Por Daniel Agapito
Fotos: André Santos
Quando foi anunciado, lá em setembro do ano passado, que o grupo sueco Soen tocaria no The Metal Fest no Chile, ao lado de nomes como Anthrax, Biohazard e Amorphis, muitos fãs brasileiros acharam que o anúncio da banda no line-up do Summer Breeze estava próximo. Para a surpresa de muitos, a produtora Overload anunciou pouco tempo depois a vinda da banda à cidade de São Paulo, mas realizando um show solo no Carioca Club, mesmo lugar que havia feito sua primeira apresentação em terras tupiniquins, no final de março de 2022.
A formação original do Soen contava com Steve diGiorgio (Testament, ex-Death) no baixo, Joakim Platbarzdis (Willowtree) na guitarra, Joel Ekelöf (Willowtree) nos vocais e Martin Lopez (ex-Opeth, ex-Amon Amarth) na bateria, sendo estes últimos dois os únicos membros originais que seguem até hoje. A primeira vinda às terras brasileiras aconteceu ao lado dos britânicos do Tesseract, mesmo com muitos fãs alegando que os suecos tinham público o bastante para encabeçar a turnê sozinhos. Isso provou ser verdade, com muitos formando filas debaixo da típica garoa paulista. Os fãs do Soen provaram ser leais, novamente formando filas antes mesmo do horário de abertura do Carioca Club. Com menos de 10 minutos para o início da performance, a pista já se encontrava majoritariamente preenchida. Aquele domingo prometia ser uma grande noite, recheada de metal progressivo de qualidade. A expectativa dos fãs certamente estava elevada, com vários pedindo para que a promessa de Joel de voltar para a América Latina no final de seu último show acontecesse logo.
Por volta das 20h, as músicas que tocavam pelo sistema de PA pararam, as cortinas abriram, os fãs gritaram o nome da banda e o som de “Do not go gentle into that good night”, poema do poeta galês Dylan Thomas, invadiu a casa de shows, sendo acompanhado por um pequeno show de luzes. O Soen entrou no palco logo depois, pouco antes do poema acabar. Ambos os guitarristas e os baixistas correram para pequenas plataformas na parte de baixo do palco, mais perto dos fãs. Com a atenção dos fãs já capturada pelos suecos, o riff inicial de “Sincere”, um dos destaques do “Memorial”, álbum cujo estavam promovendo, transitava pelo ar. Joel Ekelöf, o vocalista, vestindo uma calça preta e jaqueta de couro, complementando sua já perceptível semelhança física com o lendário Rob Halford, veio correndo ao palco, para o delírio de todos que estavam lá. O mesmo demonstrava bastante felicidade em estar de volta aos palcos da nação verde e amarela, portando um sorriso no rosto e interagindo brevemente com os fãs, que gritavam, batiam palmas, batiam cabeça e cantavam em um volume que se igualava ao da banda.
Pedindo para que os fãs saíssem do chão para a próxima música, “Martyrs” foi recebida por pulos que geraram tremores que poderiam ser registrados na escala Richter. A cantoria do público e seu ânimo no geral chegou a surpreender até a banda, que trocou breves olhares, claramente impressionados com a conclusão da segunda faixa. Oleskii Kobel foi brevemente deixado sozinho no palco, solando brevemente, introduzindo “Savia”, também recebida por muitos que estavam lá cantando juntos. O público estava absolutamente vidrado na banda, replicando os refrões palavra por palavra, batendo cabeça nos breakdowns. O ótimo trabalho do responsável pela luz foi demonstrado novamente antes da faixa-título do novo LP, com as luzes piscando em laranja e disparando ao som dos tiros da cena de guerra que passava pelos alto-falantes. Toda esta atmosfera culminou na marcha e subsequentes bumbos duplos de Martin Lopez. Ekelöf voltou ao palco recebido por gritos de “stand up straight for the idol’s anthem, raise our flag and don’t dare to run away”. O ânimo se manteve, com tanto a banda quanto o público mostrando ser incansáveis.
Terminando “Memorial”, Ekelöf disse que estavam em Buenos Aires dois dias antes e que havia sido um show de qualidade. Com o público já intrigado em relação ao que seguiria, o vocalista confirmou que haviam mais pessoas que em São Paulo e que o Brasil sempre é um ponto alto na América Latina, convidando todos para dançar com ele ao som de “Lascivious”. As melodias de Cody Lee Ford (guitarrista solo) com os grooves de Lopez em junção com a linda voz de Ekelöf embalaram o público de São Paulo. Este hit da banda provou ser mais um ponto alto daquele show, que havia se iniciado há apenas meia hora. Lars Åhlund subiu na plataforma central do palco, e com todas as luzes apontadas para ele, executou um solo com maestria, impressionando ainda mais quem estava presente naquele dia. O resto da banda voltou para completar a música, recebidos por gritos calorosos dos fãs e máquinas de fumaça. “Unbreakable”, um dos grandes hinos da banda, foi cantada com força pelos fãs e pela banda, demonstrando exatamente um dos grandes diferenciais do Soen, a habilidade dos músicos em misturar uma grande carga emotiva com peso e lindas melodias. Era difícil decidir entre ficar maravilhado com a aula que estava sendo dada em cima do palco, chorar com as letras emotivas e bater cabeça como se não houvesse amanhã.
Ouvi alguém falar isso no começo da “Ideate” (oitava faixa, tocada após “Deceiver”) que para mim, definiu o show perfeitamente: “eu tô triste, mas eu tô feliz”. Sirenes de ataque aéreo tocaram pelo PA, seguidas de luzes vermelhas e viradas vertiginosas de Lopez. Quem veio ao último show deles no Brasil já se ligou qual seria a próxima música que viria, “Monarch”, um dos destaques de “Imperial” (2021) e certamente uma das mais esperadas da noite. A mesma foi mais um momento lindo, todos cantando junto, ainda impressionados pelo que acontecia no palco – um momento de puro êxtase.
Joel Ekelöf voltou a interagir com o público, perguntando se o mezanino estava lá, soltando um “êêê”, à la Freddie Mercury, fazendo o mesmo com a pista. Após perguntar se estavam bem e afirmar que também estava, indagou ao público se gostariam de ouvir mais uma música, subsequentemente cantarolando a melodia de “Jinn”. A cantoria não cessou, com o vocalista pendido para ouvir quem estava lá cantar o solo final, soltando um obrigado quando concluiu a faixa, seguido por um “olê, olê, olê, Soen, Soen” do público, acompanhado de grooves dançantes do baterista e baixista. Contrastando diretamente o Ian Anderson e o Jethro Tull em seu show que havia acontecido na noite anterior, no Vibra São Paulo, Joel pediu para que fossem levantados os celulares e que suas lanternas fossem ligadas, iniciando “Illusion” com o Carioca Club devidamente iluminado, com os fãs na palma de sua mão. Falar que foi um mais uma cena linda, a um ponto alto difícil de replicar, que seria replicado na próxima música é chover no molhado. Para manter a concisão do texto e não me repetir infinitamente, foi lindo. “Modesty”, a música que seguiu foi também. Solos impecáveis, grooves de torcer o cérebro, vocais carregados de emoção e o apreço incondicional de uma legião de fãs, não há maneira melhor e mais simples de descrever não só “Modesty”, mas também o show em si.
O vocalista anunciou a última música, “Lotus”, que deixou os fãs esperançosos por um bis, vendo que ainda faltavam faixas como “Violence”, um dos destaques do álbum que vinham ao Brasil para promover. Trazendo consigo importantes críticas e reflexões à sociedade, o show “fechou” com esta dose de introspecção, que veio com uma linda aula de metal progressivo como sua trilha sonora. Durante o solo de Cody Lee Ford, Ekelöf olhava para o público que estava no mezanino, para os que estavam em sua frente e chacoalhava a cabeça com um sorriso no rosto, maravilhado. Não era só o público que estava incrédulo com o show até então. A banda se despediu do palco ovacionada pelo público, com calorosos gritos de “olê, olê, olê, olê, Soen, Soen”.
A intriga dos fãs em relação à possibilidade de um bis durou pouco, pois poucos minutos depois estavam de volta com a brilhante “Antagonist”. Para a loucura de absolutamente todos que estavam lá, Martin Lopez voltou ao palco usando uma camiseta da seleção brasileira. Catarse. Não há maneira melhor de a descrever. Um mar de gente pulando, cantando “fire up your guns, to honor the ones that walk on the light to honor their cause”. Naquela hora não havia nenhum problema externo, não havia diferença alguma entre os membros individuais do público, estavam todos lá pelo Soen e o foco daquele momento era dar a vida para gritar os altos refrões compostos pelos suecos. A banda também interagia com o público, sempre faminto por música, parando certas partes da música para bater palmas com os espectadores, para perguntar como estavam. Cada vez que o refrão era cantado, um grande coro invadia o ar do bairro paulistano de Pinheiros. O Carioca Club havia sido tomado por completo pela energia do Soen.
Acabando “Antagonist”, a palavra foi dada ao baterista, que elogiou extensivamente o público, dizendo que era muito gratificante estar de volta ao Brasil. O final do show (agora de verdade) não desapontou, contando com a dobradinha dos hits “Lunacy”, um dos destaques de “Lotus” (2017) e “Violence”, uma das que mais vingou do novo álbum. A reação do público não fugiu do esperado, todos envolvidos, ainda maravilhados pelas habilidades da banda e como sempre, dando a vida nos refrões, cantando tão alto quanto os suecos. Antes de começar “Violence”, a faixa que fecharia por definitivo aquela noite de muito prog, foi feita a mesma promessa que foi feita no final do último show deles em São Paulo: “we will be back”. A pesada terceira faixa de “Memorial” resumiu bem o show como um todo.
O público continuou ativo, praticamente chocado com a qualidade técnica que foi exibida pelos suecos naquela noite de domingo. A letra da música fala do tema de coerção, seja física ou mental, seu instrumental é tão abrasivo quanto o tema abordado, mas o grupo consegue tocá-la com tanta graça e maestria que a mensagem é entregue de maneira até tranquila. “Violence” em si segue sendo bastante emocionalmente carregada, ainda assim sendo uma das mais pesadas do novo álbum, mostrando novamente a habilidade incrível da dinâmica peso/emoção possuída pelo quinteto. Se despedindo do palco uma segunda vez, novamente voltaram ao palco, agora para agradecer ao público por sua presença. Lars Åhlund, guitarrista e tecladista da banda, voltou ao palco com uma camiseta da seleção brasileira sob seu ombro, personalizada com seu nome. Já Kobel, o baixista, apareceu segurando uma bandeira de sua terra natal, a Ucrânia, nos lembrando que mesmo com os diversos outros conflitos que acontecem hoje em dia, a situação da Ucrânia segue sendo nada favorável. Deixando o clima mais leve, era possível ouvir diversos gritos animados de “caralho” e “maravilhosos”, ambas reações totalmente válidas para o show que acabava de acabar.
Rapidamente concluindo e reiterando, a emoção transmitida na voz de Ekelöf, nos brilhantes instrumentais do resto da banda, o peso nas batidas de Martin Lopez, a qualidade técnica de ambos os guitarristas e do baixista, os fãs, incansáveis, chegando a impressionar até a própria banda. Foi um show quase perfeito. Algo interessante do Soen é sua habilidade de transcender gerações. Mesmo só sendo formados definitivamente há menos de 15 anos atrás, havia desde pessoas mais velhas à crianças pequenas no público, com uma criança em especial chamando bastante atenção, segurando um cartaz com o nome da banda e duas bandeiras suecas desenhadas. Interessantemente, o brilhante “Tellurian” de 2014 foi novamente completamente negligenciado, assim como a primeira turnê da banda por aqui, lá em 2022. O motivo permanece turvo. Mesmo assim, se a promessa de Ekelöf for concluída tão rápido quanto foi da última vez, posso garantir que o Carioca Club estará novamente cheio. Não duvido que quando voltarem já terão fãs o bastante para encher casas de show bem maiores que o Carioca.
SOEN Setlist:
- Do not go gentle into that good night (poema de Dylan Thomas)*
- Sincere
- Martyrs
- Savia
- Memorial
- Lascivious
- Unbreakable
- Deceiver
- Ideate
- Monarch
- Jinn
- Illusion
- Modesty
- Lotus
Bis
- Antagonist
- Lunacy
- Violence
* pelo sistema de PA
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