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SHELTER – SÃO PAULO (SP)

15 de dezembro de 2024 – Carioca Club

Por Daniel Agapito

Fotos: André Santos

Do icônico clipe de Here We Go, que não saía da rotação da MTV nos anos 90, ao polêmico show na baixada santista em 1996, quando os integrantes subiram no palco usando camisetas de futebol diversas, o Shelter e seu diferenciado “krishnacore” acabaram virando queridinhos do público brasileiro. O grupo é liderado pelo gente finíssima Ray Raghunath Cappo, um dos pioneiros do movimento straight edge e também fundador do Youth of Today, que seria o “embrião” de outros grandes nomes da cena como CIV e Judge. E a New Direction Productions finalmente acabou com a sede dos fãs: após 24 anos, o Shelter retornaria às terras tupiniquins para duas apresentações, uma em São Paulo, ao lado de grandes nomes do cenário paulista, e outra em Curitiba, no Basement Cultural. De resto, São Paulo estaria passando por uma semana incrível para os fãs de punk e hardcore: Madball no Espaço Usine (9/12), Zumbis do Espaço na Jai (13/12) e Descendents e Circle Jerks no Terra SP (14/12) e no Hangar 110 (15/12).

A segunda metade da semana seria um prato cheio especificamente para os devotos do Shelter, visto que o show não seria o único evento envolvendo a banda. Na quinta-feira, dia 12, Cappo esteve no Tendal da Lapa para dar uma aula ‘pocket’ de yoga gratuita, para todas as idades, também conduzindo uma conversa que ia do punk ao celibato. Também houve uma sessão de autógrafos de seu livro, “De Punk a Monge”, que teria sua festa de lançamento oficial no dia seguinte, no Urbã Cozinha Vegana. Este que vos escreve esteve no lançamento do livro (cobertura mais completa que essa você não acha) e posso afirmar não só que Ray é um tesouro de pessoa, super simpático, atendendo um por um os fãs, sempre com um sorriso no rosto, mas também que estava muito animado para o show, perguntando para cada um que passava: “Te vejo no domingo?”

Os serviços começaram cedo no Carioca, com as portas abrindo por volta das 16h e a primeira banda, Against the Hero subindo mais ou menos meia hora depois. A Cardeal Arcoverde em si, rua da casa, estava cheia, mas eram poucos os que já tinham entrado para ver os shows. Os paulistanos subiram no palco diante de um público ainda singelo, tímido, mas não completamente desanimado. Os integrantes esbanjavam uma energia boa, agradeciam constantemente a presença dos fãs, os produtores do evento, e dava para ver que rolava uma felicidade genuína na performance. Recentemente, passaram por algumas trocas de formação, indo de dois vocalistas para um só, mas, mesmo assim, conseguiram segurar bem e executar um repertório que mesclou temas antigos e mais novos com facilidade.

Meia hora após os últimos acordes da AtH, chegava a hora do Mais que Palavras, grupo Brasiliense com mais de uma década de estrada. O vocalista começou interagindo com o público, agradecendo a presença dos novos e velhos amigos, e reconhecendo o esforço que todos fizeram para estar lá. Como boa parte dos grupos de hardcore e punk, sua mensagem política era óbvia logo de cara, com três bandeiras no palco: uma da Palestina, ao centro, uma da antifa sob um dos  amplificadores e outra vermelha e amarela do Brasil, estampada com as palavras “poder popular” no bumbo. A pista já estava bem mais cheia, mas o público ainda não havia esquentado completamente, com nenhum pit tendo aberto ainda – já os two steps eram comuns.

Diferente do som mais melódico da banda que veio antes, o grupo apresentou meia hora de brutalidade, com pedradas auditivas puras. É aquele tipo de hardcore que transmite uma insatisfação real com o status quo, que os integrantes estão realmente inquietos, exigindo mudanças. A energia do vocalista, Manoel Neto, adepto do veganismo, straight edge e da fé Vaishnava, refletia exatamente isso: ele corria e pulava pelo palco, sempre incentivando os fãs a se animarem junto. Mesmo assim, havia horas em que ele se abaixava e “mandava a real” com os fãs, falando sobre a importância do Shelter para a trajetória dele, sendo uma das primeiras bandas que ele viu ao vivo.

Pontualmente às 18h40, subia o Bayside Kings, atualmente um dos maiores nomes do hardcore nacional. Conhecidos por seus shows enérgicos e caóticos, não seria surpresa se eles tivessem o mesmo poder atrativo que o próprio Shelter. Após uma sirene tocada nos PA, um vídeo introdutório e os agradecimentos que não poderiam faltar, Milton Aguiar, o vocalista, falou uma frase simples, mas efetiva: “São Paulo, é show de hardcore que vocês querem? Então é isso que vocês vão ter.” Começaram fortes, com A Consequência da Verdade, e a troca na energia era palpável: Aguiar nem precisou soltar o primeiro verso, “não tem como fugir, muito menos se esconder”, que uma massa de gente foi correndo para a frente do palco. O vocalista, percebendo o interesse dos fãs, se abaixou e cedeu o microfone a eles na hora do refrão. Continuaram com uma trinca de peso: Pare(ser), O que Você Procura Aqui? e O Inexistente Eu.

Aguiar também chegou a revelar a importância que essa data tinha para ele: “Há 24 anos atrás estava tentando estar no show do Shelter em Santos e fui barrado por não ter idade suficiente ‘pra’ estar lá ‘metendo o louco’, então é muito louco estar aqui abrindo ‘pra’ eles”. Deram sequência com Todos os Olhos em Mim, de seu EP TEMPO #LIVREPARATODOS, lançado pela Olga Music em 2022. Dizer que os devotos que permaneciam na frente do palco estavam apenas cantando seria um desserviço, pois estavam dando tudo de si, ecoando cada palavra a plenos pulmões e atingindo um volume similar ao da própria banda. Outro projeto que o repertório destacou bem foi o mais novo EP, (R)EVOLUÇÃO, que foi tocado na íntegra ao longo do show.

O público já estava completamente aquecido: já haviam acontecido alguns stage dives e a parte da frente da pista estava completamente tomada por two steps. Era óbvio que o som deles tinha uma pegada muito mais jovem, porém estavam conseguindo animar o público todo, que ainda não lotava a casa, mas compunham mais ou menos 70% da lotação da pista. Um dos aspectos que tornam os shows do Bayside Kings tão caóticos são os itens trazidos pela banda: boias, bolas, macarrões de piscina etc. Desta vez, por alguma razão, não fizeram parte do show, que ocasionou indignação em alguns fãs, que gritavam no final do show: “Cadê a boia?” Acabaram fechando com Entre a Guerra e a Paz, Ronin e Existência, totalizando 15 músicas em pouco menos de 40 minutos.

O Bayside desceu do palco às 19h15, e o Shelter só começaria às 20h. Os mais ou menos 45 minutos de espera só não foram completamente agonizantes por conta da discotecagem do Thiago DJ, que segurou bem a galera. Neste meio tempo, uma coisa ficou clara: o público tinha vindo ver só o Shelter. Como já disse antes, a casa não estava completamente vazia antes deles, mas também estava longe de cheia. Poucos minutos antes de os headliners subirem, não parava de chegar gente. Não chegou a ponto de ficar que nem o Descendents no dia anterior, que estava intransitável, mas ainda assim, estava praticamente lotada.

Perto das 20h10, ao som de um mantra que ecoava do PA, mãos e celulares iam ao ar, ansiosamente antecipando os nova-iorquinos. Foi com Message of the Bhagavat, mesma música que inicia o icônico Mantra, disco que os trouxe pela primeira vez ao Brasil, que começou o show, com a energia lá em cima, para dizer o mínimo. Ray Cappo, vestido que nem aquele seu tio que tem uma casa na praia e passa o réveillon com a família, estava no meio do palco, com as mãos no ar, repetindo o mantra do começo da música, acompanhado do guitarrista e seu amigo de infância, John Porcell (que já havia passado pelo Brasil, trazido pela NDP, com o Values Here, seu novo projeto). E foi só o vocalista começar a pular que o caos reinou. A pista inteira era dominada por um pit que crescia a cada segundo e não demorou muito para começarem os stage dives, a ponto de Ray, que dava piruetas pelo palco, subindo e descendo dos monitores de retorno, não conseguir cantar o refrão.

Seguiram a ordem de Mantra com Civilized Man, mas àquela altura o público estava tudo menos civilizado. Um clima de euforia pura dominava o Carioca, com emoções à flor da pele, algo muito genuíno, uma felicidade bastante profunda. Cappo até começou a música de costas, ofegante, tentando se recuperar do estrondo que foi a anterior. Ele nem tentou cantar o primeiro refrão, jogou direto para o público – e certamente não foi por falta de voz, que nem alguns outros artistas fazem.

Depois, tivemos o primeiro discurso de Ray, o que acabaria virando um acontecimento constante: a cada intervalo, ele tomava um tempo para falar alguma coisa, mas eram sempre comentários pertinentes e motivadores. “Muito obrigado, amamos o Brasil. Esperamos muito tempo para voltar, e estou muito feliz por estar de volta a São Paulo. Queremos muitas coisas nesse mundo, mas uma me fará feliz – não são coisas, coisas não me deixam feliz. Quando somos gratos, é isso que nos deixa feliz. O mundo tem tanta coisa, mas sempre esquecemos das pequenas gratidões.”. Pegando esse embalo, introduziu Appreciation, também do mesmo álbum. A energia era tanta que o vocalista estava até ofegante enquanto falava.

Eram tantos crowdsurfs que nem tinha como pegar todo mundo. Toda vez que Ray descia para a parte inferior do palco para cantar os refrãos, um mar de mãos subia para ajudá-lo. Todos que subiam no palco para ajudar iam com um brilho no olho, abrindo um sorriso de orelha a orelha na frente de Ray, e ele emanava uma energia positiva, refletindo o mesmo sorriso aos fãs, maravilhados. Empathy foi exatamente assim.

“Todo dia temos a opção de melhorar nossa vida ou piorá-la. Nossa comida pode melhorar-nos ou degradar-nos. Nossas amizades, a mesma coisa. A mídia que consumimos, pode nos deixar mais bravos e intolerantes ou nos puxar para cima. Cantem comigo, essa é mais antiga: Better Way.” No final, Cappo não conseguiu deixar de demonstrar emoção: “Isso é tão divertido!”.

Passou para When 20 Summers Pass refletindo: “A vida passa tão rápido. Quantos de vocês já viram o Shelter aqui no Brasil? Parece que foi ano passado. Isso tudo me faz pensar: o que eu quero na vida, o que quero para mim? Isso me leva cada vez mais para minha vida espiritual. Aprendi a ver Deus em todos, e agora o que mais quero são conexões profundas.” 20 Summers, especificamente, foi o álbum divulgado da última vez que o Shelter veio para o Brasil, em 2000, então fazia sentido rolar aquela sensação de ter sido ontem. Os fãs mostraram ser incansáveis, as rodas não paravam, os stage dives se tornavam mais frequentes e não eram sempre as mesmas pessoas pulando, apesar de que alguns que passavam mais tempo no palco do que na pista.

“Quantas pessoas querem melhorar a vida agora? É muito simples, mas é difícil. Escute: não critique, não ache culpa nos outros, não aponte o dedo para os outros, não reclame mais da vida, tome a responsabilidade completa por sua vida, vá para frente, ache o lado bom das pessoas.” Saber que Ray realmente foi devoto a essa filosofia é o que torna seu o discurso ainda melhor, mais real e mais efetivo do que o de qualquer coach. In Praise of Others é mais tranquila, com um quê mais introspectivo, mas, independentemente disso, a galera não parou um segundo.

Mantra foi um momento realmente mágico, com todo mundo em sintonia, cantando junto, pulando do palco, abraçando Ray. O caos foi tanto que acabaram até puxando o cabo do microfone e soltando-o, mas o público cantava tanto que nem deu para perceber quando a voz parou. Era possível sentir o impacto profundo que aquele disco teve em cada um dos fãs que estavam lá naquele domingo à noite Depois de agradecer o time inteiro que fez essa turnê possível (produtores), Cappo disse: “Só o amor é verdadeiro. Quero amor, quero luz, quero conexões. Cantem comigo, essa é In Defense of Reality.”

Aproveitando que um fã havia deixado uma cópia de seu livro na parte inferior do palco, pegou-o e disse: “Acabei de lançar um livro em português, contando minha história, chama From Punk to Monk (em um português bem torto, De Punk a Monge). Nele eu falo sobre meu começo no Youth of Today, depois sobre como acabei indo pra Índia e, já monge, sobre os primórdios do Shelter, com esses caras (apontando para a banda).” Deu sequência com Hated to Love, de Beyond Planet Earth. “Às vezes, as piores coisas acabam sendo as melhores. Às vezes, precisa chover, chover e chover para que cresçam as flores.” O que veio foi Song of Brahma, que mesmo com acordes dissonantes no começo, consegue ser feliz e motivadora. Durante ela, alguns fãs conseguiram cantar o refrão com Ray na parte inferior do palco, mas quando um deles tentou subir no palco para cantar com um dos microfones de lá, foi barrado pela produção.

“Tem tanta dor, não só entre nações, não só entre democratas e republicanos, mas até em relacionamentos em família. Então, precisamos, como família, cantar juntos e levar essa música a sério. Cantem, essa vocês conhecem.” Em uníssono, as mais ou menos mil pessoas que estavam lá cantaram a clássica We Can Work it Out, dos Beatles, a plenos pulmões. Surpreendendo aqueles que ficam olhando setlists na internet, a icônica linha de baixo “groovada” de Saranagati (que nem estava no setlist impresso) começou, e uma onda de animação passou pelo público. Por conta de sua levada ligeira no chimbal, estilo vocal diferente e incorporação de samples e sons mais “tradicionais” de culturas orientais, sua versão gravada acaba lembrando um pouco os primeiros trabalhos do System of a Down, que no mesmo dia deixaria os fãs brasileiros com o coração na garganta, postando um teaser que já rolava há um tempo nas ruas de São Paulo.

Diferente do “normal”, Cappo convocou banda e fãs para fazerem uma foto antes de terminar o show, faltando uma música ainda. A última foi aquela que “começou tudo”: com o baixista cantando a introdução, começou Shelter, um verdadeiro hino de devoção a Krishna, sempre muito mais enérgico ao vivo do que na versão de estúdio.

Errado está aquele que acha que só pelo Shelter ser Krishna, só por ser straight edge, que o público seria parado, chato. Muito pelo contrário. Tudo que o público pode não ter nem comparecido, muito menos animado durante as performances das bandas de abertura, de certa forma compensou com os headliners no palco. Tocaram 15 músicas e durante todas as 15 tinha pessoas pulando do palco e um mosh pit absurdo que consumia grande parte da pista.

Uma coisa que notei bastante em Ray, tanto durante o show quanto no lançamento de seu livro, foi exatamente a conexão profunda que ele mencionou. Primeiro de tudo, é muito difícil hoje em dia algum artista de nome reservar o tempo que ele reservou para fazer eventos única e exclusivamente em prol dos fãs. Além disso, Ray não estava apenas promovendo seu livro e suas músicas, mas seu estilo de vida, sua ideologia. Para muitos, o show do Shelter era muito mais que um show, era um ritual e Cappo era muito mais que um vocalista, era um guia.

O show mal durou uma hora, mas as memórias desse dia durarão uma eternidade.

Against the Hero setlist:

Minha Cruz

CDD

Exímio Cidadão

Sacrificado nas Mãos de Punhados

Emergir

Behind the Scenes

Darkness Battle

Nas Mãos de Quem?

Como Nossos Pais

Mais que Palavras setlist:

Peso das Palavras

Linhas Imaginárias

Trabalhar

Pormenores

Desapego

Ganhos

Dual

Aqui e Agora

Leões

Bayside Kings setlist:

A Consequência da Verdade

Pare(ser)

O que Você Procura Aqui?

O Inexistente Eu

Todos os Olhos em Mim

Bushido

Seguindo em Frente

Na Dor/O Amor

(Des)Obedecer

Miragem

Tempo e Espaço

#LIVREPARATODOS

Entre a Guerra e a Paz

Ronin

Existência

Shelter setlist:

Message of the Bhagavat

Civilized Man

Appreciation

Empathy

Better Way

When 20 Summers Pass

In Praise of Others

Mantra

In Defense of Reality

Hated to Love

Song of Brahma

Here We Go

We Can Work it Out (Beatles)

Saranagati

Shelter

 

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