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ROGER WATERS – Rio de Janeiro (RJ)

28 de outubro de 2023 – Estádio Nilton Santos

O Ministério do Confuso adverte:
Ler esta resenha reforça pensamentos binários e aumenta a irritação de quem tem aversão ao ativismo social e político de Roger Waters. Se este é o seu caso, continue por conta e risco próprios.

O aviso vale tanto aqui quanto vale em This is Not a Drill, a turnê de despedida que Waters trouxe ao Brasil, passando pelo Rio de Janeiro numa calorenta noite de sábado. Depois de pedir, sem obter sucesso, que os celulares fossem desligados, a mensagem no telão foi muito clara: “Se você é um daqueles que diz ‘eu amo o Pink Floyd, mas não suporto a política do Roger’, vaza pro bar!”.

Sim, porque há muito não há mais inocência ou ingenuidade aceitáveis quando se trata da mente por trás de “Animals” (1977) ou “The Wall” (1979), afinal, o primeiro álbum não contém historinhas da fazenda, e o segundo não trata de construção civil. Para quem não concorda, existe o livre arbítrio, ou seja, gastar a própria energia ignorando ou tentando o impossível: mudar o passado.

E para quem felizmente escolheu o ativismo de Waters, a noite reservou poucas decepções. Na verdade, se você se satisfez com os quatro enormes telões de alta definição e com a produção mais modesta, digamos assim, do que as das duas passagens anteriores pelo Brasil, então o problema foi apenas ver o fã do Pink Floyd – todos no estádio, correto? – pagar o preço da briga entre Waters e David Gilmour.

Roger Waters
Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Ao entrar no palco vestido de enfermeiro, empurrando um paciente de camisa de força numa cadeira de roda, Waters acendeu um cigarro e entregou sua nova versão para “Comfortably Numb”, lançada como single em 2022. O clássico ficou ótimo, também, numa roupagem sombria e hipnótica, mas peca pela supressão do antológico solo de Gilmour – um dos mais brilhantes na história da música, é sempre bom acrescentar.

A subjetividade, porém, acabou com “The Happiest Days of Our Lives” e, especialmente, “Another Brick in the Wall, Part 2”, que elevaram os ânimos musicais para que Waters, que fez do baixo um coadjuvante de suas performances na guitarra e ao piano durante todo o show, desse sequência privilegiando, mais do que se poderia imaginar, músicas de sua carreira solo. Arriscado deixar canções como “Time” e “Mother” fora do repertório? Sim. Mas fez sentido.

“The Powers that Be”, de “Radio K.A.O.S” (1987), foi um soco no estômago. Musical e visualmente. O telão exibia imagens reais de opressão do Estado, acompanhadas de vítimas ao redor do mundo, culminando com o nome de Marielle Franco. Nenhuma surpresa, uma vez que em 2018, no Maracanã, Waters chamou ao palco Anielle Franco, Luyara Santos e Mônica Benício – irmã, filha e viúva de Marielle, respectivamente.

Surpresa foi a reação tímida do público diante de um caso absurdo e emblemático – o assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes, naquele mesmo ano – de como o poder paralelo vem desafiando o poder público ao longo dos anos. E muitas vezes com a conivência de governantes, como no Rio de Janeiro.

Extraída de “Amused to Death” (1992), a ótima “The Bravery of Being out of Range” serviu para dar um respiro durante uma apresentação emocionalmente intensa, tanto que foi acompanhada de uma versão encurtada de “The Bar”, canção mais recente, de 2022, com uma mensagem que seria recuperada mais para frente: o comportamento unilateral certamente não leva a lugar algum, então conversemos, sendo estranhou ou não. Não é o que também fazemos num bar?

Roger Waters
Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Com Waters ao piano e acompanhado bem de perto por sua excelente banda – Shanay Johnson e Amanda Belair (vocais), Jonathan Wilson (guitarra e vocal), Dave Kilminster (guitarra solo), Gus Seyffert (baixo), Seamus Blake (saxophone), Jon Carin (teclados e guitarra), Robert Walter (teclados) e Joey Waronker (bateria) – “The Bar” trouxe um lado mais introspectivo ao espetáculo, e musicalmente a seção carreira solo funcionou muito bem como entrada para a reta final da primeira parte.

“Have a Cigar” foi acompanhada no telão por imagens de Waters, Syd Barrett, Nick Mason e Richard Wright nos primórdios do Pink Floyd – isso mesmo: nenhuma foto de Gilmour –, servindo de deixa para o anfitrião da noite voltar ainda mais ao passado. Waters contou a história de quando ele e Barrett, “ainda crianças em Cambridge”, foram a um festival que tinha Gene Vincent e Rolling Stones no cast. Na volta para casa, os dois tinham um objetivo de vida: formar uma banda. E assim “Wish You Were Here”, uma das músicas mais bonitas de todos os tempos, cresceu em emoção ao reforçar a dor da perda.

“Shine on You Crazy Diamond”, também em homenagem a Barrett, foi outro momento simplesmente maravilhoso num show que fica mais fácil de ser descrito quando a música está em primeiro plano, mas quem disse que os shows de Roger Waters são simples? Ao mergulhar em “Animals” (1977), ele ressaltou o que deveria ser de conhecimento público: o espetacular disco é direta e unicamente influenciado pelo “grande George Orwell”. Aspas do próprio Waters.

No mesmo momento, as obras-primas literárias “A Revolução dos Bichos” (lançado em 1945) e “1984” (1949) tiveram seus nomes reproduzidos no telão, ao mesmo tempo em que Waters dizia que o autor inglês e, também, seu compatrício Aldous Huxley – cujo obrigatório “Admirável Mundo Novo” (1932) também foi mencionado – estavam certos quanto à previsão de um mundo com conceito distópico. Assim como Dwight D. Eisenhower, presidente dos Estados Unidos que expôs o crescimento do armamentismo industrial e militar depois da II Guerra Mundial.

Roger Waters
O porco voador com os tijolos de ‘The Wall’ e a frase ‘você está contra a parede agora’ (Foto: Daniel Dutra)

Tudo isso acompanhou “Sheep”, que substituiu a óbvia “Pigs” com uma performance visceral para encerrar a primeira parte do show, dando ao público 15 minutos não exatamente de descanso, mas de reflexão, porque o que viria a seguir seria tão ou mais forte – politicamente falando, também. E começou com um gigantesco porco voador com os tijolos da capa de “The Wall” e a frase “você está contra a parede agora”.

Foi a deixa para Waters voltar ao palco numa inversão de papéis. Agora era ele quem estava numa cadeira de rodas e usando uma camisa de força, até o ponto em que uma injeção o tira da letargia, digamos assim, durante “In the Flesh”, que precedeu uma das sequências mais fortes (e brilhantes) da apresentação, indo do Pink Floyd à carreira solo do artista inglês.

Musicalmente impecáveis, “Run Like Hell” colocou, e colocou acertadamente, no mesmo balaio autocrata o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un; o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump; e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, num momento que, pelas reações, gerou alguma confusão em boa parte dos presentes. Nada chocante, porém, num show em todos os presidentes americanos desde Ronald Reagan foram chamados de “criminosos de guerra” – sim, inclusive Joe Biden, cuja legenda “está apenas começando” saiu até barata. O fio condutor entre todos eles? A atuação dos EUA no Oriente Médio ao longo das últimas décadas.

Roger Waters
Com ‘Sheep’ no set, uma ovelha gigante também sobrevoou o Estádio Nilton Santos (Foto: Daniel Dutra)

De seu mais recente álbum solo, “Is This the Life We Really Want?” (2017), Waters sacou “Déjà Vu”, “Déjà Vu (Reprise)” e faixa-título para expressar com imagens a mensagem passada pelo sintomático título do disco e sua música. As duas primeiras centraram em cima dos soldados americanos que fuzilaram a sangue frio nove civis em Bagdá, num vídeo de 2007 obtido pela ex-analista de inteligência dos EUA Chelsea Manning, que o vazou para o jornalista e ativista australiano Julian Assange, fundados do WikiLeaks.

Nota importante: depois de passar sete anos na Embaixada do Equador em Londres, Assange foi levado em 2019 para a penitenciária de segurança máxima Belmarsh, na Inglaterra. Acusado de divulgar registros militares e documentos diplomáticos confidenciais, ele pode pegar até 175 anos se for julgado nos Estados Unidos, o pode realmente acontecer, uma vez que a Suprema Corte do Reino Unido rejeitou em junho seu recurso contra a extradição. Chelsea, por sua vez, foi presa em 2010, quando estava com o exército americano no Iraque, e processada. Militar transgênero e também ativista, ela foi libertada em 2017, depois que o então presidente Barack Obama converteu sua pena para sete anos a partir do momento em que foi detida por militares.

Como se tudo isso não fosse suficiente naquele momento, Waters usou “Is This the Life We Really Want?”, a música, para abordar um problema histórica hoje presente em qualquer canto do mundo. Usando o keffiyeh – lenço palestino que ficou popularizado pelo ex-presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) Yasser Arafat (1929-2004), o líder da Autoridade Palestina que buscou a paz na região com a luta pelo reconhecimento do Estado da Palestina –, Waters cantou sob os quatro enormes telões que mostravam imagens da destruição promovida pelo exército israelense em Gaza.

Roger Waters
Foto: Marcos Hermes/Divulgação

A frase “Parem o genocídio” foi muito bem recebida, numa amostra de que a grande maioria no público presente no Estádio Nilton Santos que é possível condenar tanto o grupo terrorista Hamas quanto o atual governo de extrema-direita de Israel e seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, sem ganhar a pecha de antissemita. Até porque a mensagem foi muito além ao pedir direitos iguais para iemenitas, indígenas, palestinos, transgêneros… Ou seja, ao clamar por direitos humanos para todos.

Mas nem só de política vive um espetáculo de Roger Waters. O lado B do vinil do seminal “Dark Side of the Moon” (1973) veio para, aí sim, dar um descanso às mentes que haviam absorvidos todos os detalhes resumidos neste texto até aqui. Cantada por Wilson e com vocais de apoio espetaculares das excelentes Shanay e Amanda, “Money” teve execução ainda mais abrilhantada pelos solos de Blake e Kilminster, este emulando com louvor as notas de Gilmour, mas não o timbre único do genial guitarrista.

Ainda como destaques, a belíssima “Us and Them”, com os vocais divididos entre Wilson e Waters (no refrão), foi acompanhada por imagens de danças de culturas e etnias diferentes, representadas também por ‘snapshots’, e também por cenas de desigualdade social que só não sensibilizariam o mais cruel do seres humanos; e “Eclipse” iluminou o lado escuro da lua com um belo e irrepreensível jogo de luzes e lasers, além de os telões privilegiarem as cores LGBTQIA+.

Roger Waters
Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Seria um encerramento apoteótico, mas havia mais. “Vamos voltar para 1983, para ‘Final Cut’, meu último álbum com o Pink Floyd, lançado antes de muitos de vocês terem nascido”, disse Waters ao anunciar “Two Suns in the Sunset” e contar a ideia que o levou a compor uma música e uma letra sobre o temor de uma guerra nuclear – e aí houve crítica e ironia a Biden por causa da relação dos Estados Unidos com a invasão russa ao território ucraniano.

E como se fosse tudo milimetricamente calculado, o espetáculo seguiu para um encerramento com clima mais leve, positivo e, levando em consideração que o show era num estádio, até mesmo intimista. “Sinto-me em casa aqui, vocês sabem, e recentemente me encontrei com o presidente Lula, um sujeito adorável”, contou Waters, arrancando mais aplausos do que vaias, numa demonstração que pode ser encarada positivamente depois dos quatro anos de desgraças vividas de 2019 a 2022.

“É improvável que haja mais turnês de rock’n’roll em mim, mas estou curtindo demais a que estamos fazendo agora”, disse o anfitrião, como se estivesse aliviado por estar no Brasil numa situação bem diferente daquela de 2018. E ao anunciar “The Bar (Reprise)”, Waters a dedicou à esposa, Kamilah Chavis; ao irmão mais velho, John Waters, que faleceu em 2022; e a Bob Dylan, de quem pegou um trecho de música para usar em “The Bar” – mais precisamente, da canção “Sad Eyed Lady of the Lowlands”, presente no álbum “Blonde on Blonde” (1966). “Pode mandar a conta, Bob”, brincou Waters.

E foi com “The Bar (Reprise)” mesclada com “Outside the Wall” que os músicos iam sendo apresentados ao público e saindo um a um do palco ainda tocando seus instrumentos. Ao mesmo tempo, a foto da família de Waters no telão criou o simbolismo perfeito para um espetáculo mais do que necessário. O show pode não mais continuar, mas a voz certamente não vai se calar.

Roger Waters
Foto: Marcos Hermes/Divulgação

Setlist
1. Comfortably Numb 2022
2. The Happiest Days of Our Lives
3. Another Brick in the Wall, Parts 2-3
4. The Powers That Be
5. The Bravery of Being Out of Range
6. The Bar
7. Have a Cigar
8. Wish You Were Here
9. Shine on You Crazy Diamond (Parts VI-IX)
10. Sheep
Intervalo
11. In the Flesh
12. Run Like Hell
13. Déjà Vu
14. Déjà Vu (Reprise)
15. Is This the Life We Really Want?
16. Money
17. Us and Them
18. Any Colour You Like
19. Brain Damage
20. Eclipse
21. Two Suns in the Sunset
22. The Bar (Reprise)
23. Outside the Wall

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