Não há nada que se possa dizer sobre o Sepultura que ainda não tenha sido dito. A maior banda de heavy metal do Brasil e um dos artistas nacionais mais bem-sucedidos e reconhecidos globalmente, o Sepultura tem uma trajetória que dispensa apresentações. E se, ao longo de seus 40 anos de história, a banda nunca deixou de ser destaque na mídia, desde dezembro do ano passado, quando anunciaram sua turnê de despedida “Celebrating Life Through Death”, o assunto Sepultura ganhou ainda mais dimensão. Seja pela emoção de se despedir de uma das maiores bandas da história, seja pelos eternos dramas iniciados há 30 anos, com a saída do primeiro dos irmãos Cavalera, Max, ou, mais recentemente, pela desistência do baterista Eloy Casagrande, que ocupava o cargo há 12 anos e, repentinamente, trocou a banda pelo Slipknot.
Dito isso, vamos direto ao ponto: os históricos shows deste final de semana, no Espaço Unimed, em São Paulo, que, inicialmente programados como uma única apresentação, devido à alta demanda, se transformaram em três shows.
Sepultura e Torture Squad (06 de setembro de 2024)
Por Luiz Tosi (Sepultura) e Daniel Agapito (Torture Squad)
Fotos: Andre Santos
Trinta minutos após a abertura da casa, o Torture Squad subiu ao palco para divulgar Devilish, seu aclamado álbum de 2023, que contou com a participação do próprio Andreas Kisser, do Sepultura, entre os convidados. Com a presença especial da performer Slovakia, cinco vezes campeã mundial de cosplay, interpretando Lilith, o grupo apostou pesado em seu mais recente trabalho, com seis das oito músicas do setlist oriundas dele. Mayara Puertas (vocal, violão e teclado), Rene Simionato (guitarra), Castor (baixo e backing vocals) e Amílcar Christófaro (bateria) abriram a noite com uma sequência formada por Hell is Coming, Flukeman e Warrior. Esta última, com a participação da cantora americana Leather Leone (Leather/Chastain) no videoclipe, apresenta um lado mais hard rock do grupo e destaca a versatilidade de Puertas.
Para a alegria dos fãs dos álbuns mais antigos, o quarteto tocou Horror and Torture e Raise Your Horns, dois clássicos do metal extremo nacional que não podem faltar no repertório do Esquadrão da Tortura. Para finalizar, foram escolhidas Find My Way, A Farewell to Mankind e The Last Journey. No caso dessa última, uma escolha que confundiu diversos fãs, já que a música foi executada apenas ao piano e voz, gerando a sensação de “será que foi só isso mesmo?”. Apesar disso, Mayara, Amílcar, Castor e Renê fizeram um show excelente, aquecendo o público que crescia a cada segundo. Mesmo sendo uma sexta-feira em início de noite, próximo ao horário de trabalho, o Torture Squad foi recebido de forma calorosa e certamente disseminou ainda mais o trabalho de qualidade feito em Devilish. Mesclando clássicos e faixas novas com uma energia ímpar e imponente presença de Lilith, é quase desnecessário dizer que a performance do grupo foi memorável.
O Espaço Unimed estava lotado, e a atmosfera era eletrizante, com fãs de todas as idades ansiosos para ver a banda que marcou gerações. A abertura ficou por conta da tradicional execução de War Pigs (Black Sabbath) no sistema de som, seguida por Polícia, clássico dos Titãs regravado pelo Sepultura para algumas edições do álbum Chaos A.D. de 1994. O show começou com três faixas desse álbum icônico: Refuse/Resist, Territory e Propaganda, seguidas por Phantom Self, do excelente Machine Messiah (2017), que trouxe um toque mais contemporâneo ao set. Em seguida, outra trinca de um álbum também icônico: Dusted, Attitude e Spit representaram Roots (1996), o álbum de maior sucesso global do Sepultura. O clássico da era Derrick Green, Kairos, mostrou a versatilidade da banda. A energia do atual Sepultura era palpável, e o vocalista está em sua melhor forma, comandando a plateia com uma presença de palco impressionante.
O setlist foi um verdadeiro presente para os fãs, com uma seleção que percorreu toda a carreira da banda. Means to An End e Convicted in Life trouxeram um peso extra, seguidas por Guardians of Earth, uma faixa que destaca a preocupação do grupo com questões ambientais. Mind War e False mantiveram a intensidade, enquanto Choke e Escape to the Void levaram os fãs a uma viagem nostálgica, apesar de distantes entre si em termos de lançamento, revivendo as raízes do Sepultura.
Em outro momento nostálgico, Kaiowas retornou ao setlist para essa turnê de despedida, apresentada no formato de jam session com convidados especiais. Nessa noite, subiram ao palco Jean Patton (ex-Project46 e substituto de Kisser em alguns shows do Sepultura pelo exterior em 2022), João Barone (Os Paralamas do Sucesso), os membros do Torture Squad, Yohan Kisser (filho de Andreas) e alguns fãs. A energia foi contagiante, e a interação entre os músicos e o público se tornou um dos pontos altos do show.
O público, que há 35 anos era composto por uma molecada cheia de energia, hoje está quase na casa dos 50 anos (ou mais). Se os cabelos longos deram lugar aos grisalhos e os moshes já não têm a mesma intensidade, muitas vezes sendo substituídos por celulares erguidos para registrar cada momento, a paixão permanece real e inabalável. A conexão entre a banda e seus fãs transcende o tempo, algo evidente em cada grito, cada aplauso e cada olhar emocionado.
A produção do show foi impecável, com um jogo de luzes e efeitos visuais que complementaram perfeitamente a intensidade da música. O som estava cristalino, permitindo que cada riff, cada batida e cada grito fossem ouvidos com clareza. A interação constante da banda com o público criou uma conexão que fez cada pessoa presente se sentir parte de algo maior.
A primeira noite da turnê de despedida do Sepultura em São Paulo foi um evento inesquecível. A banda demonstrou por que é considerada uma das maiores do mundo, entregando um show que foi simultaneamente uma celebração e uma despedida. Para os fãs, foi uma oportunidade única de ver seus ídolos em ação mais uma vez, e para a banda, uma chance de agradecer por todos esses anos de apoio e dedicação.
Com o recente anuncio do Sepultura entre as atrações do Lollapalooza 2025, os paulistanos ainda terão mais uma oportunidade de se despedir da banda. E se esses forem seus últimos shows na cidade, o Sepultura se despede de São Paulo, mas seu legado continuará vivo, inspirando novas gerações de fãs e músicos. Celebrando a vida através da morte, a banda encerra um capítulo glorioso de sua história, mas seu impacto no mundo do Heavy Metal será eterno.
Sepultura e Cultura Tres (07 de setembro de 2024)
Por Leandro Nogueira Coppi (Sepultura) e Daniel Agapito (Cultura Tres)
Fotos: Belmilson Santos
Depois de vir ao Brasil no primeiro semestre de 2024 para a segunda edição do Summer Breeze Brasil (agora Bangers Open Air), o Cultura Tres retornou como uma das bandas convidadas para os shows do Sepultura em São Paulo. Formado originalmente em 2006 na cidade de Maracay, Venezuela, o Cultura Tres tem se consagrado, nos últimos anos, como um dos maiores expoentes latino-americanos do sludge metal. Atualmente, seu lineup conta com os venezuelanos Alejandro Londoño (guitarra e vocal) e Juan de Ferrari (guitarra), mais os brasileiros Henrique Pucci (bateria – Noturnall, Escombro) e Paulo Xisto – esse último cumprindo dupla jornada na noite. Aqui por terras brasileiras, o Cultura ficou conhecido como “aquela outra banda do Paulo do Sepultura”, mas o grupo provou que são muito mais do que isso, fazendo um show incrível para as milhares de pessoas que estavam no local. Em relação ao seu som, acabaram sendo escolha certeira para abrir para o Sepultura, pois apresentaram um nível similar de peso, mas com uma abordagem completamente diferente.
Em termos da performance, Londoño demonstrou não só um domínio incrível da língua portuguesa, mas também uma conexão profunda com o público paulista, fazendo diversos comentários incisivos, porém pertinentes, sobre o estado atual do Brasil. Ele conquistou o apreço dos fãs logo no início, ao contar que passava dias esperando o Sepultura anunciar algum show na Venezuela, passava horas olhando para o pôster da banda em seu quarto e agora não acreditava que estava tocando com um dos “caras do pôster”. Antes de Signs, um dos destaques de Camino de Brujos, álbum lançado no ano passado, Londoño comentou que o que “ferrou” seu país foi a divisão do povo, acrescentando que não queria ver o mesmo acontecer com o “país lindo” que é o Brasil. A banda encerrou a noite com Day One, de La Secta (2017), Zombies, também de Camino de Brujos, e a já mencionada Signs, preparando a galera para a “aula” que o Sepultura daria em seguida.
Sucesso de bilheteria, a turnê “Celebrating Life Through Death” tem lotado todos os locais por onde passa. Em São Paulo não foi diferente: três noites de ingressos ‘sold out’, comprovando que, embora alguns sempre irão lamentar a ausência dos irmãos Cavalera (Max e Iggor) e tenham se afastado da banda, o Sepultura mantém um exército fiel de fãs e apoiadores. Esses fãs reconhecem e são gratos pelo legado do grupo em todas as suas formações, e ainda seguem demostrando respeito pela importância da banda na visibilidade internacional que o heavy metal brasileiro conquistou desde que os chamados ‘Jungle Boys’ da formação clássica dessa instituição do heavy metal brasileiro explodiram mundialmente.
Intensificando ainda mais a expectativa dos fãs, assim como na primeira noite e nos shows anteriores da “Celebrating Life Through Death”, dez minutos antes de os brazucas Andreas Kisser e Paulo Xisto, juntos de seus parceiros americanos Derrick Green e o (literalmente) novato Greyson Nekrutman, tomarem o palco, o enorme backdrop com a imagem oficial da turnê subiu simultaneamente ao acender dos telões e dos dois grandes cubos laterais que também projetavam imagens e causavam um belo efeito cenográfico. Diferente do KISS, que em sua turnê de despedida repetiu o mesmo vídeo de Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Singer e Tommy Thayer caminhando do backstage em direção ao palco, fazendo caras e bocas para o público, o Sepultura oferece algo mais dedicado, atraente e menos previsível. Assim como o Metallica, a banda é filmada no camarim do show em questão, com os músicos transmitindo mensagens para aquele público específico. Logo depois, um ‘mash up’ de muitas introduções clássicas dos álbuns do Sepultura começou a rolar no som mecânico, até revelar o início de Refuse/Resist, com os músicos surgindo no palco e instaurando o caos na pista com a trinca completada por Territory e Slave New World. Para muitos de nós ali presentes, foi uma viagem no tempo reviver a poderosa era de Chaos A.D., o penúltimo álbum do Sepultura com Kisser, Xisto, Max Cavalera e Igor Cavalera, lançado em 1993, ano em que o mundo se rendeu de vez à autenticidade sonora do gigante brasileiro.
Saltando para o ano de 2017, o Sepultura revisitou um de seus melhores álbuns com o vocalista Derrick Green, Machine Messiah. Foi com Phantom Self, carro-chefe do disco, que, para este repórter, veio à tona uma lembrança especial: o convite que recebi da banda para acompanhar os bastidores da gravação do videoclipe dessa música (confira ao video report), entre outras ações promocionais do álbum das quais tive oportunidade de participar, além de assistir e cobrir alguns shows da “Machine Messiah World Tour”.
Após esse momento de satisfação pessoal, o Sepultura apresentou uma nova trinca de outro álbum impactante: Dusted, Attitude e Cut-Throat, do histórico Roots, de 1996. Antes de Dusted, Derrick falou pela primeira vez , e em bom português: “Boa noite, São Paulo! Muito legal todo mundo aqui, de novo, segunda vez essa semana. Tem mais um show amanhã, ontem foi foda, animal, mas hoje à noite, ‘sabadão’, é ‘nóis’!”. O frontman arrancou risos falando essas gírias brazucas com seu sotaque engraçado, mas também fez muitos headbangers agitarem durante a música.
Visto que essa turnê celebra 40 anos da maior banda sul-americana de todos os tempos, vale destacar alguns capítulos dessa história que têm sido representados na “Celebrating Life Through Death”. No caso de Roots, essa parte do show me pôs a refletir com um misto de sentimentos sobre esse álbum divisor de águas na carreira da banda de Belo Horizonte (MG). Um sentimento de orgulho por ter vivido aquele momento em que o Sepultura se firmou entre as maiores e mais influentes bandas da história da música pesada, com um disco em que abraçou de corpo e alma a sua brasilidade. E, ao mesmo tempo, um sentimento de nostálgica melancolia ao lembrar do impacto que foi quando, em meio a turnê de Roots, Max Cavalera chocou o mundo ao deixar a banda que fincou a bandeira do Brasil no heavy metal.
Águas passadas. Com o boa praça Derrick Green na banda, o ambiente é outro: não há tensão, e a amizade entre ele e os mais antigos da banda, Paulo e Andreas, segue inabalável. Apesar de o clima ter ficado um pouco amargo dias antes da turnê “Celebrating Life Through Death” com a saída inesperada de Eloy Casagrande para o Slipknot, Nekrutman se adaptou rapidamente ao Sepultura. Bem-recebido pela banda e abraçado pelos fãs, o jovem baterista foi apresentado à plateia após a execução de Kairos e ficou emocionado ao ouvir seu nome ser entoado em coro pela ‘Sepulnation’.
Falando em coro, o emblemático “Se-pul-tu-rá, Se-pul-tu-rá…” era gritado a plenos pulmões a cada intervalo entre as músicas. O mencionado ambiente pacífico dentro do Sepultura de hoje também se reflete na relação da banda com sua equipe técnica e administrativa, algo que Andreas faz questão de destacar em entrevistas. O resultado dessa harmonia é um trabalho realizado com muito profissionalismo e esmero, como pudemos observar durante os shows de São Paulo, onde a qualidade sonora, visual e de iluminação foi simplesmente soberba, sem falhas.
Prosseguindo, após Kairos, a era Green continuou muito bem representada. Porém antes de a banda mandar A Means to An End, Sepulnation, Guardians of Earth, Mind War (a única de Roorback (2003) no set – e que funciona muito bem ao vivo, diga-se), False e Choke, Kisser também cumprimentou o público paulistano e agradeceu: “Que déjà-vu… Não é déjà-vu, é realidade! Estamos aqui de novo, celebrando 40 anos do Sepultura, juntos nessa festa maravilhosa, com a segunda data ‘sold out’ rapidamente. Vocês são foda!” E completou: “Cara, é indescritível esse sentimento que a gente está tendo aqui, celebrando com vocês essa última turnê. Muito, mas muito obrigado por tudo, por estarem aqui hoje à noite celebrando com a gente. Inesquecível!”.
Em polvorosa, o público reagiu ao aviso de Andreas para a próxima parte do show: “Vamos tocar umas velharias para abrir umas rodas aí, caralho! É sábado, porra!“. E o guitarrista deu o spoiler sobre com qual a banda começaria a viagem no tempo: “Essa aqui é de 1987, do álbum Schizophrenia. Para vocês, heavy/thrashers, eternos: Escape to the Void!”. Assim, “Alemão” fez a alegria dos veteranos e de quem estava a fim de entrar no circle pit para agitar com os clássicos!
O espírito de união que o Sepultura sempre pregou foi evidenciado com o retorno da instrumental tribal Kaiowas ao repertório. Revivendo os bons tempos das jam sessions que marcaram a época de Chaos A.D., o Sepultura convidou várias pessoas para participarem da música. Na primeira parte, Andreas foi acompanhado no violão por seu técnico de guitarra, Dante Lucca. No segmento mais percussivo de Kaiowas, além de alguns fãs, personalidades contribuíram nos tambores, incluindo o ovacionado Supla, o filho de Andreas, Yohan Kisser, o baterista do Cultura Tres Henrique Pucci, o roadie Rogerinho de Souza, que trabalhou para o Motörhead por muitos anos, e o guitarrista Marcio Sanches.
No som mecânico, a introdução revelou a próxima música do set: Dead Embrionic Cells, diretamente do clássico Arise (1991). Em seguida, a porrada comeu solta com outra de Chaos A.D.: Biotech is Godzilla, música com letra “nonsense” escrita por Jello Biafra, lendário frontman do Dead Kennedys. Do mais recente álbum de estúdio do Sepultura, o aclamado Quadra, que foi lançado pouco antes do início da pandemia de Covid-19 em 2020, a terceira da noite além de Means to An End e Guardians of Earth, foi a arrepiante e climática Agony of Defeat, música que considero não apenas a melhor do disco, mas também uma das mais viciantes de toda a era Derrick Green.
Aproximando-se do final, após um trecho do velho cover de Orgasmatron do Motörhead, o Sepultura detonou mais uma rajada de clássicos. Começaram pela mais antiga do repertório, Troops of Doom, do debut Morbid Visions (1986), e seguiram com as viscerais Inner Self (única de Beneath the Remains, de 1989), Arise e Ratamahatta. Como de praxe, para o fechar das cortinas o Sepultura reservou a música que é sempre a mais comemorada pelas plateias ao redor do mundo: Roots Bloody Roots.
Encerrando a noite de maneira memorável, o Sepultura entregou uma performance que não só reafirmou sua relevância no cenário do metal, mas também comprovou a força de sua base de fãs. A energia contagiante, a precisão técnica e a interação genuína com o público fizeram dessa apresentação um espetáculo inesquecível, reafirmando o status do Sepultura como uma das maiores bandas de heavy metal do planeta. Para aqueles que ainda queriam aproveitar a passagem da banda pela capital, era hora de voltar para casa e descansar para o último ato da saga Sepultura em São Paulo.
Sepultura e Black Pantera (08 de setembro de 2024)
Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos: Andre Santos
Após duas noites fantásticas, chegava a hora do Sepultura encerrar a parte brasileira da turnê “Celebrating Life Through Death”, antes de partir para a América do Norte ainda este mês, ao lado de Agnostic Front, Obituary e dos conterrâneos do Claustrofobia. Para a terceira e última noite em São Paulo, ocorrida no domingo (08), o Sepultura convidou o trio mineiro Black Pantera para abrir o show. Completando dez anos de história em 2024, a banda de Uberaba (MG) está atualmente divulgando seu quarto álbum de estúdio, Perpétuo, lançado em maio.
Pontualmente às 18h30, o baterista Rodrigo “Pancho” Augusto e os irmãos Charles Gama (vocal e guitarra) e Chaene da Gama (baixo e vocal) assumiram o palco tocando Provérbios, música que também abre o álbum Perpétuo. A ascenção do grupo mineiro no cenário nacional foi evidente: além de seu nome ser gritado em uníssono em alguns momentos do show, muitos no público conheciam as músicas do Black Pantera de cor, curtindo a apresentação cantando junto. O show teve vários destaques, com ênfase em Fogo Nos Racistas. Em certo ponto dessa que já é um hino do Black Pantera, o público se agachou à pedido de Charles, mas logo se levantou para agitar nessa que escancara o forte posicionamento antirracista do grupo.
Também houve espaço para emoção com a execução de uma das novas músicas, Tradução. Chaene a apresentou dizendo que foi escrita para sua mãe, Dona Guiomar, e a dedicou a todas as mães das pessoas no Espaço Unimed. Ele foi atendido ao pedir que as pessoas iluminassem o local com as lanternas de seus celulares, proporcionando um momento muito bonito para uma música cuja letra é difícil ouvir sem se arrepiar. A sintonia entre público e banda era impecável, sendo o grande destaque do show do Black Pantera. Outro exemplo disso foi quando Charles disse que tinha “a música perfeita para bailar”, e comandou o ‘wall of death’ em Mosha, que levantou poeira na pista. Foi dessa forma, com essa energia, que o Black Pantera deixou o público com ainda mais sangue nos olhos para curtir o último show do Sepultura em São Paulo, até a próxima edição do Lollapallooza, que acontecerá em março de 2025.
Para quem, como este repórter, assistiu a algum ou aos dois shows anteriores do Sepultura, houve uma sensação de déjà-vu quando a banda surgiu no telão, transmitindo a mensagem de ‘esquenta’ do dia, antes de finalmente dar as caras no palco. O mesmo sentimento surgiu com War Pigs (Black Sabbath) e Polícia (Titãs), respectivamente, rolando no som mecânico. No entanto, isso não diminuiu a ansiedade de ver a banda ao vivo – afinal, era para isso que estávamos ali. Após a introdução, Derrick Green, Andreas Kisser, Paulo Xisto e Greyson Nekrutman invadiram o palco, repetindo o mesmo início da noite anterior: a trinca de Chaos A.D., formada por Refuse/Resist, Territory e Slave New World – esta última no lugar de Propaganda, que foi tocada na sexta-feira. Depois de Phantom Self, a banda revisitou seu sexto álbum de estúdio, Roots, novamente com uma trinca, assim como nos dois primeiros shows. No entanto, essa é uma parte do show em que a banda preparou algo especial para cada noite. Sempre representando Roots iniciando com Dusted e Attitude, desta vez a banda não repetiu a sequência. Em vez de Spit ou Cut-Throat, o Sepultura trouxe de volta Breed Apart, que não era tocada ao vivo há oito anos. Durante essa, o chão tremeu na parte do groove e posteriormente quando a música fica ainda mais agressiva e frenética, na qual, em estúdio, o riff é acompanhado pelo berimbau tocado por Max Cavalera.
O telão ao fundo do palco e os cubos laterais, enriquecem os shows da turnê com imagens ‘viajandonas’ e outras (algumas belíssimas) que refletem o conceito por trás de várias das músicas tocadas. Em False, do álbum Dante XXI (2006), por exemplo, a sensação é de estarmos imersos em um lyric video, com a letra exibida em perfeita sincronia com a música. Esse era o último dos três shows, então a emoção do público estava ainda mais à flor da pele. Enquanto o Sepultura tocava, muitos momentos da trajetória da banda passavam como um filme na cabeça. Como em Choke, carro-chefe do álbum Against (1998). Cada vez que a ouço ao vivo, automaticamente me recordo perfeitamente do primeiro show do Sepultura com Derrick no Brasil, ocorrido no evento beneficente “Barulho Contra a Fome”, organizado pela banda em São Paulo no dia 15 de agosto de 1998. Já se passaram 26 anos dessa união da banda com o “Predator” (ou “Fumaça”, como Paulo e Andreas carinhosamente chamam seu frontman), ou seja, muito mais tempo que Max e Iggor Cavalera estiveram na banda que eles formaram.
De certa maneira, os Cavalera foram lembrados por Andreas, Paulo e companhia. Embora os irmãos tenham se recusado a ter qualquer vínculo com o documentário Endurance de 2016, na clássica Escape to the Void o telão exibia flyers, capas de discos e passes VIP antigos, muitos dos quais apresentavam fotos da formação clássica do Sepultura. Embora discreta, essa homenagem (tenha sido ela intencional ou não) foi uma atitude madura por parte dos membros remanescentes do Sepultura. Antes de tocá-la, Andreas Kisser agradeceu as três bandas que estiveram com o Sepultura em São Paulo.
Prosseguindo com o show, além do que já foi mencionado, não houve mais surpresas no repertório em relação às duas noites anteriores. Assim, ao final de Roots Bloody Roots, pontualmente às 23h30, o Sepultura se despediu de São Paulo. O coro de “Se-pul-tu-rá, Se-pul-tu-rá…” e os aplausos efusivos dos fãs emocionaram os músicos, no entanto deixaram um nó na garganta daqueles com receio de nunca mais terem a chance de ver a banda novamente. Particularmente, meu pressentimento é de que ainda estamos longe de ver a aposentadoria definitiva do Sepultura.
Vale destacar que a turnê “Celebrating Life Through Death” tem sido gravada para se transformar em um álbum ao vivo com 40 músicas, representando os 40 anos de carreira da banda. Durante esse período, o Sepultura rodará o planeta celebrando sua vitoriosa carreira e o momento atual da banda. Além disso, será gravado um EP com quatro músicas, aproveitando a entrada de Greyson e as inspirações que o jovem trouxe à banda. Entre as novidades, está também a composição da primeira e única balada da história da banda, que, segundo Andreas, contará com a colaboração de algumas personalidades do heavy metal.
Se este realmente for o fim do Sepultura, deixamos nosso agradecimento à banda por seu imenso legado e por toda a sua contribuição à música pesada ao longo de sua trajetória. Se hoje estamos aqui escrevendo sobre heavy metal de fãs para fãs, de headbangers para headbangers, para várias gerações que mantêm a chama acesa, grande parte dessa paixão é inspirada na quebra de barreiras, na garra e na resiliência do “Sepultura, do Brasil!” (e do mundo!).