A banda grega Rotting Christ foi talvez a primeira estrangeira de Metal Extremo a fazer um show na capital do Ceará, realizado em 1998 e que contou com a abertura do Obskure, que teve a honra de dividir o palco com os atenienses na extinta casa de shows Oasis. Voltando ao presente, a honra desta vez caberia à banda potiguar Shedin, aos pernambucanos do Hate Embrace e aos cearenses do Maleficarum, que se apresentaram na casa Tendas Bar. Apesar de modesto para uma banda do porte do Rotting Christ, o local se mostrou uma boa escolha para receber os gregos – a produção anunciou uma mudança no local do concerto algumas semanas antes do show. Ao lado do campo do Ceará Sporting Club, o palco fica sob uma palhoça, com uma grande área livre ao redor. Como o local também funciona como um bar, havia também uma boa quantidade de mesas e cadeiras empilhadas. Não que alguém quisesse cometer o pecado de bangear sentado, mas estas foram úteis durante a troca entre as quatro bandas que se apresentaram naquela noite. Além disso, por ser mais central que o local anunciado anteriormente, favoreceu o comparecimento dos bangers.
A noite de black metal começou poucos minutos depois das 23h. De Natal (RN), onde o Rotting Christ já tinha se apresentado na noite anterior, veio a raça de demônios destruidores do Shedin, formada por Lucinaldo (vocal e baixo), Alex Belial (guitarra) e Rufino Blackfire (bateria). Destaque para as faixas “Evil Light Invocation”, “The Dance of Seirim” e para a excelente “Diabolical Revenge”, que encerrou o show dos potiguares.
A preparação do palco para a atração principal da noite foi rápida e então a frenética gritaria da ‘intro’, ‘Sono L’Antichristo’ e a colocação dos gárgulas (que também estão na capa do mais recente disco do Rotting Christ), anunciavam que os atenienses estavam prontos para matar a sede dos fortalezenses pelo mais extremos dos estilos de Metal. E começa “The Forest of N’Gai”, fazendo tremer o Tendas Bar.
A banda, que tem aparecido nos materiais de divulgação como se fosse apenas um duo composto pelos irmãos Sakis e Themis Tolis, veio acompanhada do guitarrista George Emmanuel e do baixista Vaggelis Karzis, que só em dezembro do ano passado passaram a integrar a banda. Apesar da ausência de um tecladista, o que tornou a sonoridade de faixas como a própria “The Forest…” um tanto mais pesada do que nas versões de estúdio, ninguém ali exceto eu parecia estar ligando pra isso. Além disso, o show contou com muitos coros sons pré-gravados, o que preenchia, de certa forma, a lacuna deixada por músicos como George Tolias e George Zaharopoulos.
Logo após a primeira música, Sakis já se dirige a plateia, simpático ao extremo, falando em inglês e demonstrando lembrar que já esteve nas redondezas. “É bom estar de volta. Faz quinze anos desde a última vez que estivemos aqui”. E pergunta “Vocês, caras, estão se divertindo? Vocês, caras, estão se divertindo? Não tanto quanto nós”, responde e anuncia ‘Athanati Este’, a lindíssima (até mesmo emocionante, eu diria), canção com a qual “abençoou” todos os bem-aventurados por estar ali. E George e Vaggelis, muito a vontade ali, confirmavam as palavras de Sakis, bangeando e agitando no palco como qualquer um na plateia.
“Κata Τon Daimona Εaytoy”, a faixa título do mais recente álbum dos gregos, foi introduzida com um “1, 2, 3, 4”, em português, com seus elementos de música grega, seu belíssimo solo, seu riff marcante e as luzes piscando no mesmo ritmo da metraladora em forma de bateria de Temis Tolis poderia ter sido o grande momento do show. Poderia, mas não foi, por que logo a seguir, veio “Nemecis”, enlouquecendo a galera, que não poderia deixar de participar com o “ô ô ô ô”.
Ainda no clima épico em que se encontravam, os gregos não deram descanso e mandaram “King of a Stellar War”. “Eu quero seus chifres para cima”, pedia Sakis, como se precisasse. Desde o início do show, a horda faminta por metal já o pedia fazendo o símbolo criado pelo saudoso DIO. E o agradecimento por tamanha recepção foi em português, “Obrigado, irmãos e irmãs”.
O show continuou com outro grande sucesso: “The Sign of the Evil Existence”, seguido da bela “Transform all Suffering into Plagues” e da veloz ‘Societas Satanas’, cover do Thou Art Lord – na verdade, uma banda paralela da qual participam Sakis e George Zaharopoulos.
O coro antes de “In Yumen-Xibalba” é negro, amedrontador. Elementos assim enriquecem e tornam o som do grupo inconfundível. O vocal, ao vivo, também é singular no metal extremo. É agressivo, mas não se pode dizer que é exatamente gutural, nem rasgado. “Xibalba” é mais uma das faixas do disco novo, Kata ton Demona Eautou, cujo nome traduzido significa o que Raul Seixas cantou em “Sociedade Alternativa”, ou seja, “faça o que quiseres (há de ser tudo da lei)”, mencionando o mestre do ocultismo, Aleister Crowley.
Mais um momento que hipnotizaria a pequena multidão naquela noite de sábado seria “Non Servian”, mais um dos grandes momentos que o show ainda reservava para os presentes, devidamente fardados com camisas pretas estampando bodes ou pentagramas. Tendo o show sido um grande passeio por toda a discografia dos gregos, de “Chaos Geneto (The Sign of Prime Creation)” e “Phobos’ Synagogue”, a representante do ótimo “Aealo” (2009) “Noctis Era”, foi anunciada como a última da noite.
Mas era cedo ainda. Os presentes ainda não estavam plenamente satisfeitos e gritavam o nome da banda, que retornou com “Archon” e “Fgmenth, Thy Gift”. Mas, enfim, chegou a hora do “Muito obrigado”. Os músicos jogaram palhetas aos fãs e encerraram o show. Mas não foram embora. Tão simpáticos fora do palco quanto sobre ele, permaneceram no local, atendendo aos pedidos de autógrafos, tirando fotos e conversando com todos que os não poderiam perder a oportunidade de estar com eles.
A noite ainda reservava mais emoções para os mais fortes que permaneceram no local mesmo após a apresentação da banda headliner. A Hate Embrace, banda pernambucana do “Hellcife”, com um Death Metal trampado, bem ao estilo do Rotting Christ e dos já citados Obskure. No show, a banda mostrou sons de seu disco “Domination.Occult.Art”. Além da inclusão dos teclados, o que me deixa particularmente feliz, a banda tem o diferencial de ter três vocalistas. Além de Freddy Houde, dividem os vocais o baterista Ricardo Necrogod e o guitarrista Thiago Styrken. Completam a banda Tamyris Daksha, nos teclados, Alexandre Cunha, no baixo, e João Paulo, na guitarra solo (com belos solos, especialmente em “Infinite Sahu”). A banda ainda tinha incluído em seu set list original uma cover (adivinhem de quem) do próprio Rotting Christ, mas não o fez por que esse som já tinha ecoado pelos quatro cantos do Tendas Bar em sua voz original. Durante os intervalos dos shows, ainda pude adquirir um DVD com uma apresentação da banda, quando abriu para a banda alemã Assassin em Caruaru (PE).
Mesmo tomados pelo cansaço, muitos headbangers ainda ficaram no recinto para prestigiar o show dos “donos da casa”, Fabrício Moreira (ou melhor, Lord Maleficarum) e sua horda, devidamente pintados com o característico corpse paint. Cantando um Black Metal em português, depois de mais de três anos sem se apresentar em Fortaleza, a Maleficarum apresentou algumas músicas de seu disco novo Trans Mysteriun, como “Ragnarock” e “Cruzada”, além de antigas, como “Espíritos da Floresta” e “Lascívia”, que a galera pedia insistentemente. Ao fim do show, estávamos todos destruídos e o corpse paint da banda, misturado ao suor, tinha criado criaturas tenebrosas em cima do palco.
Ficou no coração dos que presenciaram aquela festa, a vontade de que aquela noite se repetisse, assim como aos que estiveram na primeira noite, nos agora longínquos anos 90, ao lado da Obskure.
Set list – Rotting Christ:
The Forest of N’Gai
Athanati Este
Kata ton Demona Eautou
Nemecic
King of a Stellar War
The Sign of Evil Existence
Transform All Suffering Into Plagues
Societas Satanas
(Thou Art Lord cover)
In Yumen-Xibalba
Non Serviam
Chaos Geneto (The Sign of Prime Creation)
Phobos’ Synagogue
Noctis Era
Archon
Fgmenth, Thy Gift
Agradecimento: Fabrício Moreira (Underground Produções)