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ROGER WATERS – São Paulo (SP)

12 de novembro de 2023 - Allianz Parque

Por Luiz Tosi 

Fotos: Marcos Hermes

“Se você é daqueles do tipo ‘eu amo o Pink Floyd, mas não suporto as políticas do Roger (Waters)’, vaza pro bar”. Foi com essa sutileza, traduzida de modo polido (no original, “you might do well to fuck off to the bar right now”) e anunciada nos telões e no sistema de som em forma de aviso de segurança, que a noite de domingo (12) começou no Allianz Parque.

Ninguém vazou, embora aqueles que ‘não suportam as políticas do Roger’ venham crescendo cada vez mais. Ele foi chamado de “antissemita de coração podre” e “apoiador de Putin e megalomaníaco mentiroso, ladrão, hipócrita, sonegador de impostos” por Polly Samson, ninguém menos do que a esposa do seu ex-companheiro de Pink Floyd David Gilmour, que repostou as mensagens. Além disso, teve shows cancelados por dizer que a invasão russa a Ucrânia “não foi sem provocação”. Aqui no Brasil, o Ministério da Justiça teria recebido um pedido da Confederação Israelita do Brasil para impedir sua vinda ao país, o que levou o ministro da pasta, Flávio Dino, a se posicionar, lembrando que “é regra geral que autoridade administrativa não pode fazer censura prévia”.

O show em São Paulo foi o último de uma série de sete apresentações no Brasil, como parte da “This Is Not a Drill”, turnê anunciada por Waters como sua “primeira turnê de despedida”. Sua turnê anterior, “Us + Them”, de 2018, já havia sido marcada por muitas polêmicas por Waters dedicar boa parte do espetáculo para homenagear alguns políticos. Em determinado momento, o telão apresentava uma lista de governantes e pedia resistência a eles. Donald Trump (EUA), Marine Le Pen (França), Putin (Rússia) e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro eram destacados sob a mensagem “o neofascismo está em ascensão”, o que levou alguns a vaiar ou até mesmo sair dos shows. Waters respondeu aos críticos dizendo: “Acho um pouco surpreendente que alguém pudesse estar ouvindo minhas músicas por 50 anos sem entender”. Ao anunciar a “This Is Not a Drill”, o cantor disse que a nova turnê seria “ainda mais política – política e humana”“Esta turnê será parte de um movimento global de pessoas que estão preocupadas com os outros para afetar a mudança que é necessária”, afirmou.

De fato, a política é um grande alicerce da obra do Pink Floyd. Animals (baseado em “A Revolução do Bichos”, de George Orwell) e The Wall são recheados de opiniões políticas; Dark Side Of The Moon também tem seus momentos – Money é um ataque direto à ganância capitalista, enquanto Us And Them fala por si. Concordo que é possível separar arte de política, mas, quando se trata de Pink Floyd e Roger Waters, a arte É política. Portanto, goste ou não, se você nega ou desconsidera a política, você só está captando uma parte da obra.

O espetáculo foi anunciado como uma “extravagância cinematográfica e faz uma acusação impressionante da distopia corporativa em que todos lutamos para sobreviver”. Cinematográfica mesmo. O palco é imponente e ao mesmo tempo simples, quatro mega telões cobrem praticamente toda sua fachada, deixando uma pequena área abaixo para a banda, como se quisesse alertar o espectador que o ponto de atenção mesmo está nas telas, deixando para a banda o papel de musicar as mensagens (politizadas, claro) que nelas estarão.

O pontapé inicial foi dado com uma versão fúnebre para Comfortably Numb lançada no álbum Lockdown Sessions, gravado em casa durante a pandemia e lançado em 2022. Essa versão é hipnótica e faz jus à grandiosidade da original, mas comete a heresia de excluir o icônico solo de David Gilmour. Nas telas, imagens de cidades bombardeadas sugerem que, enquanto o mundo colapsa, seguimos confortavelmente anestesiados. Sem respiro, “helicópteros sobrevoam o estádio” enquanto Waters ordena “You! Yes, you! Stand still!” e The Happiest Days of Our Lives introduz Another Brick in the Wall nas suas partes 2 e 3, colocando o estádio abaixo. Durante a execução, mensagens como “f***-se o patriarcado!”, “Liberte Assange!” e “Controle a narrativa!”. Em entrevistas, o cantor disse que a seleção das músicas para essa turnê teve como critério suas letras e mensagens, o que explica a inclusão da ultra-politizada The Powers That Be, do álbum Radio K.A.O.S., que não era tocada desde 1999. Num dos momentos mais fortes do show, os telões traziam imagens de pessoas assassinadas por forças autoritárias. Entre elas, Shireen Abu Akleh, jornalista palestina morta pelo exército israelense, Anne Frank, adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto, e Marielle Silva, socióloga, ativista e política brasileira, assassinada em 2018. Mais uma da carreira solo e seguindo o mesmo critério, The Bravery of Being Out of Range, do (meu álbum favorito) Amused to Death, escrita como uma crítica às políticas neoliberais adotadas por Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Durante sua execução, vários presidentes americanos são apresentados como “criminosos de guerra”.

Primeira pausa para falar com o publico e Waters explica o conceito da sua nova obra, The Bar, um lugar aonde o debate político é aberto e a diversidade de opiniões bem-vinda. A faixa, ainda inédita, é dividida em duas partes e apenas a primeira delas é executada. Em seguida, um respiro no ativismo para um momento autorreferencial. O cantor anuncia que vai voltar no tempo para quando “tocava seu rock and roll com outra banda” e inicia com Have a Cigar uma sequência de três faixas do álbum Wish You Were Here, de 1977. As coisas ficaram ainda mais nostálgicas com as duas seguintes, a magnânima faixa-título e a épica Shine On You Crazy Diamond. Ao longo das três, histórias e imagens dos seus tempos de Pink Floyd. Lamentavelmente (e previsivelmente), David Gilmour foi apagado de qualquer referência. Muito feio para quem promove o debate e a diversidade de opiniões, como a turnê propõe – Shame on you, Roger! O destaque então foi todo para seu outro ex-companheiro das guitarras, Syd Barret (1946-2006), no que parecem trechos do seu anunciado livro de memórias, ainda sem data de lançamento. É emocionante como Waters ainda parece sentir falta do seu amigo de escola.

Ainda na pegada autobiográfica, os telões apresentam Sheep, representante do álbum seguinte na discografia da banda, Animals, de 1977, e concebido sob forte influência de George Orwell, que “estava certo” (nas palavras de Waters) ao apresentar um mundo de futuro distópico em suas obras literárias “A Revolução dos Bichos” (1945) e “1984” (1949). Distopia essa que também (ainda nas palavras de Waters) teria sido prevista por Aldous Huxley em “Admirável Mundo Novo” (1932) e pelo presidente americano Eisenhower, no seu alerta de 1961, sobre a influência e os impactos da corrida armamentista e daquilo que ele define como “complexo militar-industrial”. Tudo isso com ovelhas controladas remotamente voando sobre nós e a mensagem “Resista”.

Fim da primeira parte e intervalo de 20 minutos…

Na volta, a temática de resistência permanece e retornamos para The Wall. In The Flesh traz o icônico porco voador e critica o racismo, o antissemitismo e a homofobia. Já Run Like Hell traz Waters vestido todo de branco, abandonando o traje de falso comandante nazista, com casaco de couro e uma braçadeira vermelha trazendo martelos cruzados em vez de suásticas. Recentemente, foi noticiado que a polícia alemã o está investigando por causa deste mesmo traje, de “estilo nazista”, usado no palco em Berlim. O cantor fez essa mesma encenação por quarenta anos, como pode ser visto no icônico show/álbum/filme The Wall Live At Berlin, realizado em julho de 1990 na mesma cidade, para comemorar a queda do que a dividia até oito meses antes.

Ostentando um keffiyeh, tradicional lenço quadrado usado pelos homens no Oriente Médio, Waters visita o espetacular Is This the Life We Really Want?, seu mais recente disco solo, de 2017. Deja Vu + Deja Vu Reprise, e a faixa-título sugaram o ar do Allianz, primeiro ao exibir um perturbador vídeo em que soldados americanos executam nove civis em Bagdá, em 2007, seguido de imagens da atual destruição em Gaza pelo exército israelense e sob a mensagem “parem o genocídio” e pedido por direitos: direitos indígenas, direitos reprodutivos, direitos iemenitas, direitos trans… Direitos HUMANOS!

Aos 80 anos, a voz de Waters segue imponente, ainda que não tenha a mesma força. Às vezes o cantor adota um estilo mais falado, meio Leonard Cohen. O músico, que também toca violão, guitarra, piano e baixo, é acompanhado de Jon Carin (teclado, guitarra, slides, backings e marxophone), Dave Kilminster (guitarra, backings), Jonathan Wilson  (guitarra, vocais e backings), Gus Seyffert (baixo, guitarra, acordeão e backings), Joey Waronker (bateria, percussão), Amanda Belair e Shanay Johnson (vocais, percussão), Robert Walter (teclados e piano) e Seamus Blake (saxofone, clarinete). A banda pode ser definida como “perfeita”, sem nenhuma chance de errar.

Mais Pink Floyd, e agora somos presenteados com o lado B completo da obra-prima The Dark Side Of The Moon. Money traz uma vibe mais leve, com destaque para o saxofonista Seamus Blake e os guitarristas Dave Kilminster e Jonathan Wilson. A sempre comovente Us And Them é lindamente realçada pelo visual e finalizada com uma sessão instrumental estendida que traz uma instigante colagem de imagens. Há muros ‘trumpistas’ e israelenses, manifestantes do Black Lives Matter sobrepostos a imagens de brutalidade policial e cenas de pobreza ao redor do mundo ao lado de manifestantes anti-imigração. Ao longo de Brain Damage e de Eclipse, uma colagem crescente de rostos de executados nas mãos de regimes autoritários em todo o mundo forma o famoso prisma de Dark Side…, criando um dos momentos mais catárticos da noite.

Com seu final “we were all equal in the end”, a versão Lockdown Sessions para Two Suns in the Sunset, do ultra-mega-subestimado The Final Cut, último álbum de Rogers com o Floyd (e seu mais pessoal), foi uma grata surpresa. Waters volta para o piano e o encerramento vem com a segunda parte de The Bar, que narra suas primeiras memórias ao lado do irmão (recém falecido) e do pai, Eric Fletcher Waters, oficial britânico do 8º Batalhão dos Fuzileiros Reais, morto em combate contra o exército nazista durante a Segunda Guerra Mundial, quando ele tinha apenas cinco meses de idade – e tem gente que o acusa de nazista… O espetáculo fecha com mais uma versão Lockdown Sessions, agora para Outside the Wall, tocada enquanto a banda deixa o palco, um a um, ainda tocando seus instrumentos.

Alguns shows têm de tudo: ótima música, visuais deslumbrantes, intensidade lírica e uma musicalidade excepcional. Adicione a isso consciência e uma reflexiva provocação social e política, e ainda um clima de celebração que transita entre a tristeza e a emoção crua: temos algo muito especial. Agradeço por ter ficado e não vazado para o bar. Se essa for mesmo a despedida de Roger, testemunhamos uma pequena vitória para a liberdade de expressão. É uma noite da qual me sinto privilegiado por ter feito parte.

Setlist

Comfortably Numb

The Happiest Days of Our Lives

Another Brick in the Wall, Part 2

Another Brick in the Wall, Part 3

The Powers That Be

The Bravery of Being Out of Range

The Bar Pt.1

Have a Cigar

Wish You Were Here

Shine On You Crazy Diamond

Sheep

In the Flesh

Run Like Hell

Déjà Vu

Is This the Life We Really Want?

Money

Us and Them

Any Colour You Like

Brain Damage

Eclipse

The Bar Pt.2

Two Suns in the Sunset

Outside the Wall

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