Desde 13 de fevereiro de 1970, quando o som de chuva, de um sino e de trovões abriram Black Sabbath – a primeira música, do primeiro disco, da primeira banda – o heavy metal nunca parou, ao contrário do que críticos, detratores e parte da mídia tanto insistem em afirmar. Das raízes do blues rock, acid rock e rock psicodélico na década de 1960, passando pela fundação com Iommi, Osbourne, Butler e Ward e o crescimento nos 10 anos seguintes; da entrada triunfante no mainstream na década de 1980 aos turbulentos anos 1990; da expansão no início do século XXI e sua aparentemente permanente reinvenção que inclui uma volta ao underground; o estilo continua resiliente. Quer seja com uma quantidade incalculável de novos representantes que surgem a cada dia em todos os continentes, quer seja com artistas que não desistem e estão na ativa há décadas, o rock pesado se mantém efervescente. Os alemães do Scanner são um exemplo da segunda parte da frase anterior.
The Cosmic Race, que sai no dia 12 de janeiro de 2024, é o primeiro registro desde The Galactos Tapes, coletânea dupla de 2017. Antes, o último de inéditas foi The Judgment (2015). Não à toa, a gravadora ROAR! Rock Of Angels Records relançou em vinil, no início do último mês de dezembro, os clássicos Hypertrace (1988), Mental Reservation (1985) e Ball Of The Damned (1996).
Único remanescente da formação original, o guitarrista Axel Julius tem ao seu lado o grego Efthimions Ioannidis, vocalista do grupo desde 2003, Jörn Bettenrup (baixo, desde 2018) e Sascha Kurpanek (ex-Marauder, ex-Moshquito e ex-Tarkforce Toxicator), substituto de Boris Frenkel (que gravou The Cosmic Race, mas se desligou amigavelmente da banda em dezembro passado). Nas nove novas faixas, a banda surgida na cidade de Gelsenkirchen mantém a temática de ficção científica que adotou em 1986, após uma mudança de rumo que marcaria a carreira até os dias atuais.
À época, Julius, Tom Sopha (guitarra) e Martin Bork (baixo) trocaram não só vocalista (Ulrich Rohmann por Michael Knoblich) e baterista (Michael Ecker por Wolfgang Kolorz), como também o nome Lions Breed por Scanner. O som, que era muito mais heavy metal nos padrões NWOBHM, passou a ter uma orientação típica do power/speed metal germânico dos anos 1980, que surgiu com o Helloween.
Mesmo sem ter ocupado um merecido espaço na, digamos, “Série A” da música pesada, o Scanner sempre lançou bons álbuns como os acima citados e Terminal Earth (1991) – que teve o ex-Angel Dust, S.L. Coe (vocalista nascido em Zagreb, capital da Croácia, quando a cidade fazia parte da antiga Ioguslávia, e cujo nome verdadeiro é Željko Topalović. Pessoalmente, incluo nesta lista até mesmo o controverso Scantropolis (2002), o qual Julius ousou inserir alterações no estilo do grupo, que ficou menos power metal e ganhou ares mais progressivos e modernos (para os padrões da época), além de ter convocado Lisa Croft, boa cantora, mas não tão boa quanto Knoblich foi em Hypetrace ou quanto Haridon Lee em Mental Reservation (1995) e Ball Of The Damned.
Um álbum conceitual, The Cosmic Race surge como um candidato natural a figurar entre os pontos altos da discografia do Scanner, mesmo que a trama falhe totalmente em termos de originalidade: a sobrevivência na Terra se tornou mais e mais difícil, desastres naturais têm se acumulado e conflitos militares alcançaram seu nível mais alto. Grandes partes dos continentes estão nuclearmente contaminados. A vida se concentra em poucas cidades grandes e o calor nelas se tornou quase insuportável. O SCANNER (um híbrido de humano e androide, nossa figura líder que mora no planeta GALACTOS) escolhe alguns humanos com grandes naves espaciais para levá-los para um planeta habitável, chamado Terrion, em outra galáxia. A jornada acontece normalmente mas mesmo no novo planeta, novos desafios aguardam a humanidade.
Agora, falando sobre a música em si, The Earth Song inicia o álbum muito bem, com sua vibe “Gamma Ray no auge”. Dance Of The Dead, mais lenta e com um belo riff de guitarra, mantém o ritmo. A rápida Warriors Of The Light apresenta o amadurecimento do Scanner, um grupo que mantém as características do início da carreira, mas soube acrescentar a evolução do estilo musical que abraçou no passado.
A “judaspristiana” Scanner´s Law é mais um ponto alto, com peso, velocidade e os bons solos de Julius. Em Space Battalion, a mais longa das nove canções, brilha o competente Ioannidis, que mostra versatilidade de voz, enquanto os demais conduzem um faixa com todas as características de um verdadeiro épico do power metal. Performance semelhante ele incluiu na cadenciada Dance Of The Dead. O cantor, por sinal, é daqueles que não têm um timbre irritantemente agudo demais nem perde tempo tentando copiar ícones como Michael Kiske, Andre Matos ou Timo Kotipelto, erro comumente repetido por muitos outros vocalistas mundo afora.
Em toda a carreira o Scanner realmente não alcançou – ainda – seu devido lugar entre os considerados melhores. Talvez as muitas mudanças de formação e os tradicionais problemas com gravadoras tenham atrapalhado. Mas afirmo sem titubear que, 38 anos após o seu surgimento, a banda ainda tem muita qualidade para oferecer.