RUSSIAN CIRCLES – São Paulo (SP)

03 de abril de 2024 – Cine Joia

Por Rafael Cunha Procópio

Fotos: Rafael Andrade

Após muitos anos de espera dos fãs ao sul da fronteira, o Russian Circles finalmente fez sua estreia na América Latina tocando no último dia 3 de abril no Cine Joia, em São Paulo. Fundada em Chicago, a banda tem 20 anos de estrada e deixou claro que os utilizou muito bem para aprimorar tanto a sonoridade em estúdio quanto a entrega ao vivo do seu material. Com a abertura por conta dos paulistanos do E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, veteranos do post-rock nacional, a noite “post” da Agência Powerline foi um sucesso, deixando qualquer fã do gênero de queixo caído.

Apesar de bastante conhecida da cena underground brasileira, essa foi a primeira vez que assisti o E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante ao vivo. Comparada ao carro-chefe da noite, a banda apresentou uma sonoridade mais retraída e contemplativa, trazendo, em certos momentos, um quê da psicodelia progressiva “pinkfloydiana” com pitadas indie e stoner rock entremeadas nas músicas. O grupo também apresentou sons mais velozes e explosivos, mas, talvez pela pouca familiaridade, confesso que acabei preferindo as músicas mais cadenciadas, em que notei a banda mais entrosada.

Em uma noite regada a som alto, particularmente, senti que o ato paulistano pecou na equalização em alguns momentos, especialmente nos sintetizadores e algumas passagens de guitarra, chegando a incomodar a audição pelo volume excessivo. Nada que tenha comprometido a entrega do show de abertura, que durou exata 1 hora.

Após uma ágil e eficiente troca de palco, uma energia eletrizante parecia permear os presentes na casa – agora já bem cheia – que aguardavam o início da atração principal da noite: Russian Circles. Pontualmente às 21h30, começou a tocar nos PAs da casa a calma, mas espectral, faixa “Ghost on High”. Para os que prestigiaram os paulistanos do E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, a introdução poderia até levar a crer que o grupo americano também focaria o seu set nas faixas mais calcadas no post-rock de seu vasto catálogo.

O sentimento de noite onírica, no entanto, foi logo arrancado aos solavancos pelo trio nas primeiras notas de “Station”, faixa-título de um dos álbuns mais aclamados do Russian Circles. Não é como se o público tivesse sido atropelado por uma manada de mastodontes – não ainda; isso ficaria para um pouco mais tarde naquela noite com as músicas do seu disco mais recente, “Gnosis” –, mas já foi possível perceber com a tríade de abertura, completada por “Harper Lewis” e “Conduit”, que a banda sabe trabalhar muito bem as mudanças de ritmo e explorar cada diferente nuance das notas tocadas, que, para um leigo, soariam repetitivas.

Para um show instrumental de 80 minutos em que absolutamente nenhuma palavra foi trocada com a plateia, poderia até ser estranho refletir sobre como os músicos conseguiram transmitir uma gama ampla de sentimentos, que também era palpável entre o público. Duas imagens me vinham à mente no decorrer do show: a materialização quase visual do crescendo musical e um cabo de guerra entre criaturas jurássicas sombrias e seres angelicais em sua plenitude contemplativa.

O conceito de “crescendo” reflete muito bem a escolha das músicas que compuseram o set de estreia do Russian Circles no Brasil. Ainda que a sonoridade mais cadenciada e absorta, com notas de shoegaze, do trio predomine em músicas como “Harper Lewis”, “Afrika” e “Youngblood” e, por vezes, quase esbarrem no dream pop, o flerte com subgêneros mais pesados do metal foi uma constante durante todo o set. Não faltaram riffs de guitarra e linhas de baixo poderosos reminiscentes de doom e mesmo drone – a inebriante viagem exploratória por paisagens glaciais de “Deficit” que o diga – ou quebras de ritmo na bateria que muito bem levariam qualquer fã de metal extremo à beira da loucura. Meus destaques pessoais foram “Quartered” – com os riffs dobrados de baixo e guitarra –, “Harper Lewis” – dessa vez o baixo de Brian Cook dialoga de forma magistral com a bateria de Dave Turncrantz – e “Conduit” – com sua marcha mastodôntica e riffs perversos de Mark Sullivan que remetem aos cantos mais obscuros do black e do sludge metal.

Aliás, o domínio dos respectivos instrumentos por parte de todos os três integrantes impressiona, mas o destaque ficou por conta do baterista Dave Turncrantz. Trajando uma camiseta dos belgas Wiegedood e permeado pela fina camada de fumaça e escuridão quase onipresente do palco, coube a ele ditar as mudanças de ritmo mais frenéticas em músicas como “Quartered”, “Gnosis”, “Betrayal” e o andamento final de “Mlàdek”, que encerrou a noite.

Por fim, merece destaque o trabalho de iluminação de palco, muito condizente com a sonoridade principal mais contemplativa e pesada do trio. Tal qual acontece com as músicas, em constante movimentação entre passagens etéreas e cadenciadas e momentos de peso, rapidez e densidade, as luzes refletiram essa mesma estética chiaroscuro de trevas permeadas por luz contrastante durante a maior parte do show. Em menor proporção, todavia, houve momentos de iluminação quente e radiante para acompanhar “Afrika”, além de sutil e acalentadora fazendo par a “Deficit”.

Com um show de estreia que foi um prato cheio para ouvidos e olhos, os círculos russos fizeram lembrar que a experiência onírica é também se ver permeado por abalos sísmicos e o quão gostoso é abraçar o seu atropelo. O sentimento de tarefa cumprida e hipnose coletiva ficou estampado nos rostos e nas conversas dos fãs que presenciaram esse primeiro show, que interagiram com os músicos através de gritos e palmas calorosas entre as músicas. Para os que não foram, resta aguardar o (esperamos que breve) retorno da banda ao Brasil, porque, até o momento, esse foi um dos shows de destaque do ano.

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