Pode parecer até difícil acreditar, mas o vocalista Derrick Green está celebrando 22 anos como vocalista do Sepultura. Você certamente acompanhou de perto os já muitos capítulos dessa história e deve concordar que esse não foi o mais suave dos caminhos. Conhecer um pouco da personalidade do vocalista americano, bem como da banda brasileira, nos faz perceber com muita clareza que nem eles queriam que fosse assim. Não queriam a segurança, mas o desafio. A mudança forçada como o início de um novo caminho, nenhuma novidade no horizonte de um grupo que simplesmente nunca aceitou a estagnação. Derrick chegou usando uma das mais belas expressões do nosso idioma, ‘dando voadora no lustre’. Against (1998) já mostrava um vocalista audacioso e sedento por mostrar suas próprias características, algo nem sempre compreendido ou aceito por uma parcela dos velhos fãs. Com o passar dos anos, a abordagem própria e única de Derrick foi sendo ainda mais exposta e bem trabalhada, em uma discografia que já chega ao seu nono álbum completo de estúdio ao lado do Sepultura. Uma jornada que já seria uma vitória. Uma vitória ainda mais celebrada com o lançamento de Quadra, o mais variado, completo e complexo álbum do Sepultura em muitos tempos. Você conferiu momentos importantes da nossa conversa com o guitarrista Andreas Kisser nas páginas da ROADIE CREW, mas agora é hora de saber o que Derrick Green tem para nos contar. Com a palavra, a voz do Sepultura!
A primeira mostra de Quadra para os fãs foi a música Isolation, estreada pelo Sepultura no palco do Rock In Rio. Como tomaram essa decisão?
Derrick Green: Acho que, mais do que tudo, foi uma questão de ‘timing’. Nós mal tínhamos acabado de gravar o álbum, estávamos muito empolgados com o material e queríamos apresentá-lo para os fãs de uma maneira realmente grandiosa. Então, claro, o Rock In Rio era perfeito. A plateia é gigantesca, as pessoas são empolgadas, conhecemos bem o cenário, então, era a chance perfeita. Por fim, você sabe, o material foi gravado para usarmos no vídeo oficial da música, então, ‘sincronia’ é a palavra-chave.
Deu uma espécie de ‘frio na barriga’ debutar uma nova música diante de tantas pessoas?
Derrick: Ah, com certeza (risos). Acho que sempre tem essa sensação quando estamos apresentando uma música pela primeira vez, realmente tem muita gente na plateia e você está ansioso para ver a resposta. Então, sim, dá frio na barriga (risos). Mas acho que foi a melhor escolha que poderíamos ter tomado, pois a resposta foi incrível. Estou realmente feliz pelo resultado daquele show, a paixão que as pessoas demonstraram pela nossa nova música, e principalmente, estou feliz pelo vídeo que fizemos. Manter o Sepultura ativo e unido tem muito a ver com a vibração e a paixão dos brasileiros, e pudemos mais uma vez registrar essa paixão e mostrá-la para o mundo.
Bom, assim que a música foi tocada, imediatamente as pessoas começaram a comentar a presença inequívoca de riffs típicos do thrash metal.
Derrick: Sim, isso é uma coisa que almejávamos desde o começo do processo. Na verdade, pensamos em um disco com elementos variados. A primeira parte deveria ter todos esses elementos típicos do thrash metal, algo que sempre foi parte importante do Sepultura, e que quisemos evidenciar nessa primeira parte.
Como funcionaram essas diferentes partes do álbum que mencionou?
Derrick: Bem, Quadra foi composto primeiramente em quatro partes. A primeira é thrash, a segunda tem toda aquela coisa do ‘groove’, a terceira vai mais para o caminho do experimental, e por fim, a quarta parte é a que agrega mais o senso melódico às composições. Então, quando começamos a pensar nesse álbum, quisemos realmente reunir todos esses elementos diferentes.
São elementos que sempre estiveram presentes na música do Sepultura, mas, organizados assim, eles soam novos.
Derrick: Sim, exatamente, é isso. Sabe, sempre existirão elementos que são parte do Sepultura, que são a característica dessa banda desde o princípio. Mas também não podemos negar que os anos passam, que crescemos e evoluímos, que temos novas experiências e que elas nos marcam de alguma forma, refletindo na nossa música. E isso sempre foi uma característica do Sepultura, desde antes de eu estar na banda. Sempre foi muito importante para esses caras fazer com que cada álbum soe único, diferente do anterior. O Sepultura sempre evoluiu como banda, e nós mantemos isso, não importa o custo.
É verdade, esse sempre pareceu o caminho. Nunca sabemos exatamente o que esperar do próximo álbum do Sepultura. O que eu gosto, pois aprendi muito cedo com o Celtic Frost que surpresas podem te impressionar muito, e positivamente.
Derrick: Sim, e essa é a beleza de uma banda. Pelo menos para mim, este é um dos grandes diferenciais do Sepultura. Para uma banda tão tradicional no cenário, tão grande e com uma base de fãs tão extensa, inovar é sempre um risco. Quando cheguei aqui, eles não apenas encaravam a mudança, eles pareciam ansiar por ela. Eles queriam ver até onde as coisas poderiam chegar. É incrível trabalhar com uma banda onde todos realmente querem chegar ao próximo nível, onde todos realmente se comprometem com o resultado. Isso é um ponto fundamental para uma banda que quer viver o momento. E como artista, essa é a única maneira de se manter relevante em um mundo que vive mudando. Se você vai criar algo, que seja criativo.
Neste sentido, muitos estão falando sobre o quanto os seus vocais evoluíram ao longo dos anos, com todos os novos elementos que está agregando na música. Eu concordo com isso, mas discordo quando compreendem isso como um fenômeno atual. Até onde compreendo música, essa postura é algo que você já tinha em Against (1998).
Derrick: Sim, e você está certo (risos). O que eu acho é que muitas pessoas foram pegas de surpresa com a mudança naquela época, e entendo isso. Eu sei como é ser fã de uma banda e ela, de repente, mudar, principalmente quando uma mudança é muito grande. Aí é difícil para o fã entender o que está acontecendo, pois ele sente que tem que escolher um lado, como em uma guerra. Neste cenário, muita gente não prestou atenção em todos os elementos que estavam envolvidos nessa transformação. Você está absolutamente certo, todos esses elementos já estavam lá. As mudanças, os elementos melódicos… Mas, na época, muitas pessoas simplesmente não queriam ouvir isso, sequer deram-se uma chance de ouvir e julgar. Pelo menos, não com atenção.
Naquela época o Sepultura entendeu essa nova abordagem que você trazia?
Derrick: Sim, completamente. Claro que essa era uma preocupação que eu tinha. O Sepultura era uma banda muito estabelecida, eles tinham um estilo muito próprio, e eu me perguntava se realmente poderia ser eu mesmo na banda. Jamais teria continuado se não pudesse ser eu mesmo cantando. Mas a questão é que era exatamente isso que eles queriam. Desde o primeiro momento, eles não apenas entenderam que eu canto de outra maneira, mas impulsionaram isso. Eles deixaram muito claro que não queriam que eu fosse um clone de Max, que poderia, e deveria, ser simplesmente o Derrick.
Eles estavam pensando no futuro.
Derrick: Sim, é isso. Eles buscavam por um vocalista que fosse versátil, que pudesse cantar linhas diferentes com emoções diferentes, estilos diferentes. Na época das audições, eles receberam muito material de vocalistas que simplesmente faziam a mesma coisa, tentavam repetir o estilo do vocalista anterior. Eles me escolheram porque eu fazia coisas diferentes, e eles queriam isso, pois os olhos já estavam naquilo que eles fariam no futuro. Talvez naquele momento as pessoas tivessem aceitado melhor um clone, talvez não. Não sabemos. Mas um clone não estaria hoje na banda. Um clone não chegaria aonde o Sepultura planejava chegar, e eles foram muito inteligentes em investir naquilo que realmente acreditavam.
Isso estava claro em Against. Não há como negar que existe uma energia diferente nos vocais de músicas como Old Earth e Floaters In Mud.
Derrick: Sim, sim (risos). Eu estou rindo porque, você não imagina quantas vezes temos que relembrar as pessoas de que a mudança já estava acontecendo, que esses elementos que elas elogiam já estavam lá, então, quanto você cita essas músicas, eu fico muito feliz. Quem sabe as pessoas revisitem o álbum e compreendam melhor algumas ideias que estão lá. Claro que nós evoluímos, estamos melhores em algumas coisas, mas é importante que saibam que a evolução não veio do nada, não aconteceu de um momento para o outro.
Nesse sentido, eu diria até mais, pois no EP Revolusongs vocês registraram uma versão para Angel, do Massive Attack. E, novamente, os vocais são o diferencial.
Derrick: Muito obrigado, de verdade. E foi muito legal fazer essa música, foi o momento em que estava ficando mais confortável para mim fazer essa combinação entre música pesada e vocais mais melódicos ou melodiosos, foi muito interessante. Eu sou um grande fã do Massive Attack, então fazer essa versão foi incrível. E, bom, foi incrível ver essa música sendo usada em um episódio do seriado The Following (N.R: Estrelado por Kevin Bacon, a música aparece no segundo episódio da primeira temporada, de 2013), anos depois de termos lançado a versão originalmente. Novamente, obrigado por ouvir nossa música com tanta atenção, pois ninguém ligou para essa música no Brasil, na época todo mundo adorou a Bullet The Blue Sky, do U2, o vídeo e tudo.
Sim, aquele EP tinha muita coisa especial. Claro que as versões para Metallica (Enter Sandman / Fight Fire with Fire Medley), Exodus (Piranha) e Hellhammer (Messiah) já eram esperadas, mas há várias surpresas.
Derrick: Sim, tinham essas mais esperadas para uma banda como o Sepultura, e claro, nós sabíamos disso, mas era mais como um desafio. São hinos do metal, músicos que realmente adoramos e que nos influenciaram, músicas que são parte do vocabulário do metal. Encarar a responsabilidade de fazer versões de músicas assim é um desafio maior do que parece, pode apostar (risos). Mas claro, isso não era tudo o que queríamos fazer…
Com certeza. Sempre me perguntei como foi aquela experiência para você, que poucos anos antes tinha entrado numa banda de thrash metal, e que então estava gravando versões de artistas new wave, como U2 e Devo (risos).
Derrick: (rindo muito) Ah, cara, foi sensacional (risos)! Sinceramente, vou dizer uma coisa para você. Foi naquela época que eu percebi que o Sepultura realmente era uma banda que não reconhecia limites, e que realmente apoiava o meu desenvolvimento como vocalista. Cantar metal é um desafio imenso, cantar new wave também é um desafio, de uma outra ordem. Eles apostaram que eu poderia fazer isso, eu queria fazer, e no fim das contas, foi uma bela experiência, e curto demais aquele EP.
Essa aproximação de elementos new wave ficou bastante clara na faixa-título do álbum anterior, Machine Messiah, concorda?
Derrick: Sim, tem aquela mesma pegada, aquela coisa mais calma e limpa na voz. Também é um tanto mais emotiva, então essa vibração foi bem-vinda aqui. E isso é o bom de experimentar, você passa a saber o que pode ousar, passa a contar com novos elementos, coisas que antes não estavam ali.
Neste novo álbum, além de tudo o que citamos, temos um Derrick também intenso e agressivo, com vocais que trilham os caminhos do hardcore, como em Last Time, certo?
Derrick: Sim, tenho isso como uma das minhas raízes, e nunca vou me distanciar demais delas. É bom viajar o mundo, mas também é bom estar em casa (risos). Quero dizer, por mais que sempre busque novas formas de trabalhar meus vocais, sempre terei vontade de trilhar caminhos mais agressivos e intensos. O Sepultura demanda essa versatilidade, e estou muito feliz em ser o vocalista adequado para esse papel.