Texto e fotos Daniel Croce
O problema de você ser parte de uma banda tão icônica quanto Guns N’ Roses é que isso irá te assombrar para todo o sempre enquanto você viver e tiver uma carreira ativa. Acho até nos dias de hoje o quão assustador é uma banda com 3 discos de estúdio (dois deles tecnicamente um disco duplo), um EP e um disco de covers. Isso na fase dita “clássica”. Lançaram outro de estúdio quase 20 anos depois que mais pareceu um parto de fórceps dadas as trocas quase mensais de músicos e ataques de estrelismo por parte do vocalista, pianista e um dos principais compositores. Álbum esse que é “ok”, “passa”, mas não é brilhante. Sinceramente, acho muito pouco produto lançado no mercado para se considerar uma banda gigante. Porém… Ela o é, fazer o que?
Confesso que não sou grande fã do senhor Saul Hudson. Em parte por achar que no referido Guns N’ Roses, ele era suficientemente polido e tolhido pelos produtores, a ponto de tornar o resultado final em algo bem comercial e vendável para o maior número de pessoas “comuns” possíveis. Além disso, o universo dos guitarristas dos anos 80 era hiper povoado por mestres muito mais capazes, literalmente a era do guitar-virtuoso. A nomear alguns pares de Slash, contemporâneos de cena: Paul Gilbert, Warren DeMartini, George Lynch, Dave “Snake” Sabo, Scotti Hill… isso citando os que me vêm rapidamente à cabeça.
Porém, a materialidade dos fatos é um muro de vergalhão e concreto intransponível, e não dá para lutar contra a realidade. Um pedaço considerável de seres humanos amam GnR e louvam a persona de alguns de seus membros: o pavão William Bayley, mais conhecido no mundo do crime como Axl Rose, e nosso amigo supracitado de cartola entusiasta de Gibson Les Paul.
Com uma apresentação beirando o lotado no Qualistage, apresentando músicas de seu quarto esforço “mais ou menos” solo, no mínimo Slash prova para nós e para si que deseja ter uma longevidade distante da sombra de sua banda principal. Digo “mais ou menos” porque sabemos que existe outro cara ali que faz toda a diferença e – graças a Deus – não é Axl Rose. Atende por Myles Kennedy, e canta numa das melhores bandas já surgidas nos últimos 20 anos, Alter Bridge.
De fato, sem Myles, as coisas seriam bem diferentes: em entrevista com ambos, o método de composição foi revelado como sendo um pingue-pongue. Slash manda ideias de riffs e bases, e Myles – o qual possui algumas graduações em jazz – completa o quebra-cabeças juntando partes com letras e melodias de voz. Não à toa o nome da banda é Slash feat Myles Kennedy. Era o mínimo. Essa operação toda não se sustentaria se os dois não fossem sinérgicos.
Com um material invejável ao seu favor, contando quatro discos, três dessa sólida formação, e o primeiro com um “ensemble cast” de vários convidados, e somando dois álbuns do Slash’s Snakepit, o grupo montou um extenso set list de 24 músicas e somente uma do Guns N’Roses. Seria uma “Sweet Child o’ Mine”? Ou uma “Paradise City”? Não. Uma faixa jamais tocada ao vivo de “Use Your Illusion 1”: notadamente “Don’t Damn Me”. Decisão corajosa, porém acertada. Sem contar os belíssimos covers de “Always on the Run”, de Lenny Kravitz, a qual, porém, conta com a participação de Mr. Hudson na gravação, e “Rocket Man”, do imortal Elton John. Notadamente Slash a executou num lap steel/pedal steel guitar, ou como vulgarmente chamamos “guitarra slide”, e Brent Fitz no teclado, deixando seu espaço na bateria para seu roadie-drum tech.
Aliás, os Conspirators também são atração à parte, em especial a cozinha, formada pelo pedreiro Fitz, além de fazer backing vocals afinados e assumir o teclado como mencionei antes. Frank Sidoris na outra guitarra deve estar feliz feito pinto no lixo, já que há mais de década seu chefe deve ter lhe dado um “senhor” contato na Gibson Guitarra, e segura as bases ali para o patrão fazer o que sabe fazer melhor. Mas o destaque mesmo eu jogo para o baixista e excelente cantor Todd Kerns. Assume os vocais principais nas já mencionadas “Don’t Damn Me” e “Always on the Run”, além de “Doctor Alibi”.
“Notícias sobre meu mau estado de saúde foram obviamente superestimadas”. Dizem as más línguas que Myles Kennedy ainda se recupera de alguma enfermidade. Não notei. Continua para mim sendo a razão principal de se assistir a um show do “SMKC”. Ainda que receba a ajuda providencial de Todd Kerns, brilha fácil em canções de tom altíssimo como “Starlight”, “Back from Cali”, “World on Fire” e o super hit “Anastasia” que encerra o bis.
Acho importante salientar o quão importante é uma cobertura feita por mídia especializada, de músicos para músicos, de fãs de artistas para outros. Porque se deixar tudo na mão da imprensa hereditária, nem Slash, nem Myles nem ninguém teria direito a ter outras bandas, outras direções. O que eu andei lendo por aí de “por que ele troca tanto de guitarra?”, “o que representa a vinda de Slash para o Brasil sem o Guns N’Roses”, não está no gibi. Aliás, a graça de uma banda com um guitar hero é exatamente ele desfilar um arsenal de vários instrumentos, não somente Les Pauls como Flying V’s e Explorers. Fica a dúvida se esse pessoal não preferiria estar vendo a turnê de 25 anos do Jota Quest no lugar. Ou ter ficado em casa.
A abertura coube à banda com base nos EUA, porém multiétnica, do Velvet Chains. Seria esse nome um Mash UP de Velvet revolver com Alice in Chains. Uma mistura de hard rock com grunge? De qualquer forma, não é a primeira vinda deles. Já os vimos em abril de 2023, quando na ocasião do Summer Breeze Open Air Brasil e das Summer Party em outras cidades.
Não sou muito nem fã de grunge nem de hard rock dos anos 80 – algumas bandas pontuais no máximo – e por acaso é a mistura que eles tentam fazer. Dá certo? Às vezes sim, às vezes não. Quando dá certo é ok, é divertido, mas quando não dá, parece por demasiadamente genérico. Acho que é um caso de correção de rota em termos de estilo a se seguir, influências a se ouvir. Nada pessoal.
Velvet Chains – Setlist:
Wasted
Back On the Train
Enemy
Eyes Closed
Stuck Against the Wall
Suspicious Minds (Elvis Presley)
Last Drop
Tattooed
Slash feat. Myles Kennedy & the Conspirators – Setlist:
The River Is Rising
Driving Rain
Halo
Too Far Gone
Back From Cali
Whatever Gets You By
C’est La Vie
Actions Speak Louder Than Words
Always on the Run (Lenny Kravitz, Todd Kerns no vocal)
Bent to Fly
Sugar Cane
Spirit Love
Speed Parade (Slash’s Snakepit)
We Will Roam
Don’t Damn Me (Guns N’ Roses, Todd Kerns no vocal)
Starlight
Wicked Stone
April Fool
Fill My World
Doctor Alibi (Todd Kerns no vocal)
You’re a Lie
World on Fire
Bis:
Rocket Man (Elton John)
Anastasia
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