Por Tony Monteiro
Fotos: Belmilson dos Santos
Pra início de conversa, vamos esclarecer algumas coisas: produzir um show não é coisa simples. Tem que pensar em tudo e tem um monte de coisas que podem dar errado: atrair público, descolar um local interessante para o evento (grande o suficiente, perto de transporte público etc.), definir uma data conveniente, chamar atrações de respeito e ainda contar com o improvável – vai que cai um dilúvio bem na hora do espetáculo!
Pois bem… Esse comentário foi só pra ilustrar que o evento de estreia do projeto Shamangra (sim, nome horrível…) tinha muita coisa pra dar errado, principalmente o fato de reunir cinco bandas, sendo três delas ainda pouco conhecidas, num domingo à noite. Mas, justiça seja feita, a produção levada a cabo pelo Mariutti Team (encabeçado pelo baixista Luis Mariutti e sua esposa Fernanda) deu um verdadeiro show de organização. Pontualidade, organização e, principalmente, um público excelente, que praticamente lotou a Audio, casa com capacidade para cerca de três mil pessoas foram os aspectos que chamaram a atenção.
Pontualmente às 18h, teve início o primeiro show, que foi justamente o de Luis Mariutti, que está lançando seu trabalho solo Unholy. Acompanhado apenas pelo baterista do Korzus, Rodrigo Oliveira, e por bases pré-gravadas, foi interessante presenciar uma apresentação em que o baixo era a atração principal. Luis recebeu o reforço dos vocalistas Thiago Bianchi em The Eye of Evil e Addicted e Alessandro Bernard, da banda Kill for Nothing, em God of War. Mesmo com as bases ameaçando se sobrepor ao baixo em alguns momentos, foi um show certeiro e enxuto (apenas sete músicas), que confirmou aquilo que não é novidade pra ninguém: Luis é um dos maiores baixistas da história do rock nacional.
Em seguida, foi a vez da banda de metal melódico Auro Control, que estava estreando nesse evento. Foi um teste de fogo, já que fazer a primeira apresentação diante de um público numeroso e abrindo para nomes consagrados do estilo não é para poucos. Mas a banda se saiu muito bem, mostrando excelente performance cênica e músicos muito habilidosos – o guitarrista Lucas Barnery impressionou não apenas pelo aspecto técnico, mas principalmente pelas belíssimas melodias que cria nos solos. Os temas em si não empolgaram tanto, mas a presença de palco e a competência dos músicos acabaram servindo como uma espécie de compensação, tanto que saíram aplaudidos de cena.
A tocantinense Vocifer, com seus dez anos de estrada e dois discos na bagagem, se portou com a maior tranquilidade em cena. Seguros, os músicos conseguiram fundir um repertório agradável com muita técnica e timbres adequados. O quinteto explora nas músicas lendas e folclore de sua região, gerando uma mistura agradável de heavy metal com alguma brasilidade. O resultado de tanta eficiência foram os gritos de “mais um!” vindos da plateia ao final da apresentação.
A última banda de abertura foi o FireWing, grupo que apesar de ter sido criado há apenas três anos traz em sua formação nomes experientes do metal nacional. E aí é difícil saber se foi por excesso de confiança ou por descuido, mas o fato é que as guitarras ficaram extremamente distorcidas durante o show, o que, somado ao volume exagerado da batera, gerou aquela famosa “embolada” no som, que se estendeu por toda a apresentação. Uma pena, porque deu pra perceber que a banda é realmente muito criativa e capaz de executar temas bastante complexos. O FireWing ainda contou com a participação especial do guitarrista Bill Hudson em Obscure Minds.
Na sequência veio a entrega da premiação de Melhores do Ano promovida pelo Mariutti Team através de seu site, que acabou consagrando o Black Pantera, vencedor em três categorias.
Enfim, era chegada a hora de ver e, principalmente, ouvir o Shamangra. Contando com Thiago Bianchi e Hanna Paulino nos vocais, Hugo Mariutti e Helena Nagagata nas guitarras, Luis Mariutti no baixo e Aquiles Priester na bateria, era grande a expectativa não apenas para ver esse time ao vivo, mas para conferir como seria a participação de dois vocalistas. E algumas coisas ficaram bem claras logo nas primeiras músicas: Thiago e Hanna não apenas dividiram muito bem as vozes como se esmeraram na movimentação de palco; Hugo mostrou que é um dos melhores guitarristas do país – talvez sua postura discreta (como a de Luis, o negócio deve ser de família) não deixe isso mais evidente, mas basta prestar atenção na sua técnica e principalmente em seu bom gosto para que isso fique claro; e Aquiles continua sendo uma locomotiva disfarçada de ser humano quando colocado atrás de uma bateria.
O repertório foi baseado no disco de estreia do Shaman, Ritual (2002), e nos três primeiros do Angra, Angels Cry (1993), Holy Land (1996) e Fireworks (1998) – ou seja, trabalhos de que Luis participou. E foi interessante notar como Aquiles desempenhou temas que não estava habituado a tocar, o que ele fez com a competência de sempre. Os dez minutos de Carolina IV foram um dos pontos altos da apresentação, assim como Wuthering Heights, que Hanna cantou sozinha e arrancou aplausos antes mesmo do final da música – quem não a conhece, faça um favor a si mesmo e acompanhe esta excepcional cantora amapaense. Por sua vez, Thiago Bianchi deu o show de sempre. Com um pedestal de microfone decorado com um neon azul, o vocalista do Noturnall mostrou o pacote completo: movimentou-se por todo o palco, interagiu o tempo todo com a plateia e com seus parceiros de palco e se saiu muitíssimo bem interpretando as músicas em tons altíssimos consagradas por Andre Matos. Pra completar, ainda deu aquele famoso stage dive no fim do show. Já Hugo Mariutti se mostrou bem mais solto, tocando muito e atiçando a plateia o tempo todo, contrastando com Helena Nagagata, que ficou o tempo todo praticamente estática no canto do palco e ainda sofreu com problemas técnicos em sua guitarra.
Ao longo da apresentação, foram chamados alguns vocalistas convidados, como Juliana Rossi, do Silent Cry, que fez um excelente trabalho em Make Believe, Kaka Campolongo, Vanessa Lockhart (TifæreT), Victor Emeka (Hibria) e a sempre incrível Mayara Puertas (Torture Squad).
Na apresentação da banda, Aquiles, como já se tornou padrão, foi à frente para conversar com a plateia. E lá pelas tantas, rasgou a seda para Fernanda Mariutti: “Ela não é um soldado, ela é um exército inteiro!”, afirmou para delírio da galera.
Após Carry On rolou aquele final fake, depois do que a banda ainda atacou as clássicas Fairy Tale e Angels Cry. Luis, Thiago, Hanna, Hugo, Helena e Aquiles saíram de cena consagrados depois de um belíssimo show, muito bem produzido e que se mostrou uma excelente ideia ao misturar os repertórios das duas bandas, ainda que apenas de uma pequena fase de suas carreiras. Resta ver se os músicos vão dar por encerrada a trajetória do projeto ou se vão levá-lo a outros públicos. Tomara que haja uma continuidade. Demanda certamente vai haver.