes), que em outras ocasiões em que o assisti esteve muito contido. Dessa vez, o frontman até tirou proveito da rampa a frente do palco e passou boa parte do tempo cantando próximo do público. Passada essa apresentação, o Armored Dawn se prepara agora para tocar no “Rock in Rio” e em seguida embarcar em novembro para mais uma turnê europeia.
A primeira atração internacional do dia foi o Europe. Após dois anos, os reis do hard rock sueco estavam de volta à São Paulo. Pela quarta vez na carreira, o grupo, que costumo chamar de “Bon Jovi da Escandinávia”, tocava na terra da garoa. Assim como em 2017, Joey Tempest (vocal), John Norum (guitarra), John Léven (baixo), Mic Michaeli (teclado) e Ian Haugland (bateria) seguem divulgado seu mais recente álbum, Walk the Earth, lançado naquele mesmo ano. E foi com a própria Walk the Earth que o quinteto chegou agitando o público. Assim como no disco, na sequência veio a pesada The Siege. Foi um bom início de show, porém os fãs estavam sedentos pelos clássicos “das antigas”. E todos comemoraram quando a banda mandou o ‘big hit’ Rock the Night, de seu terceiro e mais bem sucedido álbum, o multi-premiado The Final Countdown (1986). Na primeira pausa, Tempest agradeceu o público e pediu: “São Paulo, nós queremos ouvir vocês gritarem!”. Após a dica, ele deu o alerta: “Essa é do Wings of Tomorrow (1984), segurem suas cuecas!”, referindo-se à acelerada Scream of Anger. Como curiosidade, vale dizer que, originalmente, essa música se chamava Black Journey Through My Soul. Tempest a compôs com o ex-baixista Marcel Jacob (Yngwie Malmsteen/Talisman), que passou pelo Europe quando a banda ainda se chamava Force. Em 2009, aos 45 anos de idade, Jacob acabou cometendo suicídio.
Prosseguindo, Last Look at Eden fez o público voltar dez anos no tempo e lembrar do álbum de mesmo nome, lançado em 2009. Era engraçado observar o quanto Michaeli estava parecendo Rafael Bittencourt, guitarrista do Angra, devido ao cavanhaque e chapéu. Em Ready or Not, de Out of this World (1988), Tempest assumiu a segunda guitarra, mas tanto a dele quanto a de Norum ficaram baixas, ao contrário do baixo de Levén, estourado de tão alto. Antes da próxima, tudo se resolveu. Em português, Tempest comemorou: “(Estou) Muito feliz de estar aqui!”. Em seguida, o Europe mandou duas de War of Kings (2015), a pesada música homônima e Hole in My Pocket. Dali pra frente, só clássicos. A inesquecível balada Carrie fez a alegria dos mais românticos. Empolgado, ao final dela Tempest quebrou o clima emocional e brincou: “caralho!”. Aplausos embalaram Superstitious, que, estendida, teve Tempest descendo do palco e caminhando ao lado da rampa para cumprimentar vários fãs. Cherokee começou com Haugland mandando o groove e interagindo com o público, enquanto Tempest se refrescava atrás do palco. Para o final, um dos maiores hinos do hard rock: The Final Countdown, que estremeceu o Allianz Parque. Foi um show curto de apenas uma hora, que pareceu ter durado bem menos, de tão bom que foi. Em seu primeiro festival em São Paulo, o Europe foi incontestável. E olha que o grupo ainda tinha várias músicas que, se tocadas, também alegrariam os fãs, tais como Ninja, Danger on the Track, Time Has Come, Let the Good Times Rock, Open Your Heart, More Than Meets the Eye, Sign of the Times, Just the Beginning, Never Say Die, Halfway to Heaven, Prisoners in Paradise…
Pioneiro do power metal melódico, o Helloween proporcionou mais peso e velocidade na sequência do “Rockfest”. Pego de surpresa, o grupo foi o último a ser escalado para o festival, tendo que assumir a vaga deixada pelo Megadeth, que meses antes se viu obrigado a cancelar sua vinda ao Brasil devido à confirmação de um câncer na garganta do líder Dave Mustaine, que permanece afastado dos palcos, porém com boa evolução em seu quadro. E, mesmo o Helloween sendo a única banda internacional do evento que não me considero ser tão fã – apesar do máximo respeito que tenho por seu legado, influência e importância no heavy metal -, digo sem cerimônia: a produção do “Rockfest” não poderia ter sido mais feliz, pois o time de luxo composto atualmente por Andi Deris e Michael Kiske (vocais), Kai Hansen, Michael Weikath e Sascha Gerstner (guitarras), Daniel Löble (bateria) e o aniversariante do dia Markus Grosskopf (baixo) fizeram o melhor show do evento! Apesar de também ter tido apenas uma hora de palco, o septeto fez bonito, contando não só com um repertório impecável e ótimas performances individuais, como também com belas imagens no telão, muitas delas com atuação hilária do mascote Jack O. Lantern, além de outros ingredientes que prenderam a atenção do público. O retorno dos antigos integrantes Kiske e Hansen tem sido o grande atrativo do Helloween. Não à toa, em 2017, o grupo teve duas noites ‘sold-out’ em São Paulo.
O grupo esbanjou simpatia. Especialmente Deris, que, inclusive, teve uma atitude bacana de falar sobre Dave Mustaine, pedindo ao público que o ovacionasse. Ele e Kiske, ora faziam duo em algumas músicas, ora se alternavam no palco. No set, que priorizou as duas partes da grande obra prima da banda, Keeper of the Seven Keys, lançadas nos anos de 1987 e 1988, hinos como I’m Alive, Dr. Stein, Eagle Fly Free, A Tale That Wasn’t Right, Future World, Ride the Sky e How Many Tears, ambas do debut Walls of Jericho (1985) e Power, de The Time of the Oath (1996), deixaram os fãs da banda arrepiados. Foi legal em Perfect Gentleman, Deris cantando usando um blazer com lantejoulas prateadas, cartola e bengala. Em Ride the Sky, Hansen assumiu o vocal principal e detonou nos agudos. Ele, Weikath e Gerstner foram um show à parte, o trio mostra um trabalho de guitarras incrível. A cozinha também estava bem segura nas mãos de Grosskopf e do concentrado Löble. A dobradinha final foi bastante divertida. Em Future World, balões pretos e laranjas com o mascote da banda estampado foram arremessados na plateia. Já em I Want Out, hino maior da banda, uma chuva de papel picado encerrou em grande estilo a inspirada noite da banda. O que o Helloween apresentou não foi apenas um show, mas uma verdadeira celebração à sua história, um presente de classe aos fãs.
Um dos shows mais aguardados da noite era o do Whitesnake, que atualmente divulga seu novo álbum, o ótimo Flesh & Blood. David Coverdale, que no dia seguinte completou 68 anos de idade, seu velho parceiro Tommy Aldridge (bateria), Reb Beach e Joel Hoekstra (guitarras), o italiano Michele Luppi (teclado) e Michael Devin (baixo) entraram detonando com a energética Bad Boys, do respeitado 1987. De cara, Coverdale, que vestia uma camisa com o logotipo do Whitesnake envolto à bandeira do Brasil, se dirigiu à rampa e cantou próximo do público. Lá atrás, a máquina Tommy Aldridge mostrava que, mesmo no alto de seus 69 anos, ainda é monstruoso tocando. Na sequência, outros dois grandes clássicos, presentes no impecável Slide it In (1984), agitaram ainda mais o público: a própria Slide it In e a imbatível Love Ain’t No Stranger, que foi bastante comemorada. Flesh & Blood, um dos melhores álbuns de hard rock de 2019, foi muito bem representado, começando pela pesada e cadenciada Hey You (You Make Me Rock). Outra de Slide it In foi Slow an’ Easy, uma das melhores músicas da carreira do Whitesnake, tocada numa versão mais econômica, que começou direto do refrão. No final, Coverdale, que teve dificuldades para cantá-la, foi bastante aplaudido quando exibiu uma bandeira do Brasil. Depois dessa, veio outra das novas, uma das mais legais de Flesh & Blood: a insinuante Trouble is Your Middle Name, que também soou muito bem ao vivo.
Antes da próxima, a dupla Beach e Hoekstra decidiu mostrar sua maestria e fez um belo dueto de guitarras. O que falar desses caras? Coverdale foi certeiro ao trazê-los para o Whitesnake. Beach é um dos guitarristas mais técnicos do hard rock, respeitado desde que se tornou conhecido no final dos anos 80 com sua outra banda, o Winger. Já Hoekstra, que assumiu o lugar do também talentoso Doug Aldrich, que atualmente se divide entre o The Dead Daisies, o Revolution Saints e o Burning Rain, além de tocar muito, tem uma performance absurda no palco – alguns fãs puderam conferir seu talento mais de perto dois dias antes, quando Hoekstra, que ostenta belíssimas guitarras, fez um workshop no EM&T. Particularmente, vejo essa dupla como uma das melhores que já passaram pelo Whitesnake. Depois da terceira e última das mais novas músicas do repertório, a eletrizante Shut Up & Kiss Me, foi a vez de Tommy Aldridge deixar o estádio inteiro de boca aberta, fazendo mais um de seus famosos solos de batera, em que ainda mostra muita técnica e uma pegada absurda. Como de costume, no decorrer do solo Aldridge dispensou as baquetas e o finalizou castigando os tambores e os pratos com suas próprias mãos, que parecem feitas de pedra. Ao final, Coverdale retornou ao palco, elogiou o amigo, apresentou seus demais parceiros e anunciou a comovente Is This Love, uma das baladas mais famosas da história do rock. E aí foi um festival de celulares iluminando o local, promovendo um espetáculo à parte.
Já partindo para o final do show, a sempre comemorada Give Me All Your Love levantou ainda mais o astral. E a coisa só foi melhorando. Here I Go Again, um dos maiores hinos da banda, deixou todo mundo eufórico. Com a explosiva Still of the Night não foi diferente. No entanto, Coverdale sofreu para cantá-la. Ele que já foi considerado uma das melhores vozes do rock (inclusive por este repórter), há alguns anos vem sentindo a ação do tempo, assim como outros como Paul Stanley, Jon Bon Jovi e Axl Rose (que foi muito bem no AC/DC). Possivelmente, a chuva torrencial que o como sempre extremamente carismático Coverdale pegou três dias antes no festival “Rock ao Vivo”, em Curitiba (PR), deve ter beneficiado para que sua voz ficasse ainda mais prejudicada, porém já faz alguns anos que ela vem falhando. Bem, temos que analisar que nem todo mundo tem a sorte de Glenn Hughes, por exemplo, que continua privilegiado fisiologicamente. Claro, o legado construído pelo mestre Coverdale jamais será apagado e ele teve o público nas mãos o tempo todo, mas, como entendo que resenha de show requer análise testemunhal e imparcial de nós repórteres, não seria honesto de minha parte para com você, digníssimo leitor, tapar o sol com a peneira. Todavia, experiente que é, Coverdale soube usar de atalhos, deixando as notas de regiões altas para os fãs e para os backings feitos por Beach, Hoekstra e Luppi, experiente ex-vocalista do Vision Divine. O que importa mesmo é que o Whitesnake tem gravado ótimos álbuns e ainda agita multidões. Tanto é que, após tocar Burn do Deep Purple, Coverdale e Cia. foram ovacionados ao se despedirem de São Paulo.
O posto de headliner do “Rockfest” ficou sob a responsabilidade do icônico Scorpions, que encerrou o festival em grande estilo. Eram pontualmente 22h quando a enorme cortina que escondia o palco caiu, dando destaque para os telões, que exibiam o logotipo da “Crazy World Tour” e na sequência um helicóptero sobrevoando a cidade e “arremessando” os animados Klaus Meine (vocal), Rudolf Schenker e Matthias Jabs (guitarras), Pawel Maciwoda (baixo) e Mikkey Dee (bateria). Eles surgiram no palco tocando Going Out With A Bang de Return to Forever, de 2015, que é o álbum mais recente lançado pelo grupo alemão. Em Make it Real, que veio na sequência, a bandeira do Brasil tremulou nos telões, “estampada” pela silhueta dos cinco músicos tocando. Na pesada e arrastada The Zoo, segunda seguida de Animal Magnetism (1980), foi muito legal ver Jabs matando a pau no solo, ocupando a boca com seu talk box. E tão legal quanto isso foi ver ele, Maciwoda, Rudolf e Klaus, que assumiu uma terceira guitarra, juntos na ponta da rampa, agitando no final da instrumental Coast to Coast, de Lovedrive (1979). Destaque para a dança do sempre bem humorado Schenker, que defino como “o carisma em forma de guitarrista”!
Para a sequência, o quinteto preparou um medley vintage, formado por Top of the Bill, Steamrock Fever, Speedy’s Coming e Catch Your Train, clássicos gravados na década de 70, presentes nos álbuns In Trance (1975), Taken By Force (1977), Fly to the Rainbow (1974) e Virgin Killer (1976), respectivamente. Após We Built This House, outra do último álbum, veio a balada Send Me An Angel, do bem sucedido Crazy World (1990). Nessa, em formato acústico, Dee desceu de seu praticável de batera, e assumiu um kit mais modesto no palco principal, enquanto Klaus, Rudolf, Matthias e Pawel se se mandaram pra rampa. A plateia fez sua parte e novamente iluminou o Allianz Parque com as luzes dos celulares. A emenda feita com a impactante Wind of Change, música inspirada na queda da União Soviética e considerada o hino não oficial da Reunificação Alemã, após a derrubada do Muro de Berlim em 09 de novembro de 1989, proporcionou um dos momentos mais belos de todo o “Rockfest”. Inclusive, imagens do muro foram exibidas na frente do praticável de Mikkey Dee.
E por falar em Dee, após a execução da ‘hardona’ Tease Me Please Me, mais uma de Crazy World, o ex-Motörhead fez um solo cavalar. Suspenso em sua batera por uma plataforma e com muita fumaça saindo por baixo, a primeira coisa que o simpático baterista me fez lembrar nesse momento foi dos solos que Peter Criss fazia nos shows do Kiss nos anos 1970. Com o restante da banda de volta ao palco, o Scorpions mandou mais dois grandes clássicos de sua carreira: Blackout, do álbum homônimo de 1982, e Big City Nights, de Love at First Sting (1984), que encerraram a primeira parte do show. No bis, voltaram com Still Loving You, com direito a trecho da também balada Holiday, para comoção geral. Com a energia lá em cima, o grupo se despediu com outro hino: Rock You Like A Hurricane, que assim como Still Loving You, integra o citado Love at First Sting.
O único detalhe que não curti, foi o fato de os telões exibirem as imagens do show do Scorpions, só que extremamente carregadas de efeitos em cima, o que foi ruim para quem estava longe e não conseguia enxergar muito bem os músicos. Mas isso não ofuscou a apresentação do Scorpions, que foi digna de uma banda lendária, que está há tantas décadas na estrada. Em nome da ROADIE CREW, parabenizo a produção do “Rockfest”, por unir tantas bandas consagradas, e que até hoje são exemplos de profissionalismo e amor ao Rock and Roll.