Está chegando ao fim a bem sucedida turnê mundial do ótimo Machine Messiah, décimo quarto ‘full lenght’ do Sepultura, que assim que chegou ao mercado, em 13 de janeiro de 2017, imediatamente caiu nas graças de público e crítica. E o fato de o grupo ter sido recebido com casa cheia em São Paulo no último sábado, 27, quase dois anos após correr os palcos do mundo divulgando-o, foi só mais uma amostra de que o Sepultura realmente vive uma das melhores fases de sua carreira na era Derrick Green. Não à toa, muita gente (inclusive este repórter) considera Machine Messiah o melhor álbum com Green. Em seu mais recente show, a banda compartilhou desse bom momento com outras duas respeitadas formações nacionais dividindo com elas o palco da Audio. Assim sendo, MX e Eminence tiveram uma boa oportunidade para também mostrar ao vivo os seus novos trabalhos. Dias antes, inclusive, ambos os grupos foram entrevistados pelo guitarrista do Sepultura em edições distintas de seu programa “Pegadas de Andreas Kisser”, que vai ao ar pela 89FM – A Rádio Rock – uma atitude muito legal de Andreas e do próprio Sepultura de abrir espaço para divulgar outras bandas.
Para um público ainda em número razoável, quem abriu a noite foi o lendário MX. Trata-se de um dos grandes expoentes da histórica região do ABC, que foi efervescente no cenário paulistano durante os anos 80/90. Atualmente, o veterano grupo divulga seu mais recente álbum A Circus Called Brazil, que foi lançado no primeiro semestre de 2018 e que, assim como Machine Messiah, também tem obtido ótima repercussão. Após introdução mecânica, de cara o MX mandou duas cacetadas de seu quinto álbum de inéditas, tido por muitos como um dos grandes lançamentos do metal nacional no ano: Murders e Mission. Essas e mais Lucky, mostraram que o thrash metal do MX segue cortante, veloz, empolgante e bem trampado. Seus clássicos dois primeiros álbuns não foram ignorados e com isso os bangers da velha guarda tiveram motivos para comemorar o arsenal que foi descarregado de Simoniacal (1988) e de Mental Slavery (1989). Deles, a banda mandou a própria Mental Slavery, Fighting for the Bastards, Dark Dream e as pérolas Jason e Dirty Bitch. Um set avassalador!
Além da qualidade musical e da boa performance em palco, um dos difereciais nos shows do MX é a construção vocal, em grande parte liderada pelo carismático baterista Alexandre Cunha, mas com efetivo suporte de Alexandre “Morto” Favoretto (baixo) e Alexandre “Dumbo” Gonçalves, que divide a rifferama com Décio Jr. O legal é que, ao invés de se limitarem apenas aos vocais de apoio, muitas vezes quando não estão na função principal no microfone, eles se alternam. Em termos técnicos, o volume dos instrumentos estava bastante alto e contrastava com um dos ‘mics’ frontais, que estava praticamente inaudível. Entretanto, esses detalhes não prejudicaram o desempenho do MX, que tem em seus integrantes músicos bastante entrosados. A se basear por essa apresentação e também pelo resultado mostrado no impactante A Circus Called Brazil, posso afirmar que o MX está em alta e que ainda oferecerá muita coisa boa aos amantes do thrash metal.
Depois de o MX ter esquentado os amplificadores, não levou nem vinte minutos para que o Eminence assumisse o palco. Formado no longínquo ano de 1995 e com experiência internacional na bagagem, o grupo estava de volta a São Paulo pela terceira vez, agora para divulgar seu recém lançado EP Minds Apart, material de alto nível, que foi mixado pelo renomado Tue Madsen (Meshuggah, Heaven Shall Burn, Moonspell e outros). Bruno Paraguay (vocal), o fundador Alan Wallace (guitarra), Davidson Mainart (baixo) e o ex-Overdose André Márcio (bateria) contaram com uma boa qualidade de som e mostraram ao público paulistano que BH, que é historicamente conhecida por suas icônicas bandas de death e de thrash metal, está revigorada e bem representada pelo peso do metal atual.
As novas Minds Apart e Obey caíram bem ao vivo e se enquadraram perfeitamente a um repertório que, exceto pelo debut Chaotic System (1999), exibiu um pouco de cada um dos outros três álbuns do Eminence: Humanology (2003), The God of All Mistakes (2008) e The Stalker (2013). Não demorou para que o público correspondesse ao som do grupo conterrâneo do Sepultura e logo na segunda música do set, Veins of Memories, formasse uma pequena roda na pista. Além do peso que abre leque para momentos de velocidade e outros de groove, a sonoridade do Eminence possui aqueles “climões”, favorecidos em certas partes por bom uso de sampler, além de recursos como megafone, item que foi utilizado pelo comunicativo e competente Paraguay. Perto do fim do set, especificamente em Day 7, Mainart teve problemas com o baixo, mas antes da próxima tudo foi resolvido. Com tudo novamente nos conformes, o Eminence se despediu com Devil’s Boulevard e foi agraciado com a participação do público, que agitou com punhos erguidos essa música presente em The God of All Mistakes.
A essa altura, os fãs da atração principal já dominavam quase que por completo a pista e um dos camarotes. A espera deles, que durou meia hora após a apresentação do Eminence, acabou tão logo Polícia do Titãs deu lugar a uma introdução que lembrava a do álbum Mass Illusion (1991) do Korzus. Um a um, Derrick Green, Andreas Kisser, Paulo Jr. e Eloy Casagrande foram entrando e assumindo suas posições no palco. Ovacionado, o Sepultura deu início com uma dobradinha de Machine Messiah, formada pelas agressivas I Am the Enemy e o carro-chefe do álbum, Phantom Self. Nessa atual turnê, tem sido muito legal ver a banda aderindo ao uso de uma rampa que dá acesso à plataformas laterais. Derrick foi o primeiro a usufruí-la quando subiu pra tocar percussão no início da bem recebida Kairos. E nem deu tempo de os fãs fazerem o tradicional coro “Sepultura, Sepultura…”, pois logo a pista se tornou um caos quando o primeiro clássico da noite, Territory, foi tocado.
Na primeira pausa – agora sim com o coro gritado em uníssono -, Kisser agradeceu ao público dizendo que Machine Messiah se tornou um álbum muito especial para o Sepultura. No entanto, ele alertou que muita coisa antiga seria tocada. Foi o gancho para anunciar aquela que foi o primeiro ‘hit’ da banda: a atemporal Inner Self, de Beneath the Remains (1989). Nem é preciso que eu diga o que se tornou a pista neste momento, não é mesmo? Depois dessa, foi a vez de Derrick dar o seu discreto boa noite e anunciar mais uma de Machine…, a climática Sworn Oath, que considero ser uma das músicas mais impactantes do álbum. E se Casagrande impressionava a cada música – o que não é novidade alguma -, nessa, em específico, ele simplesmente destruiu a batera. A primeira surpresa da noite fez o público voltar doze anos no tempo: era hora de relembrar Dante XXI, álbum o qual Andreas assumiu que por um bom tempo a banda deu uma “negligenciada” de tocá-lo ao vivo. Graças a essa atitude nostálgica, False voltou para o repertório três após ter sido tocada pela última vez.
Antes de anunciar a próxima, Andreas ressaltou que o Sepultura está encerrando o ciclo de Machine Messiah e relembrou que em 2018 o grupo está celebrando 20 anos de Derrick Leon Green na banda – nem parece que já faz tanto tempo que vi o primeiro show do vocalista com o Sepultura em solo brasileiro no “Barulho Contra a Fome” (evento que aconteceu na Arena Anhembi (SP), em 15 de agosto de 1998, e que contou com as participações do ex-integrante Jairo Guedz e de Mike Patton (Faith No More), Jason Newsted (ex-Metallica), Carlinhos Brown, do lendário ator e cineasta José Mojica Marins (Zé do Caixão) e de índios xavantes, além das bandas Pavilhão 9, Squaws e Tolerância Zero). Emocionado, o cara que quando entrou para o Sepultura era chamado por Andreas, Paulo e Igor Cavalera como “Predator”, se ajoelhou para agradecer os aplausos dos fãs. Para comemorar, foram tocadas três seguidas de seu primeiro álbum no Sepultura: a própria Against, Choke – música a qual fez a audição em demo e lhe garantiu a vaga deixada por Max Cavalera – e Boycott.
Roorback (2003), que é outro álbum pouco representado nos shows, também foi relembrado através da inesperada Corrupted, que Andreas dedicou ao pessoal da roda na pista, que, conforme ele mesmo disse, estava realmente “foda”. A emocionante faixa título que abre Machine Messiah e que conta com uma das melhores (senão a melhor) performances vocais de Green, veio na sequência proporcionando um clima de arrepiar. É uma pena lastimável a banda não ter gravado um videoclipe para essa música, pois ela “pede” por um. Dali pra frente, nenhum pescoço passou ileso ao bombardeio de clássicos da primeira fase do Sepultura. A rajada foi impiedosa com Desperate Cry, Refuse/Resist e Arise – dedicada por Andreas Kisser aos aplaudidos MX e Eminence.
Terminada a primeira parte do show, Derrick, Andreas, Paulo e Eloy voltaram para o bis tocando outra sequência matadora: Troops of Doom, Slave New World, Resistant Parasites, Ratamahatta e o hino Roots Bloody Roots. Com o bom humor que lhe é peculiar no final de cada show, o quarteto escolheu se despedir com a divertida You Make My Dreams (Daryl Hall & John Oates) rolando no som ambiente. Encerra-se assim, de maneira positiva, o ciclo de Machine Messiah, e surge a partir de agora uma boa expectativa para saber o que o Sepultura será capaz de apresentar em seu próximo álbum. A noite valeu também para o público conferir de perto o bom momento que vivem MX e Eminence, que em 2018 lançaram trabalhos de alto calibre. Esses três shows evidenciaram que a velha guarda do metal nacional ainda tem muita lenha pra queimar e bons anos pela frente chutando bundas em nome da música pesada!