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SLAVERY – Início, meio e fim… A verdadeira história do Slavery

O Slavery foi uma banda que marcou uma geração, sendo uma das precursoras do Death Metal soteropolitano e brasileiro, que ajudou a desbravar os caminhos para a perpetuação do metal extremo nordestino. Muito se falava e pouco se sabia à respeito de toda trajetória da banda. Atendendo também aos muitos pedidos de todos que nos escreveram, convidamos o fundador da banda David Santanna para uma entrevista reveladora e muito franca à respeito de como tudo aconteceu, um completo relato sobre o início, meio e fim de uma banda que lutou arduamente para continuar sua carreira, mas que infelizmente findou suas atividades pelos motivos explicados aqui.

David Santanna, Foto por: Acervo Pessoal

Se não me engano, tudo começou com a dissolução da sua primeira banda Fright Night que também participava o Luiz Omar que hoje está no Inner Call. Nos conte como surgiu o início das atividades do Slavery…

David Santanna – Sim isso mesmo, mas antes da banda Fright Night eu tinha outra banda chamada Beemot, isso foi no final de 1986 com Adailton, Henrique e Tarcildo. E tínhamos influências do Possessed e do Destruction, quando eu ouvi o disco Sentence Of Death gostei muito e queria trabalhar seguindo essa linha.

O Luiz Omar tinha se mudado de Minas Gerais para Salvador, eu gostava muito de death/thrash metal com a voz mais agressiva, gutural, e o Luiz Omar estava mais ligado a uma vertente para o Thrash Metal e ele gostava muito de Exodus, Metallica e enfim, nós tentamos fazer uma fusão na banda e iniciamos nossos ensaios que eram realizados em minha própria residência.

Eu tinha uma casa vazia onde montamos a bateria e nossos amplificadores, e convidei o Fábio para tocar o contrabaixo, na época ele era meu aluno na realidade. Comecei a dar aulas de músicas muito cedo.

Fábio, Foto por: Sérgio “Baloff” Borges (Gentilmente cedida de seu acervo pessoal)

A Fright Night durou aproximadamente um ano e fizemos alguns shows, mas as nossas ideias divergiam referente aos estilos musicais. O Luiz Omar era um cara muito gente boa pra caramba, na época eu queria fazer um som mais agressivo e ele queria algo mais melódico, mesmo com tudo isso foi uma experiência muito boa.

Aí na dissolução da Fright Night no final de 1989 foi fundado o Slavery, eu criei a banda e coloquei um anuncio a procura de um baterista, na época o Quito da The Side War veio dar uma força pra gente, pois nessa época as bandas ensaiavam quase todas no mesmo estúdio, me lembro de algumas, o Crucificator, Chemical Death, The Side War e também o Mystifier ensaiava no mesmo estúdio.

Também o Canibal que era baterista do Chemical Death que deu uma força para nós em alguns ensaios e também me lembro de um fato bem curioso, eu e o Careca que era baixista do Chemical Death éramos muito amigos e tínhamos uma espécie de disputa para ver quem tinha mais discos, k7s e etc… época muito boa…

E falando nisso, eu tinha uma coleção de mais de dois mil LPs e com isso ajudei na abertura da extinta loja Blood, vendi cerca de seiscentos LPs de minha coleção para eles, entre esses LPs tinham coisas muito raras que eles disponibilizaram apenas para gravações. Bom os jovens que estão lendo essa entrevista não devem estar entendendo muito bem. Como não tínhamos internet e muito mesmo MP3, as lojas disponibilizavam gravações em fitas K7, assim quando as lojas tinham materiais muito raros, eles não vendiam os materiais e por uma certa quantia eles gravavam em fita K7.

Bom voltando a pergunta….

Teve um momento que eu não queria mais que o Slavery tivesse membros de outras bandas, pois chegou um determinado momento que a banda estava sendo penalizada porque deixávamos de ensaiar e se apresentar, pois eles tinham suas bandas principais e que estavam em primeiro plano.

Cristhiano Silva, Foto por: Sérgio “Baloff” Borges (Gentilmente cedida de seu acervo pessoal)

Daí como já falei aqui que coloquei um anuncio procurando baterista, uns meses depois chegou o Lyo Holf, foi um fato bem engraçado, no primeiro teste que fiz com ele vi que ele não tocava nada, mas tinha muita vontade de ser baterista. Então marcamos um dia em um estúdio e fui ensinando a ele como se fazia as batidas, e ensinei a ele o que a Slavery precisava. Ele foi estudando e praticando até chegar a ser um dos maiores bateristas de Salvador.

O Lyo se tornou um baterista tão respeitado que tempos depois chegou a ser chefe do setor de percussão de uma grande loja que existia aqui na cidade, a Foxtrot.

E na dissolução da Fright Night e com o surgimento do Slavery, começamos a fazer alguns shows ainda sim, com o baterista emprestado do The Side War, uma banda de Death Metal que existia aqui em Salvador e todos morávamos perto. Nessa época eu residia no bairro de São Caetano e o pessoal era da cidade baixa, sempre nos domingos a gente se reunia pra bater papo e ouvir música.

Nessas reuniões que o Slavery surgiu, na época eu já estava com as músicas para gravar a demo Eternal Sleep, gravamos essa demo e começamos a espalhar. Naquela época era underground mesmo, não existia a internet de hoje onde com um click as informações chegam para todos na mesma hora, nós tínhamos que ralar muito nas gravações e enfim… o Slavery foi formado assim.

Como mencionado acima, em 1990 vocês lançaram a primeira demo “Eternal Sleep”, foi o primeiro material a ser divulgado pelo Slavery. Como foi a divulgação e a receptividade na época?

David Santanna – A demo Eternal Sleep foi feita como dizemos aqui, “Na tora”, o primeiro fator foi a nossa condição financeira. Essa demo foi gravada em um estúdio de ensaio, não tínhamos dinheiro suficiente para bancar uma gravação em um estúdio profissional, pois seus períodos eram muito caros e também não tínhamos apoio de nada.

Nós éramos adolescentes, eu tinha 16 ou 17 anos na época e todos nós tínhamos mais ou menos a mesma idade. Sendo assim juntamos um pouco de dinheiro e fomos pro estúdio e fizemos uma gravação ao vivo. Sem nenhum tipo de recurso mais avançado, nada de pistas e mixagem, nada!

Era 1234, o pau comia e vamo que vamo!

Fizemos essa demo em dois dias, ajeitamos uma capa e lançamos. Os arranjos das músicas já estavam prontos e inclusive tinham algumas músicas que eu compunha para a Fright Night.

Pois na realidade o Slavery foi formado em meados de setembro e outubro de 1989 quando terminou a Fright Night, na outra semana eu já tinha o logo do Slavery e os ensaios se iniciaram.

Ensaiamos, fizemos as músicas e os arranjos, levamos pro estúdio e gravamos a Eternal Sleep.

A repercussão foi boa em termos de Brasil e começamos a espalhar também pelo mundo a fora, mas não se comparava com as demos produzidas lá fora, porque nos países de primeiro mundo as bandas tinham recursos financeiros para fazerem produções melhores e aqui era muito difícil.

A maioria das bandas daqui gravaram assim, iam nos estúdios de ensaios, faziam as gravações e partiam a procura de uma gravadora. No ditado popular, “na tora”, que saiu a demo do Slavery, mas foi boa e na época a gente conseguiu conquistar a atenção das pessoas.

Esq. para Dir.: Fábio, Lyo Holf, David Santanna e Cristhiano Silva, Foto por: Osvaldo S. de Souza

E dois anos depois da demo, a banda assinou com o extinto selo Bazar Musical Records para o lançamento do até hoje muito aclamado primeiro LP, To Kill In Cold Blood. Como surgiu essa oportunidade de lançar em 1992 o primeiro álbum?

1992-To Kill In Cold Blood “Primeiro Álbum”

David Santanna – Uma observação, depois da demo Eternal Sleep lançamos mais uma demo chamada Burial To Crowd e obtivemos uma repercussão muito melhor, as músicas estavam mais trabalhadas e com essa demo que pintou a oportunidade de assinarmos com a Bazar Musical.

O Júnior foi uma pessoa fundamental na cena underground de Salvador e também o Estevam da extinta Maniac Records que traziam as bandas de fora do estado e colocavam as bandas locais para abrirem os shows.

Me lembro de ver nesses festivais que eles organizavam bandas que também estavam muito ativas na época e que eu gostava muito, o Mercy Killing do Léo Barzi, Thrashmassacre, Crânio Metálico e Zona Abissal que também era uma banda muito boa e que infelizmente também se dissolveu.

E antes da Maniac Records existia uma loja no edifício Cruz de Malta que acredito ser a primeira loja em Salvador a vender discos de Heavy Metal chamada Pounding Metal que era do Dimas, lá a galera se encontrava para trocar umas ideias e foi uma época muito especial para mim.

Eles movimentavam as coisas por aqui e o Júnior em especial tinha uma visão de crescimento de tornar a Bazar Musical uma gravadora grande, era um cara que tinha ideias muito legais e convidou a gente para lançar o nosso primeiro disco. Mas também não obtinha recursos financeiros suficientes.

Se o Júnior não tivesse falecido na época por causa de um acidente que traumatizou muito a gente, acho que as coisas em Salvador deveriam estar em outra pegada, porque a intenção dele era ter uma gravadora de grande porte, ele pensava grande e ele queria muito apoiar várias bandas.

O The Cross na época também iria lançar o split LP com o Chemical Death… enfim… passamos a fazer vários shows juntos, Slavery e The Cross.

The Cross é uma banda muito boa do amigo Eduardo Slayer, uma figura ímpar que abraçava a bandeira do Heavy Metal aqui em Salvador e que levava muito a sério o que estava fazendo, as bandas eram todas amigas. Uma época muito legal.

Slavery ao vivo, Foto por: Sérgio “Baloff” Borges (Gentilmente cedida de seu acervo pessoal)

Como foi toda concepção desse álbum?

David Santanna – Enquanto ouvíamos os discos recém lançados de bandas como Obituary e Deicide, na época do primeiro álbum com uma puta gravação com caixas Marshall, guitarras BC Rich e Jackson, uma estrutura impecável, bateria trigada que proporcionava o som dos bumbos mais agressivos e enquanto nós estávamos aqui em outro naipe.

Gravávamos com uma caixinha de distorção, uma guitarra meia boca e essa era a realidade.

O estúdio em que gravamos tinha oito canais, aquela gravação de rolo que parava e voltava tudo de novo quando errávamos. Não tínhamos os recursos de hoje, por exemplo, como no pro-tools que tem a possibilidade de concertarmos tudo que quisermos, dá pra editar nota por nota e naquela época não, tínhamos que tocar mesmo e colocávamos o grid e ir atrás sem quase nenhum recurso.

Esse disco foi gravado completamente em poucas horas, deram pra gente três períodos onde cada período tinha seis ou sete horas, não me lembro bem. Então eu gravei guitarra base junto com o Cristhiano Silva, depois gravei as guitarras solos com tudo muito apertado em termos de horário e tecnologia.

Era o estúdio Livre na época, que depois se transformou no estúdio Dória que avançou e dispunha de mais recursos.

O que quero pontuar é que o disco foi muito bom em relação ao que tínhamos na época, eram poucos recursos. Uma breve comparação: “…é como se fossemos pra guerra lutar com armas atrasadas enquanto lá fora os caras tinham canhões e armas com mira laser…”, os recursos lá de fora eram realmente de outro mundo, mas deu pra fazer o To Kill In Cold Blood e lançamos com uma repercussão muito bacana.

Eu acho que o LP nas condições que foram feitas, nos recursos que foram usados acho que saiu um resultado positivo e também apesar de eu ter gravado as vozes todas em um só dia. Tive cinco horas para gravar todas a vozes, cansava, descansava dez minutos e já voltava para dobrar os vocais. Não é como já era feito lá fora, que você grava e ouve, conserta a voz caso necessário.

Naquela época de 1989/1990 já funcionava assim, mas aqui em Salvador infelizmente não, mas foi um disco positivo.

E lembro que dentro desses três períodos já falado acima, você sentava na bateria e o tempo já estava contando, levava cerca de duas horas só para passar a bateria, micro afinar peça por peça, tirar um som de guitarra onde eu fazia uma guia para gravar a bateria, depois apagava a guia. Foi um bom resultado no contexto em geral.

A capa foi feita em uma noite, pois o Júnior tinha apresentado uma capa pra gente que não ficou legal, aí fui procurar o Roberto Silva e fui dando as ideias para o Robertinho à respeito do eu queria para atingir o contexto do álbum que em sua tradução é “Matar a Sangue Frio” e fizemos a capa em cerca de quatro horas. Foi tudo muito rápido, montamos a capa e a tecnologia era a base de desenhos manuais com lápis e de que depois eram pintados com tinta acrílica sob o papel schoeller.

Hoje todos vão para seus computadores e fazem capas espetaculares e naquela época tínhamos que espremer leite de pedra na mais pura realidade. As pessoas talvez olham o disco e falam isso ou aquilo poderia ficar melhor, mais legal… Sim… tudo poderia ficar melhor se tivéssemos dinheiro e recursos adequados.

As fotos foram tiradas numa manhã, chamamos um fotografo fez as fotos de maneira muito rápida e que revelou e entregou para a gente a tarde, montamos tudo e entregamos para o Júnior.

Me lembro que armamos uma ponte com a Cogumelo Records onde ele trocou muitos discos, também com a Hellion na época da amiga Angela e a vendagem foi expressiva, tanto que se passaram seis meses depois desse lançamento e já estávamos compondo para um novo disco que veio a ser o Immortal Dismalness.

Mas foi uma coisa difícil e rápida, as vezes as pessoas não tenham noção, que acham que é tudo bonito que você entra num estúdio e fica um tempão lá, como é feito lá fora com grandes bandas.

Era tudo cronometrado, entravamos e não poderíamos perder tempo. Vamos, vamos, vamos… E gravação não é isso, gravação é uma arte e que hoje felizmente todos tem outra visão das coisas como funcionam.

Talvez se hoje eu pegasse o To Kill In Cold Blood para refaze-lo, nossa! sairia o trabalho muito superior, pois amávamos os arranjos que nos influenciavam feitas pelas bandas lá de fora e que eram fantásticos, como Morbid Angel, Deicide e Immolation que faziam as coisas acontecerem.

E em uma letra desse disco eu compus junto com o Tony, que era guitarrista da The Side War e que tínhamos muita aproximação, nós éramos muito amigos, com a parceria dele fizemos a música “Devil’s Triangle” que falava de todo mistério pro trás do até hoje muito temido, triângulo das bermudas.

Esq. para Dir.: Cristhiano Silva, David Santanna, Lyo Holf e Fábio, Foto por: Osvaldo S. de Souza

De fato esse disco repercute até hoje. Como foram os shows pra divulgação do álbum?

David Santanna – Como falei, a repercussão foi muito positiva pra época com as ferramentas que nós tínhamos nas mãos. O Júnior na época viajou para Minas Gerais onde trocou as figurinhas, levou alguns discos na época para os Estados Unidos e eu peguei um punhado de discos também, para você ter uma noção, recebíamos os pagamentos em LPs, pois ninguém tinha dinheiro para pagar direitos autorais como acontecia com as bandas lá fora. Onde as bandas lançam um disco e já recebem o pagamento em dinheiro, também recebem por shows e as coisas passam a acontecer para as bandas, as bandas conseguem viver profissionalmente e até mesmo porque eles têm um público alvo para atingir que é gigantesco.

Eu tinha contato com o pessoal da Cogumelo Records e mandei algumas cópias para o João, enviei para Angela da Hellion também que por sinal era uma gravadora muito legal, e lá pra fora também, gravadoras pequenas que existiam.

Eu tinha contato também na época com o Harald Nævdal (Demonaz Doom Occulta) do Immortal que enviei discos e que ele retribuía enviando discos também, assim fazíamos a divulgação.

Também tínhamos contato com o pessoal do Agressor da França, também com o pessoal da Itália… underground mesmo…

Trocávamos cartas e esperávamos cerca de 30 a 40 dias para nossos discos chegarem lá e mais esse espaço de tempo para receber as respostas.

Fizemos um show de lançamento e tocávamos muito com o The Cross, o Slavery e The Cross era como se fosse um “BAVI” (Bahia e Vitória), muito engraçado na época, mas também muito bacana. Tocamos em Salvador, depois fomos pra Feira de Santana, depois Sergipe e fomos fazendo alguns shows, dentro do que tínhamos para tocar, entendeu? não era como uma banda gringa que agenda shows para públicos gigantescos que dá um know how para ganhar dinheiro e investir em melhores produções.

A gente tinha que amadurecer “na tora”, infelizmente o mundo é capitalista e sem dinheiro não pra fazer nada, não dá para fazer uma boa produção no Heavy Metal e o público também não ajudava em algumas coisas, mas enfim…

Fizemos o show de lançamento no antigo clube Cruz Vermelha aqui em Salvador e se não me engano foi o The Cross que abriu o nosso show, não tenho certeza. Foi um show muito positivo e a partir daí a gente tentava ser cada vez mais profissional, ensaiávamos três vezes por semana já pensando no próximo álbum.

Trabalhávamos para esse álbum, mas já tínhamos os nossos pensamentos lá na frente e assim, não podíamos sair em uma turnê até mesmo porque também não tínhamos um empresário pra bancar isso. O Júnior tinha umas ideias “…vamos alugar uma van e vamos fazer shows no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo…”, mas depois de sua morte outras coisas vieram à tona, por isso que não teve tanta divulgação do disco To Kill In Cold Blood.

E foi isso, gravamos, lançamos, tocamos em Aracajú onde o Júnior estava presente, ele sempre acompanhava a banda, sempre muito junto. Na volta infelizmente ele teve um acidente fatal de motocicleta, em janeiro se não me engano após apenas alguns meses depois do lançamento de nosso primeiro álbum.

Então recomeçamos do zero, pois a gravadora não foi levada a diante. Todos nós recebemos um choque muito grande e foi uma perda irreparável.

Ele tinha uma loja muito bacana e tinha muitas ideias para turnês que infelizmente não chegaram a acontecer e que inclusive também não chegou a sair do papel o split LP do The Cross e Chemical Death. Os meninos fizeram boas gravações e a capa tinha ficado boa, que também foi feita pelo Roberto Silva, infelizmente este trabalho não se materializou devido a esse acontecimento trágico para todos nós.

Neste álbum a temática era bem obscura e diabólica, quais eram suas influências e líricas e musicais na época?

David Santanna – A gente ouvia muito Morbid Angel e Deicide, eu trocava muitas cartas com o Eric Hoffman que sempre foi um cara formidável.

Então a gente tinha a influencias dessas bandas e também do Slayer e Destruction, bandas que ouvíamos bastante e que a temática era mais ou menos assim. Nós ouvíamos e tocávamos alguns covers dessas bandas que gostávamos e aí surgiram as ideias para esse lado, e também para um Death Metal musicalmente mais trabalhado, que chamávamos assim na época.

Resumindo, as nossas influências eram essas aí, incluindo também o Agressor e uma banda que gostávamos muito, o Kreator.

No encarte do To Kill In Cold Blood, vemos um agradecimento especial para o Deicide, mostrando a relação entre eles e o Slavery. Vocês ainda mantem contato?

Resenha publicada no jornal A Tarde

David Santanna – Não mais, tinha um contato muito forte com Eric Hoffman e o pessoal do Deicide, também tinha muito contato com Harald do Immortal, muito gente boa.

Colocamos esse agradecimento especial devido ao nosso contato por cartas e que era o único modo que tínhamos. As ligações eram muito caras, pra bancar isso como seria? então tudo era underground.

Imagine você sem celular e sem a tecnologia de hoje, sentava e escrevia a carta em inglês pra turma contando o que estava acontecendo aqui e postava a carta, e essa carta levava 30 a 40 dias para chegar ao destino e esperava até três meses para receber a resposta.

Também tinham os fanzines lá de fora, do Canadá, da França e que eram muito bem trabalhados, pareciam até as revistas daqui que estavam saindo na época.

O Deicide exercia forte influência em nosso som, a gente curtia muito, mas não temos mais contato.

As coisas foram se dissolvendo e cada um foi para um lado, mais ou menos isso.

Depois da explosão do primeiro álbum, vocês assinaram com o maior selo do país na época, a Cogumelo Records. Como surgiu essa oportunidade de estar no cast dessa gravadora em seu auge no início dos anos 90?

David Santanna – Bom, depois do To Kill In Cold Blood amaduremos e trabalhamos melhor nos arranjos do Immortal Dismalness e quando já estava com o trabalho pronto em mãos, eu enviei para algumas gravadoras, entre elas Cogumelo, Hellion e algumas gravadoras lá de fora, na mesma época que estava surgindo o CD.

Não tenho certeza, mas acho que o Slavery foi a primeira banda de Salvador a ter um trabalho prensado neste formato, pois as bandas e gravadoras lançavam LPs e entre 1993 e 1994 saiu nosso primeiro CD.

Quando enviei para a Cogumelo Records, o próprio João ligou para minha residência “…queria falar com David… é ele que está falando… aqui quem está falando é o João da Cogumelo… oi! Tudo bem João?… David recebi seu material e poxa, gostei muito cara, muito legal…”, nessa mesma época ele estava lançando o Amen Corner, acho que era isso.

E dois dias após ele me chamou para fazer o contrato e queria lançar em LP, K7 e CD, mas primeiro iria sair em LP e depois sairia em CD junto com o K7.

E também passados mais dois dias o Moisés da Hellion tinha ligado para mim, mas eu não estava em casa, aí meu cunhado me falou que um pessoal de São Paulo tinha me ligado, retornei a ligação e não consegui falar.

Daí o Moisés me ligou novamente e falou, “…poxa David, vamos acertar tudo… gostei muito do som… vamos fazer esse contrato…”, mas eu já tinha enviado toda a documentação para a Cogumelo Records.

Talvez se a Cogumelo tivesse dado mais foco para o nosso trabalho, poderia ser melhor, pois eram muito poucas as propagandas nas revistas e também anúncios de páginas inteiras como faziam para as outras bandas.

E infelizmente não pude assinar com a Hellion que era uma gravadora que me despertava muito interesse, eles estavam crescendo e não queriam mais lançar LPs, estavam focados em produzir CDs e K7.

E como a Cogumelo propôs o lançamento também em LP que vendia muito, até mesmo porque na época poucas pessoas tinham aparelhos de CD (CD Players), a verdade era essa. E aí acabei assinando, pois logo após a ligação do João enviei toda documentação por sedex e o contrato não tinha chegado ainda, mas como tinha acertado em primeira mão com eles, mantive minha palavra.

Mas penso até hoje que se eu tivesse assinado com a Hellion a história poderia ter sido um pouco diferente. Não que a Cogumelo não fosse uma gravadora bacana, era uma das melhores gravadoras que tinham no Brasil, mas faltava um pouco mais de investimento em divulgação.

E assim como poderíamos fazer shows?, pois ficar investindo do próprio bolso para bancar certas coisas e não receber um cachê suficiente para manter a banda, manter uma banda é caro.

É preciso ensaiar, e quem paga os ensaios?, também tem a locomoção dos músicos, compra de equipamentos necessários e etc…

Depois do Palco do Rock que teve na época que as coisas melhoraram um pouco, pois a prefeitura pagava e todo o dinheiro nós investíamos em equipamentos, compramos guitarras Jackson, bateria Pearl e começamos a nos equipar adequadamente. Isso porque estava começando a pingar um dinheiro.

O mundo é capitalista e não podemos fazer absolutamente nada sem dinheiro.

E tinham gravadoras lá fora interessadas, tanto é que armei uma ponte para distribuição com a Roadrunner para o próprio CD Immortal Dismalness. Peguei um punhado de CDs e enviei, e também já estávamos focados no trabalho do terceiro disco para ser lançado por uma gravadora também do exterior e que viria a ser o Unborn Of Dust.

Esq. para Dir.: Mércyo Hussein, David Santanna, Lyo Holf e Fábio, Foto por: Linalvo Cerqueira

Eis que chega um lançamento histórico para a cena brasileira, é lançado em 1994 o Immortal Dismalness. E que na época a gravadora lançou em 3 formatos, LP, k7 e CD, já que o terceiro formato ainda não era muito comum. Como foi pra banda ter o seu segundo material lançado nesse modo inovador na época?

David Santanna – Foi muito legal! Como falei antes, não tenho certeza, mas acho que o Slavery foi a primeira banda a ter CD mesmo na mão. As bandas tinham LPs, por exemplo o Headhunter D.C. lançou o Born… Suffer… Die… e saiu em LP, acho que em 1991 ou 1992 se não me falha a memória.

1994-Immortal Dismalness “Segundo Álbum”

Então quando a gente entrou para a Cogumelo entre 1993 e 1994, eu pedi ao João que o Immortal Dismalness fosse lançado em CD primeiro e ele concordou. Comentei com ele sobre a proposta da Hellion na época.

Um fato e que nunca chegou a ser revelado, que a Hellion me ofereceu 30% sob as vendas, já que o normal era 15% a 20% para as demais bandas, o João na hora cobriu a proposta e disse “…vou te dar 35%…” assim cobrindo com um pouco a mais e garantiu que o nosso trabalho sairia primeiro em CD.

Tanto é que no evento Palco do Rock ele enviou os CDs prensados pela Sony Music na época e ele solicitou que a própria Sony Music enviasse uma cópia do CD, que o rótulo ainda não estava nem pintado. A capa estava perfeita e tal.

E tínhamos urgência para pudéssemos entrar no cast do festival, pois na época chamavam de bandas notórias e que eram duas seleções diferentes. Aí apresentamos o CD, o cachê era bom, era em torno de quatro mil reais logo quando estava entrando o Real.

Nós pegamos e compramos tudo em equipamentos e instrumentos melhores, foi investido tudo na banda.

E na época estar com a Cogumelo foi muito bacana, recebíamos propostas para entrevistas nas revistas, comercial com uma boa divulgação e eu falava com o João com frequência, telefonemas de quinze em quinze dias e o mesmo nos informava a respeito da divulgação e sobre as vendas.

Assim as coisas iam fluindo até chegar ao ponto de ter mais uma promo na mão chamada Unborn Of Dust que com certeza iria ser o melhor trabalho do Slavery.

Estava muito mais trabalhado, tínhamos introduzido teclados e a banda estava com cinco componentes. E os arranjos de piano e teclados estavam muito bacanas.

Nesse lançamento a banda apresenta mais um membro adicionando mais uma guitarra, o Mércyo Hussein (Ex-Necrolust e Ex-Chemichal Death). Como foi a entrada dele na banda?

David Santanna – Exato! O Mércyo Hussein na verdade era guitarrista do Necrolust, uma banda de Black Metal que existia por aqui, as bandas tinham muito contato umas com as outras.

Era uma coisa muito underground, a gente carregava caixa pra fazer show, montávamos os shows, um entrava em contato com o outro e foi uma época muito boa.

O Mércyo era do Necrolust e depois estava entrando para o Chemical Death, o Cristhiano Silva tinha saído do Slavery, ele foi buscar novos horizontes, o que é muito natural. E a partir daí comecei a fazer testes com alguns guitarristas e ele foi em minha residência onde eu passava os arranjos.

Todas as guitarras do Immortal Dismalness foram gravadas por mim, tanto as bases como os solos. Quando ele entrou, o disco já estava praticamente quase todo pronto e aí batemos uma foto e colocamos ele na banda. Ele foi introduzido assim.

Me lembro bem que este disco teve uma grande distribuição de nível mundial. Houveram propostas para uma turnê fora do Brasil?

David Santanna – Sim! Tivemos uma proposta para uma turnê na Espanha e estava tudo certo para eu ir para a Europa com um punhado de CDs, aí as coisas foram mudando.

E quando pensávamos tínhamos todas as engrenagens para tudo dar certo, o Lyo Holf decide sair da banda e nos vimos começando tudo de novo.

Trouxemos um baterista de Brasília que acabou firmando residência aqui em Salvador, ele ficou por aqui por uns sete ou oito meses, mas não dava para ele se manter aqui. O maior problema era financeiro mesmo.

Quando realmente esse baterista saiu da banda, veio o André Moisés que era um baterista fenomenal que chegou a fazer ensaios conosco para a gravação que estava por vir. Ele foi baterista de uma banda muito boa de Death Metal chamada Sepulchral. Isso entre 1989 e 1990 e que chegamos a fazer shows memoráveis no antigo teatro Gamboa.

O público aqui de Salvador também tem uma parte de culpa em algumas coisas que não ajudavam muito, você colocava uma banda de metal pra tocar e havia muito aquele radicalismo envolvendo o underground.

Entrevista para MTV em 7 de Fevereiro de 1993, Foto por: Dada Jaques

Eles não entendiam que a logística para você manter uma banda e ser um profissional, você precisa do público pra assistir os shows, para comprar os CDs, pra vestir a camisa… Tinham uma quantidade de pessoas que faziam isso, mas não era suficiente.

Tinha muita gente que queria beber e não queriam pagar o ingresso para entrar no show, então assim, quem é que ajuda a banda crescer? o público!. Porque você faz um CD direcionado para atingir um público alvo, indiferente das diversificações que nós temos no Heavy Metal.

Tem cara que ouve Power Metal, ouve Thrash Metal e gosta também de Death Metal trabalhado. E tem cara que gosta de Death Metal e também gosta de ouvir Thrash e Heavy Metal… Então faltou um pouco disso, do público chegar junto e adquirir os materiais das bandas locais.

Um exemplo, saia um CD de uma banda daqui de Salvador e saia um CD de uma banda do exterior, muita gente queria comprar o CD do exterior e não queria comprar um CD de uma banda da própria terra, uma banda de Salvador.

E isso acho que acontece até hoje, porque dificilmente as bandas vivem profissionalmente com recursos oriundos da própria banda para se manter.

É um sacrifício! E é por conta disso, acho que público tinha que ser mais ativo e abraçar mais a proposta.

Voltando a sua pergunta, tivemos uma proposta, mas infelizmente as coisas não funcionaram como deveriam.

Fizemos outros testes com bateristas entre eles o Tom que tocava no Chemical Death que veio a tocar com a gente. Incorporei também o Serafim como tecladista na época.

Também o Alemão (Alexandre Deminco) que era baterista do Malefactor veio fazer um teste com a gente.

Tínhamos uma música que se chamava Incorporation que era muito legal, com uma batida bem bacana e faríamos um clipe para esta música, mas faltou recursos, faltou dinheiro, faltou muita coisa.

Entrevista para MTV em 7 de Fevereiro de 1993, Foto por: Dada Jaques

E quanto aos shows para divulgação do álbum dentro do Brasil…

David Santanna – Os shows eram pingados, a realidade era essa. Você viajava com cachê muito pequeno pra divulgação e que não davam para manter a banda, por este motivo que muitas bandas se desfaziam e foram desfeitas, as que sobrevivem hoje, sobrevivem na raça mesmo, os meninos vestem a camisa e tocam por amor mesmo ao metal.

Mas não falo em relação de ganhar dinheiro e sobreviver disso, pois quando se fala em ganhar dinheiro, o pessoal mais radical adota um conceito de poser, isso e aquilo, que não é underground.

O próprio underground para se manter é como o exemplo lá de fora, o Deicide lança um disco e sai em turnê pela Europa toda. O Brasil é gigantesco, mas não tem um público que possa manter uma banda e essa é a realidade.

Diferente da Europa em que os países apesar de pequenos, os empresários investem e você pode tocar em vários países, vai pra Espanha, vai pra Itália, vai pra França, vai pra Suíça e as coisas funcionam.

Aqui no Brasil você sai do Nordeste pra ir tocar em São Paulo e é a maior dificuldade, aí você vai tocar em Minas Gerais ou Rio de Janeiro… mais difícil ainda.

Isso infelizmente levou as bandas a se dissolverem, tudo pelo fator financeiro. Repetindo mais uma vez, o que faz manter a banda é o dinheiro.

Você tem que ensaiar, isso requer dinheiro. Você tem que comprar equipamentos, isso requer dinheiro. Você consegue viver profissionalmente como? você tem que pagar as suas contas de casa, muitos de nós morávamos com os pais e com nosso crescimento passamos ter nossas famílias e que precisamos manter.

E como é que se mantém? através de shows. Cadê os shows? rolava um show e depois ficávamos dois meses sem tocar, então é difícil assim.

Ai as coisas não aconteciam, a logística do metal underground brasileiro é totalmente diferente e pouquíssimas bandas sobrevivem hoje profissionalmente, ganhando dinheiro para comprar equipamentos, comprar uma casa, comprar um carro… é muito raro.

Neste álbum vocês regravaram a música World Of Tears, a música que tem sua letra mais diferenciada de todo contexto do primeiro álbum. Por que essa música?

David Santanna – Essa música “Mundo de Lágrimas” é uma música que eu gostava muito de sua interpretação, era uma das músicas que eu mais gostava de tocar e a letra abordava assuntos que ainda são muito atuais, onde falo de crianças que são impelidas a marchar em um mundo de lágrimas, que passam fome, nação contra nação, falava sobre guerras e sua mazelas. Uma letra que demonstrava um Slavery mais maduro e era uma música que tinha um feeling muito legal para tocar ao vivo. As construções dos riffs, da voz…. “Living on the way of life, through of the storm…”, definitivamente uma de minhas músicas favoritas e resolvi regrava-la.

Esq. para Dir.: Fábio, Lyo Holf, David Santanna e Mércyo Hussein, Foto por: Linalvo Cerqueira

Estava por vir o terceiro álbum como você nos disse aqui. Você pode nos falar a respeito?

David Santanna – Positivo, se chamaria Unborn Of Dust, que na tradução é “Não nascido da matéria, não nascido do pó” e seria nosso melhor disco. O título era baseado no fato de que os cientistas queriam criar o ser humano de forma não natural.

Então resolvi escrever esse disco, foram músicas muitos legais com arranjos muito bacanas e eu tive tempo pra fazer isso, me dedicava 24 horas para esse álbum, iria ser um álbum muito superior ao Immortal Dismalness.

A Cogumelo já tinha me dado carta branca e também tinham gravadoras do exterior interessadas.

O próprio João já tinha me dito, “…vocês são os próximos a entrar em estúdio pra gravar, mande sua promo pra mim…”, fizemos a gravação e ele gostou pra caramba e acabou não saindo porque a banda foi se dissolvendo aí, cada um foi mudando as suas opiniões e enfim chegamos ao término. Ainda assim tentei.

Se alguma gravadora demonstrar interesse em lança-lo, você estaria aberto a uma negociação?

David Santanna – Rapaz, essa é uma pergunta muito difícil de responder por que estou em outra vertente musical, então assim, é como eu falei nas perguntas anteriores que você precisa de dinheiro pra se manter.

Hoje estou assinando como produtor, estou focado no meu estúdio de gravação que se chama Nevada Records, que deve estrear daqui a uns onze meses.

Mandei buscar equipamentos nos Estados Unidos, equipamentos bons como Avalon, Manley Voxbox, mesas Hansa e etc… para poder gravar vários estilos de músicas e para poder sobreviver.

Tenho contrato hoje com outras gravadoras, toco outros tipos de músicas ligadas a música erudita, lancei também chorinhos que sempre gostei e sou violonista, professor e maestro. Tenho também uma escola de música.

Então é uma pergunta muito complicada de responder. Qual a proposta que ele tem para o lançamento? O que ele tem pra te oferecer? Entendeu?

Então você larga tudo pra ter um conceito dentro do metal de novo, lançar um disco, se dedicar e não ter uma resposta disso financeiramente, não dá pô!

Infelizmente é uma realidade, não só do Slavery, mas de todas as bandas que se dissolveram. Você não tem um suporte das gravadoras, elas até gravam, mas não conseguem shows.

O que é diferente de outros estilos que a própria gravadora além de gravar já indica um empresário, e esse empresário já está fechando shows pra você, sendo assim, você já está tocando em todos os lugares, recebendo cachê.

Aí você pensa lá na frente, pois você tem um dinheiro pra comprar uma casa, pra comprar um carro, pra se manter e manter sua família em um padrão de vida legal, como os outros artistas e que é normal ter, mas no Heavy Metal o que a gente queria?

Queríamos apenas ter um dinheiro pra manter a banda e podermos trabalhar com isso, porque o trabalho precisa do dinheiro que é uma profissão normal.

Você tem um grupo, pô bacana! Legal!

Você acorda todos os dias pela manhã para fazer o que no trabalho? exemplo, eu sou administrador de empresas, trabalho com computador, sou advogado ou sou vendedor… o cara pega o carro dele e vai trabalhar.

Poxa, eu queria muito que acontecesse isso de poder sair de casa e vou pra onde? Vou para o ensaio de minha banda, pego meu carro e vou lá, tudo isso sendo mantido pela própria banda.

Você faz shows pra você ter o tesão de tocar, porque não adianta você dizer que vou fazer Heavy Metal por amor, certo! é massa pra caralho, bacana, tá no sangue… sim… mas você precisa se manter pô!

Se você não tem como se manter, você vai perdendo totalmente o foco e você vai se desviando para outros caminhos.

Que é a realidade, isso aconteceu com o Slavery e isso aconteceu com diversas bandas, estou falando aqui abertamente para todos que vão ter a oportunidade de ler essa entrevista tão franca, até mesmo porque eu tenho que ser franco.

E que de fato o que aconteceu com o Slavery e diversas bandas no Brasil, foi a falta de apoio financeiro, de você poder tocar, receber e poder se manter.

Vamos falar abertamente, como você paga a conta de água? Como você paga a conta de energia elétrica? Como consegue manter um telefone celular? Como consegue manter a gasolina do carro?… você tem família, todo mundo da minha época tá casado.

Vai se manter como? Com shows pingados? Você toca aqui, no mês que vem faço mais um… e suas contas?

Vai dar meio dia todos os dias e você precisa comer, suas contas batem na porta, todo mês os correios vem trazer as contas de água, luz e seja o que for.

E então assim, essa proposta tem que ser muito boa e muito decente, hoje consegui conquistar muitas coisas e estou abrindo um estúdio de gravação top aqui em Salvador, que terá todo o equipamento usado no primeiro mundo, coisas muito boas. Estou falando de Manley Voxbox que são pre-amps que custam hoje em média 25 mil reais, Avalon 737, amplificadores Brabus, mesa Boogie, Marshall e poder proporcionar a banda a decisão de poder gravar um CD no modo digital ou poder gravar no modo analógico e você ter uma mesa com pre-amps fantásticos, microfones muito bons top de linha como Neumann, microfones caros que custam hoje cerca de 20 mil reais , assim podendo oferecer um produto bom aos artistas.

Pois independente de qualquer gênero musical, se você toca rock, se você toca pop, se você toca sertanejo, se você toca Heavy Metal a intenção é você se direcionar para um público específico e você precisa que aquele público consuma seu material, que consuma seu CD, que curtam páginas nas plataformas digitais e que divulguem também, e, isso não acontecia, é pingado pô!

Pra você ver, lá fora o pessoal consegue reunir em festivais um público de cinquenta mil pessoas, aqui temos o Palco do Rock que ainda consegue movimentar bons shows, mas é um público pequeno de cerca de quatro mil pessoas por dia para assistir o evento, poxa, quatro mil pessoas lá fora é um público pequeno.

E admiro demais a força de vontade e a garra da Sandra do Ulo Selvagem que sempre lutou desde o início para que esse evento nunca parasse, ela é uma pessoa merecedora de nossa admiração. Hoje o Palco do Rock figura entre os maiores festivais do Brasil e acredito que seja o maior festival do nordeste e que vale falar, é totalmente gratuito e que com muita insistência e perseverança conseguiram o apoio da prefeitura da cidade, uma vitória, pois na terra do axé e um carnaval que movimenta milhões, ela ter conseguido esse apoio, é no mínimo fantástico.

Você entra no youtube e vê as bandas como Slayer e Immortal, você nota que as produções dos shows são fantásticas.

O público tinha que incentivar para trazer bandas, mas não vem bandas para Salvador, para fazer um público gigantesco, trazer todo público do nordeste para encher um estádio como acontece lá fora.

Você traz uma banda pra tocar em Salvador pra ter quantos pagantes? quatro mil pagantes? se chegar a isso, aí fica complicado.

Então uma proposta para fazer esse lançamento hoje, teria que ser uma proposta bem lá na frente do que aconteceu tempos atrás.

Você nos disse que a dissolução do Slavery se deu por conta da parte financeira, além disso tiveram outros motivos?

David Santanna – É uma grande pergunta que já estava esperando, como disse, isso não aconteceu só com o Slavery, mas com outras bandas também que talvez ninguém tenha falado abertamente ou não tiveram coragem de falar, porque quando se fala em dinheiro, o público underground que em sua maioria são radicais e falam… “Pô que cara mercenário, só toca por dinheiro, quem gosta de Heavy Metal toca até de graça…”, não funciona isso aí.

Esse é um pensamento de quando você tem uma banda e ainda é um adolescente, que você tem os seus pais pra te manter, você não paga conta de água, você não paga luz, você não compra um carro e ter que manter seu carro, pagar seguro, combustível, ensaios e comprar equipamento para se atualizar.

E chega uma hora em sua vida que você precisará pagar suas contas, você não vai ficar toda sua vida morando com seus pais, você passa a ter família e quando você passa a ter família você tem que arcar com isso.

Você não pode pegar seu instrumento e sair por aí… as coisas não funcionam assim, existe uma logística.

Por que as bandas lá fora dão certo? Primeiro, tem um público que compra o CD e veste a camisa. Aqui no Brasil, pô, você lança um CD de uma banda brasileira e o público prefere comprar um CD de uma banda lá de fora poxa. Ao invés de ajudar as bandas daqui a crescerem.

Isso acontecia várias vezes, eu via perfeitamente. Quando as bandas daqui lançavam CDs eu ia nas lojas e comprava o material dos meninos, seja do que fosse. O Headhunter D.C. lançava e eu comprava, o Mystifier lançava e eu comprava também o disco… bandas daqui de Salvador.

Essa visão todo mundo tinha que ter na época, você é que faz a banda crescer, está todo mundo no mesmo barco e ninguém é melhor que ninguém. Todo mundo busca o mesmo objetivo.

É que nem um time de futebol, se você comparar e se perguntar, por que o Bahia e o Vitória não chegam um determinado status para conquistar títulos importantes? Porque não tem folha, não tem dinheiro para contratar bons jogadores pra montar times de verdade e pra montar um time a altura de grandes conquistas é preciso ter grana, então pra montar uma banda tem que ter grana.

Aí você vai e ensaia para caramba, gasta muito com isso e quando vai fazer um show pingado, tem poucas pessoas, pois são eventos que não tem uma boa divulgação em massa na mídia.

Aí você fala… “mas o underground não precisa disso”, gente! acabou isso. Se você não tem um público para manter sua banda, a banda acaba. Você não vai ficar mantendo a banda toda a vida, uma hora você vai cansar porque você precisa do dinheiro pra manter suas coisas e pagar suas contas.

Então o público brasileiro tá todo mundo no mesmo barco e ninguém mais vai ser como o Sepultura que estreou lá fora e foi esse fenômeno todo, os caras ganharam grana e mesmo assim acabaram. Também teve ganância, brigas e coisa e tal…

Eu falo de você ter o básico pra você se manter, é bom frisar o que digo agora nesta entrevista, que o público brasileiro tem grande parte de culpa da dissolução não só do Slavery, mas de várias bandas.

Por que e em que sentido David você fala isso? Poxa, repetindo, você lança um disco aqui e a galera aqui só quer comprar CDs importados e não querem comprar um CD de uma banda do Brasil.

Como essa banda vai se manter? Como vai receber direitos autorais? Como vai receber sua porcentagem da vendagem do disco?

Enfim, se resume a isso. O mundo é capitalista e sem dinheiro você não consegue fazer absolutamente nada.

E também é importante salientar que nós do Slavery não tínhamos quaisquer divergências que causariam brigas ou situações desagradáveis, o fator preponderante de fato foi a motivação que foi se apagando pela falta de apoio em vários sentidos e inclusive como já citei, o apoio financeiro.

Você tem notícias dos integrantes da banda? Sabe onde eles estão e o que fazem hoje?

David Santanna – Rapaz, eu nunca mais estive com ninguém, a uns três anos atrás encontrei o Lyo Holf, ele me falou que estava tatuando e estava indo embora para o Havaí, o Serafim Garrido que falei por uma rede social, mas nunca mais encontrei ninguém.

Não sei por onde anda toda a turma, como falei, a gente se desprendeu e cada um foi pra uma vertente, cada qual foi pra um lado.

Não sei se ainda tocam, se ainda estão no mundo da música… não tenho mais contato nenhum.

Depois do Slavery, você participou de mais alguma banda?

David Santanna – Depois do Slavery não participei de nenhuma outra banda, passei a fazer projeto solo como instrumentista e daí lancei o “Do Erudito ao Choro” para a gravadora Sons e Sons que teve uma ótima distribuição em 29 países, depois gravei o “Fábulas” e fui lançando CDs instrumentais de piano e violão que são instrumentos que gosto e sempre gostei de estudar, hoje tenho formação, mantenho uma escola de onde sobrevivo e logo virá o estúdio com estrutura bem bacana.

Temos muito contato com o Luiz Omar que também esteve na história da banda. Ele hoje está com o Inner Call que recentemente esteve Nova York para um grande show. Tem acompanhado a carreira dele?

David Santanna – Não, não tenho acompanhado a carreira do Luiz Omar, nunca mais a gente se viu. Desejo muito sucesso e que ele possa brilhar cada vez mais, é um grande amigo e a Fright Night foi uma fase muito boa e infelizmente perdemos o contato.

A importância do Slavery para cena underground é imensa, muitas bandas até hoje são muito influenciadas pelo legado que você perpetuou. O que você tem a dizer para esta legião de fãs?

David Santanna – Poxa, eu fico muito feliz por ter contribuído e por ter feito parte de um pouco da história do movimento underground, e de suas diversas vertentes, seja Death Metal, seja Black Metal, Thrash ou Speed Metal enfim, que eu tenha levado um pouco da minha contribuição para que as bandas deem continuidade as essas vertentes da música pesada.

Mas ainda digo que está faltando mais profissionalismo por parte dos fãs de pensar em adquirir e ajudar as bandas a crescerem, fazendo divulgação das bandas, comprando CDs, comprando camisetas e indo aos shows pra poder manter o underground vivo.

E que mais bandas surjam e que o legado continue sendo perpetuado de gerações em gerações, acho muito bom isso. E fico feliz de ter dado minha pequena contribuição, humildemente nas minhas músicas, nas minhas letras e no meu estilo de tocar que influencia muita gente até hoje. Isso que é importante!

Voltando a falar da cena, agora em especial do estado da Bahia, você tem acompanhado?

David Santanna – Tenho acompanhado sempre quando posso o Malefactor que é uma banda que sempre está crescendo e ficando cada vez mais profissionais, onde também está o Jafet Amôedo que foi meu aluno antes de entrar para banda.

É uma banda muito bacana de ver e vejo sempre quando posso os trabalhos deles, fico muito feliz que tenham conseguido alcançar os objetivos deles.

Outra banda que acompanho é o Headhunter D.C. através de algumas redes sociais e os admiro por sempre estar buscando mais profissionalismo, esses meninos sempre foram muito caprichosos e fiquei feliz de ver meu ex-aluno Zulbert Buery tocando na banda.

E vi também que o Zé Paulo saiu da banda, o Headhunter D.C. que na época era Headhunter ajudou demais a cena crescer, eles eram e são apaixonados até hoje pelo underground. Eu também era muito amigo do Ualson que era o baixista na época.

De vez em quando acompanho e estive no último Palco do Rock, mas estava apressado porque no outro dia eu tinha que viajar para fazer show. Eu vi o The Cross e fiquei muito feliz de ver o Eduardo e não pude nem ir lá para falar com ele direito, pois quando cheguei eles já estavam tocando. E também fiquei feliz por ver que o Eduardo está de volta com a banda que é muito legal.

Aí voltei a mais de vinte anos atrás… mas não tenho acompanhado muito e não sei se mudou muita coisa em relação a público e casas de shows.

Aqui era pra ter uma casa especializada para bons eventos e para que as bandas tocassem com mais dignidade, pois aqui tinham bandas fantásticas como a Slow do meu amigo Joel Moncorvo, grande baixista e que faço questão de cita-lo. E que na época de Unborn Of Dust ele veio tocar comigo, se propôs a ir nos ensaios. Um músico fantástico e hiper gente boa, que vive profissionalmente também, é professor de música e faz vários workshops.

2017-To Kill In Cold Blood “CD Bootleg”

Recentemente foi relançado em CD o importantíssimo álbum “To Kill In Cold Blood”, muitos dizem se tratar de um bootleg, você não teve nenhuma participação nisto?

David Santanna – Não, não tive nenhuma participação nisso e fiquei sabendo por um fã que me falou. Não fiquei sabendo como e quando foi isso, de como foi adotada a logística para haver esse lançamento e que inclusive não recebi um centavo.

Pra mim foi uma surpresa, mas enfim, fiquei feliz porque através deste disco muitas bandas surgiram e influenciou vários músicos que hoje estão em bandas de Death Metal e que dão continuidade ao metal.

Inclusive ainda não o tenho aqui, se você tiver um para me enviar ficarei feliz*, tenho meu vinil aqui guardado. Vi apenas imagens que os fãs mandaram pra mim, enviaram umas músicas pra eu ouvir a gravação, mas o produto físico em si ainda não recebi.

*em resposta ao pedido do David, eu disse, “sim, enviarei para você. Será um enorme prazer”.

Mesmo em se tratando de um bootleg, você encarou esse fato como um ato de desonestidade ou uma homenagem?

David Santanna – Eu nem posso responder isso, se foi desonestidade ou uma homenagem.

Eu sei que pra você lançar um disco, você tem que ter os direitos, a autorização da gravadora e tudo certinho.

Não sei como foi feito o CD, se foi pirateado, como foram feitas as prensagens, se teve licença ou se não teve licença. Acho que o músico tem que ser remunerado por tudo.

Você faz uma história, você pega um CD pra fazer um lançamento seja de que forma for, acho que tem que ter autorização, mas as coisas não funcionam assim e eu não vou sair por aí brigando com todo mundo achando que foi desonestidade.

De qualquer maneira os fãs ficaram felizes em ver o To Kill In Cold Blood em CD e vão poder ouvir novamente e várias vezes.

David, muito obrigado por esta entrevista que trouxe ao público informações até hoje nunca reveladas a respeito de toda história do Slavery. Um forte abraço e as últimas palavras são suas…

David Santanna – Eu queria agradecer pelo convite, pelo prazer de você ter concedido essa entrevista para falar um pouco de como foi formado o Slavery, o que acontecia nos bastidores e o que é que levou a banda a se dissolver.

E como citei, não só o Slavery como várias outras bandas. E agradecer a oportunidade de poder mandar um abraço carinhoso para meus fãs que até hoje ouvem o Slavery e que continuem apoiando as bandas brasileiras.

Você que é de toda parte do Brasil, Nordeste, Sul e do Oeste, valorizem as bandas do Brasil, comprem um CD de uma banda brasileira antes de comprar uma produção gringa.

Procure se informar no que está rolando por aqui e assim fortalecer esse movimento que é ímpar. A música pesada é algo fantástico, a adrenalina de você pegar sua guitarra ou de pegar outros instrumentos como bateria ou contrabaixo. De também adquirir um vinil, um CD ou um k7, seja o que for e colocar no seu aparelho de som e ouvir, acho isso muito legal e muito vibrante.

E deixo o recado aqui para não só os fãs do Slavery, mas para todos os fãs dos diversos estilos de metal que vocês possam ajudar as bandas a crescerem comprando os CDs, camisetas e irem nos shows pagando o ingresso, não queiram entrar de penetra.

Pague o ingresso para ver a banda, pois aquela banda ali está batalhando e eles tem custos para se manter e para tocar para vocês. Valeu! Um forte abraço!

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