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ROLLING STONES mantêm a chama acesa em novo disco

Desde que os Rolling Stones lançaram o álbum de covers de clássicos do blues Blue and Lonesome (2016) que se especula sobre um novo disco de inéditas da banda – afinal, o último trabalho com essa característica havia sido A Bigger Bang, que saiu no longínquo 2005. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Uma pandemia interrompeu uma turnê da banda, que aconteceria em 2020, no ano seguinte a retomada do giro aconteceria sem Charlie Watts, que enfrentava problemas de saúde, mas antes que ela tivesse início o baterista faleceu. Tudo isso colocou em dúvida até mesmo a continuidade da existência do grupo, levando em conta, além desses aspectos, as idades dos integrantes – Mick Jagger completou 80 em junho último, Keith Richards também arredonda a idade em dezembro próximo e o caçula Ron Wood já chegou aos 76. Senão, vejamos: o que poderia motivar três sujeitos extremamente bem sucedidos na vida e em idade de se aposentar a prosseguir nessa rotina nem sempre agradável de compor, gravar, pegar um avião e subir num palco pra tocar?

A resposta é muito simples: o fascínio que a música exerce. Ficou bem claro que aqueles três caras simplesmente não podiam viver longe disso. Tanto que logo em 2022 os Stones finalmente retomaram a tour, agora com Steve Jordan no comando das baquetas – uma indicação do próprio Watts quando teve que se afastar.

O grupo vinha fazendo turnês regulares nos últimos anos (passou pelo Brasil pela última vez em 2016) e gravou algumas músicas avulsas, que apareceram em coletâneas – as mais recentes haviam sido Doom and Gloom e One More Shot, que saíram na coletânea GRRR! (2012) – além de outras que jamais viram a luz do dia. “Não havia quem supervisionasse”, disse Mick Jagger em recente entrevista ao The New York Times. E completou “Não tinha quem dissesse: ‘Este é o prazo final’.” Então, Jagger, mais uma vez, pegou o touro pelos chifres, jogou o bicho no chão e assumiu o comando do negócio.

Assim, no início de setembro começaram a surgir alguns teasers na internet mostrando as palavras “Hackney Diamonds” e um trecho de menos de vinte segundos do que, saberíamos depois, seria o primeiro single do álbum, Angry. Até que, no dia 6 de setembro, Mick, Keith e Ron concederam entrevista ao apresentador Jimmy Fallon para anunciar o novo disco – que, de fato, se chamou Hackney Diamonds, gíria londrina para definir os estilhaços de vidro que se espalham pelo chão quando alguém estoura a janela de um carro para roubar.

E tendo o privilégio de ouvir o disco alguns dias antes de seu lançamento oficial, dá pra sacar algumas coisas: em primeiro lugar, chama a atenção a urgência que o álbum transpira e que acabou dando o tom das gravações – “foi uma blitzkrieg”, disse Richards ao NYT, “trabalhamos muito depressa; ainda estou me recuperando…” (risos)

Um dos segredos para a sonoridade do álbum está no produtor. Algumas músicas, naquelas sessões esparsas que ocorreram no passado, foram comandadas por Don Was, antigo produtor da banda. Mas quem foi chamado pra dar um jeito no negócio foi Andrew Watt, sujeito que tem de idade praticamente a metade do tempo que os Stones têm de estrada – ele tem 32 anos, a banda subiu no palco pela primeira vez há 61… Ele disse: “Eu era o novato, não tinha a bagagem que tem a banda. Então, a forma que encontrei para navegar por essas águas foi agir rápido.” Rápido e bem. Watt, produtor egresso do pop, mas que produziu os dois últimos discos de Ozzy Osbourne e o mais recente de Iggy Pop, chegou a assinar três músicas com a banda – e certamente participa como guitarrista. Ele não só conferiu essa urgência que permeia todo o álbum, mas imprimiu uma sonoridade que consegue ser moderna sem descaracterizar o som do grupo.

Logo após aquela entrevista a Jimmy Fallon, saiu o primeiro single. Seria a faixa que abre o disco, Angry, acompanhada de um clipe genial. Movida a um daqueles riffs de guitarra que só os Stones são capazes de criar, a letra fala para a garota “não ficar brava (angry) comigo.” “Não chove faz um mês / O rio está seco / A gente não transa mais / E eu não sei por que” dizem os primeiros versos, enquanto o vídeo mostra a atriz Sydney Sweeney dançando no banco traseiro de uma Mercedes 560 SL conversível – nada como um carro clássico para ilustrar a cena. Durante o passeio, outdoors pela rua mostram cenas de várias fases dos Stones, mas o movimento labial de Jagger acompanha a letra da música – viva a Inteligência Artificial!

O disco continua com Get Close, com um riff de guitarra algo funkeado, lembrando a fase do álbum Some Girls, quando os Stones colocaram um pé na disco music e outro no punk rock. Jagger dá um show de interpretação e deixa claro que é um dos protagonistas do disco, enquanto Elton John dá um auxílio precioso ao piano.

Depending on You é uma balada com um pé no country, outro gênero que sempre foi muito caro aos Stones. A música tem um dos refrãos mais bonitos que a banda já criou e, segundo consta, foi escrita no esquema “de antigamente”, com Jagger e Richards se reunindo uma mesma sala para compor. “Somos uma dupla esquisita, cara”, disse Keith ao NYT. “Mas eu o amo muito e ele me ama muito, e é isso que importa.”

Alguns chamaram Bite My Head Off de “punk”. Não é. É um rockão com o DNA dos Stones e que poderia estar em Sticky Fingers (1971) ou Exile on Main St. (1972). Essa música tem a participação de Paul McCartney, que falou a respeito: “Eu me dei conta de que conhecia aqueles caras desde sempre, que tinha ido a shows deles, mas nunca tinha tocado com eles, todos juntos, numa mesma sala. Adorei!”

Whole Wide World é um rock com aqueles riffs circulares que acompanham toda a música (como Shattered ou Beast of Burden, para citar apenas duas). Ela tem um acento pop, como Jagger tanto gosta, mas ao mesmo traz um peso poucas vezes visto, mistura que dá certo quando nas mãos de quem sabe fazer.

Mais uma acalmada acontece na faixa seguinte, Dreamy Skies. Os Stones aqui voltam a flertar com o country numa baladona movida a violão e guitarra slide. Jagger dá outro show e o solo é muito inspirado.

Vamos voltar à fase Some Girls? É só deixar rolar a seguinte, Mess it Up. Ela começa com uma solução curiosa: os primeiros cinco segundos têm uma sonoridade totalmente setentista, até a música começar “pra valer” e a produção atual assumir o comando. Ela consegue misturar um riff grudento com um refrão pop e uma levada repleta de groove – cortesia de Charlie Watts, que deixou algumas faixas gravadas, sendo que duas foram usadas no disco.

A outra, por sinal, é a faixa seguinte, Live By the Sword. A faixa, além de Watts, tem Bill Wyman no baixo. Segundo consta, Richards teve a ideia de reunir a cozinha clássica da banda. Então entrou em contato com Bill: “Você ainda sabe tocar?” Ouviu: “Claro que sei!” “Então chega aí pra gravar com a gente.” Esse é mais um rock que poderia estar em qualquer dos discos clássicos dos anos 70 – e, de quebra, ainda tem mais uma participação de Elton John.

Talvez o único momento em que o disco dê uma “baixada” seja em Driving Me Too Hard. Ela até lembra vagamente Tumbling Dice, mas nem de longe tem o mesmo apelo.

Como não pode faltar num disco da banda, Tell Me Straight é a música que Keith Richards assume o vocal principal. O interessante aqui é notar como ele usa a voz de uma forma totalmente diferente do que estamos acostumados a ouvir – e muito mais eficiente. Certamente, tem a mão de Andrew Watt aí.

E em seguida vem uma das músicas que tem tudo para se tornar uma das mais importantes de todo o repertório da banda. Só o fato de Sweet Sounds of Heaven (segundo single do disco) contar com os teclados e o piano de Stevie Wonder já seria motivo para dar atenção especial a ela. Mas não tem só isso. Quem dobra vocais com Jagger é Lady Gaga – que já tinha cantado Gimme Shelter com a banda em um show em 2012. E que fique claro: a despeito de se dedicar a um estilo musical que nada tem a ver com o rock, Lady Gaga é talentosíssima como cantora – é só ver sua participação no filme “Nasce uma Estrela” (2018). Nesta canção, um tema com um pé no gospel na linha de You Can’t Always Get what You Want, ela e Jagger fazem uma espécie de “desafio vocal” em que só grandes cantores poderiam se meter. Sem dúvida, o ponto alto do disco.

Para fechar Hackney Diamonds, um clássico do blues: Rollin’ Stone (aqui grafada como Rolling Stone Blues) tema tradicional que se popularizou com a gravação de Muddy Waters em 1950. Essa é a música que deu origem ao nome da banda e que aqui aparece na versão mais crua possível: voz, violão e harmônica. Mais nada. Como se precisasse…

Enfim, foi uma longa espera e muita incerteza envolvida. Mas se Hackney Diamonds for de fato o último disco dos Rolling Stones, nada me ocorre além de um dos clichês mais batidos da língua portuguesa: fecharam com chave de ouro.

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