Suécia. Death Metal. Anos 90. Pronto, se esses gatilhos ressoaram forte na sua alma, você está pronto para ler essa entrevista com o vocalista Ola Malmström, que desde meados dos anos 80 vem adicionando sua voz inconfundível à tempestade sonora sueca intitulada SORCERY. Nascida como uma das pioneiras da cena death metal do seu país natal (o Sorcery nasceu no ano de 1986, antes ainda de atos seminais como CARNAGE, GRAVE e NIHILIST), a banda lançou algumas demos ainda nos anos 80, e estreou oficialmente em 1991, com o clássico ‘cult’ Bloodchilling Tales (que recentemente recebeu uma versão nacional em celebração dos seus 30 anos, via Rapture Records), amargou um período fora do cenário, e retornou com força total em 2009. Desde então, já são três novos álbuns completos de estúdio, o mais novo deles, Necessary Excess of Violence (2019) o tema principal dessa nossa conversa com Ola.
Para o novo álbum, vocês decidiram trabalhar com o produtor Tomas Skogsberg, dono de um currículo impressionante e um dos nomes mais importantes no desenvolvimento do cenário death metal sueco. Além de ter trabalhado ao lado de bandas como Entombed, Grave, Dismember, At The Gates, Necrophobic e tantos outros, ele também já possui uma história ao lado do Sorcery. Então, acho desnecessário perguntar a razão de terem escolhido ele.
Ola Malmström: Sim, ele era a melhor e a mais óbvia escolha para nós (risos). Bem, ele trabalhou conosco já no nosso primeiro disco, ele foi o produtor de Bloodchilling Tales, nos anos 90. Tomas é uma grande lenda no cenário, e todos sempre gostaram de trabalhar ao lado dele, é um ótimo produtor. Bem, ele estava na Holanda, e depois da nossa pausa nas atividades, Tomas também foi a primeira pessoa que contatamos depois do nosso retorno, então foi ele também quem mixou o nosso segundo disco, Arrival At Six, de 2019. Depois disso, não fomos até ele para produzir o terceiro disco, Garden Of Bones, de 2016 (N.R: o terceiro álbum do Sorcery foi produzido pelo sueco Andreas Westholm, que já trabalhou ao lado de Hooded Menace, Undergång, Pest e outros), e a verdade é que ficamos um pouco desapontados com o resultado final. Quer dizer, nós tentamos um novo caminho, mas não foi como esperamos, então, para Necessary Excess of Violence decidimos que gravaríamos o álbum inteiro no Sunlight Studio com Skogsberg, e deixar que ele fizesse aquilo que ele faz melhor do que ninguém. Estamos muito satisfeitos com o resultado, então, foi ótimo fazer esse retorno.
Dito isso, imagino que vocês já tinham uma sonoridade em mente quando entraram no estúdio.
Ola: Sim, sabíamos onde queríamos chegar com esse álbum. Quer dizer, nós tínhamos esse tipo de som em mente quando começamos a trabalhar no disco, mas quando você conta com o trabalho de alguém como Skogsberg, você meio que espera aquele tipo de impulso que ele oferece para a sua música, você quer que ele agregue o som dele ao seu disco. Com isso quero dizer que, quando estamos tocando nossa música no estúdio, ele consegue perceber certos elementos nela que nem nós notamos, então ele acaba sempre surpreendendo.
Sim, e preciso dizer que Necessary Excess of Violence soa muito bem, podemos ouvir claramente o som de cada instrumento, percebe-se que é uma produção moderna, mas aquele som tradicional da velha escola sueca ainda está ali.
Ola: Sim, e isso é algo que sempre quisemos, manter aquela sonoridade típica dos álbuns ‘old school’ do death metal sueco. Quer dizer, nós somos uma banda antiga, gostamos daquele tipo de som, e mais, queremos que você seja capaz de dizer que um álbum foi gravado por nós, mesmo quando se trata do mais novo deles. Por outro lado, não queríamos que o álbum soasse como se tivesse sido gravado em 1991, as coisas eram gravadas daquela maneira porque aqueles eram os recursos disponíveis, nós sempre buscamos o melhor. Se conseguimos uma sonoridade melhor no estúdio agora, ótimo, vamos usá-la. Desde que não descaracterize quem somos, não queremos um álbum ultra processado ou algo do tipo. Equilíbrio é a palavra-chave aqui, somos uma banda old-school que grava álbuns nos dias atuais, e é exatamente assim que devemos soar: old-school, mas moderno (risos).
Com isso dito, deduzo que o álbum foi totalmente gravado em digital, e não em fitas.
Ola: Isso mesmo, toda a gravação foi digital, é mais fácil e bem mais barato trabalhar assim nos dias de hoje.
Também foi assim no processo de composição, a troca de arquivos via internet foi uma aliada no processo?
Ola: Bem, nós gostamos de trabalhar de maneira individual, cada um vai tendo suas ideias e registrando. Algumas vezes alguns integrantes se reúnem para trabalhar em alguns riffs juntos, eu gosto de escrever minhas letras quando as músicas já estão prontas, é um processo variável, mas de forma geral, gostamos de começar trabalhando individualmente em nossas ideias, então a troca de arquivos acaba sendo realmente uma aliada, pois não precisámos nos deslocar e nos reunir para discutir cada pequena alteração. Vamos nos reunir mesmo no final do processo, quando já temos muitas ideias. Daí vamos até nossa sala de ensaio e juntamos todas as ideias, fazemos alguns ajustes, e então as músicas estão praticamente prontas.
Nesse processo, vocês preferem iniciar uma canção e leva-la adiante até o fim, ou preferem ir compondo diferentes trechos que depois serão unidos em canções?
Ola: Ah, eu prefiro muito mais compor uma música por completo antes de partir pra outra, acho essa maneira muito mais satisfatória do que ir compondo um riff aqui e outro ali e no final colar tudo junto, como se fosse uma canção. Eu não sei, mas acredito que isso garante muito mais alma para a música, ela fica mais viva quando você vai compondo por completo, já pensando na música como algo dinâmico e variado, mas composto com uma ideia central. Lá no início, quando começamos, buscávamos compor sempre juntos, na sala de ensaio, justamente para ter um controle maior sobre isso. Claro, hoje somos mais experientes, então esse processo já está mais fácil de controlar, não precisamos mais estar juntos o tempo todo.
Sim, mas este foi o primeiro álbum de vocês com o baterista Tommy Holmer (Ghûlheim, Planet Rain, Undivine, Rimthurs e Patronymicon), certo?
Ola: Isso mesmo. Bem, ele não é necessariamente um ‘novo integrante’ da banda, Tommy já está conosco desde 2017, então já conhece um bocado da nossa sonoridade e ritmo de trabalho. Quer dizer, ele é o mais novo integrante, mas não é um novato, se é que faz sentido (risos).
Então não foi um trabalho tão duro integrá-lo à sonoridade tradicional do Sorcery?
Ola: Não, não, ele já tinha uma ideia muito clara de como precisávamos que ele soasse em um álbum do Sorcery, então foi apenas questão de sentar atrás do kit e detonar. Quer dizer, ele é um baterista incrível, tem muita experiência em bandas diferentes e com sonoridades bem distintas, mas conhece o Sorcery, e sabia que não gostaríamos de soar muito diferentes, pois acabaríamos soando como uma outra banda. Com todo o conhecimento de ritmo e técnica em geral que ele tem, foi só questão de adequar as coisas. Claro, ele trouxe muitas possibilidades novas para nós, Tommy domina técnicas que nossos bateristas anteriores não tinham, então isso meio que expande a caixa de ideias, por assim dizer. Então, por isso este talvez seja o álbum mais rápido da nossa carreira, definitivamente mais rápido que o anterior, e isso se deve muito a ele. Não quero dizer que Tommy é melhor que seu antecessor (Emil Berglin, que gravou Garden Of Bones. Atualmente trabalha com as bandas Sordid Flesh e F.K.Ü.), apenas que é um baterista diferente, mais rápido, nenhum desrespeito aqui em relação ao que os outros bateristas fizeram nos nossos álbuns, eles foram os melhores para cada momento. E é isso que Tommy é, o melhor baterista para este momento da carreira do Sorcery.
Já que você destacou a velocidade deste novo álbum, acho que é o momento certo de citarmos a música Where We Were Born We Will Demise.
Ola: Certo, essa é uma música bastante rápida, e acho que esta é realmente uma ótima música para perceber o que Tommy trouxe para o Sorcery. Acho que da forma como ele toca, o que ele consegue tocar, meio que nos impulsionou para um novo estágio, e certamente é por isso que temos uma canção como essa no nosso novo repertório. Liricamente, ela não é tão diferente daquilo que se costuma ouvir, quer dizer, é uma letra típica de death metal. Não é a coisa mais ‘gore’ que você já ouviu, não foi por esse lado que seguimos. Ela tem essa coisa meio negativa ou realista, essa visão de que estamos fadados a um único destino possível, que é a morte. Um tema bem comum para uma canção death metal (risos), então é realmente na parte instrumental que ela prende a atenção do ouvinte.
Como você destacou, liricamente o álbum não vai muito na trilha dos temas ‘gore’, ele segue uma linha mais vil e brutal, por assim dizer, mais conectada ao mundo real do que aos filmes de terror. Sendo assim, de onde veio o título, Necessary Excess of Violence?
Ola: Pois é, o título veio justamente da vida real, veio dos jornais que assistimos na TV. Você sabe, seja em jornais ou em outros programas, você sempre vê os repórteres cobrindo crimes, às vezes crimes muito brutais, e quando o repórter fala com um policial, é corriqueiro que eles digam que aquele crime contou com ‘desnecessário excesso de violência’ (N.R: em inglês, ‘unnecessary excess of violence’), o criminoso agiu com brutalidade desnecessária, enfim. Depois de ouvir muitas vezes essa expressão nos jornais, eu pensei em fazer um trocadilho com essas palavras, em vez de unnecessary (desnecessário) usei necessary (necessário), e usei isso para definir a nossa música, definir a sonoridade do death metal. É isso que o death metal é, um excesso de violência necessário (risos).
Quanto a sua abordagem vocal, ela também pode ser vista como um dos destaques do Sorcery, já que embora guturais, você sempre manteve eles compreensíveis, conseguimos acompanhar facilmente o que você está cantando. Isso foi intencionalmente buscado por você?
Ola: Sim, essa foi uma preocupação que eu tive desde os primeiros dias. Claro que precisamos de guturais para termos death metal, este é um dos elementos clássicos do estilo e algo que me agrada muito, mas pessoalmente, nunca gostei dessas bandas onde os vocais soam como dois cachorros latindo um para o outro, não faz meu estilo (risos gerais). Quer dizer, se você vai cantar de uma forma que ninguém conseguirá entender o que você diz, porque se importar em escrever letras? Sei lá, nunca entendi isso direito, prefiro manter as coisas um pouco mais ‘limpas’, mas não esperem de mim algo fora do gutural (risos).
Bem, mergulhando um pouco no passado, o Sorcery é um dos pioneiros da cena extrema da Suécia, mas no início vocês não eram uma banda de death metal, certo?
Ola: É isso mesmo. Nós começamos em 1986, e naquela época, dificilmente poderíamos ser encarados como uma banda de death metal. A coisa ainda era muito nova, não existiam fronteiras tão claras entre os diferentes gêneros de metal extremo, então acho que nós poderíamos ser muito melhor alocados sob o termo thrash metal. Tínhamos como grandes influências o Slayer, Metallica, Kreator, Destruction, Sodom e, claro, Bathory. Quer dizer, naquela época nós ainda nem tínhamos ouvido death metal, era um mundo que para nós nem existia. Acho que foi na nossa segunda demo, de 1988, que começamos a tocar mais rápido, e na terceira, Unholy Crusade, de 1989, que finalmente encontramos o nosso som, aquele que apresentaríamos no nosso debut, Bloodchilling Tales, de 1991. Na terceira demo, aí sim nos tornamos uma banda de death metal.
O que você acha que marcou a sua transição do thrash para o death metal?
Ola: Acho que, logo após nossa segunda demo, deixamos para trás toda aquela influência que tínhamos do thrash metal clássico. Começamos a ouvir música cada vez mais veloz, o Bathory se tornou de vez uma referência para nós. Enquanto isso, começamos a ouvir as bandas de death metal que iam surgindo, aquilo era brutal, e fomos mergulhando nessa nova onda. A cena começou a se organizar na Suécia, aos poucos, mas consistentemente. Aquela terceira demo já soava como puro death metal sueco.
Quando você percebeu que era um dos pioneiros do death metal sueco?
Ola: Isso foi engraçado, pois, por mais que estivéssemos lá desde o começo, nunca sentimos isso. Acho que só comecei a entender que tínhamos um papel no nascimento desse cenário quando as pessoas começaram a me dizer isso, seja fãs ou jornalistas de fora da Suécia, que estudaram a cena. Acho que isso aconteceu porque nós não estávamos em Estocolmo quando toda aquela cena explodiu, não estávamos ao lado de bandas como Nihilist e Carnage, mas já estávamos tocando quando essas bandas surgiram. Hoje fico muito orgulhoso quando olho para trás, pois foi muito bom ser parte daquilo tudo, acho que juntas essas bandas fizeram algo imenso, algo muito maior do que as pessoas imaginavam que era possível em um país como a Suécia. E todos influenciávamos uns aos outros, existia uma união muito forte… Eu não percebi na época, mas estou muito orgulhoso de termos nossa parte em todo aquele movimento. E o melhor, ainda estamos aqui!
Bem, em 1991 o álbum Bloodchilling Tales foi um dos que ajudou a cimentar a importância da cena sueca.
Ola: Sim, e naquela época também não percebemos que estávamos fazendo um álbum histórico, acho que éramos muito ruins em previsões (risos). Eu lembro bem daquele momento, pois tínhamos um grande movimento aqui na Suécia. Não queríamos competir com a cena da Flórida, nem entre nós havia competição, éramos apenas um grupo de amigos fanáticos por um tipo bastante específico de música, e todos estávamos tentando criar o melhor álbum possível, pois era só isso que importava. Éramos todos tão amigos que, quando uma banda compunha uma nova música, ela rapidamente mostrava para as outras bandas, hoje as pessoas podem dizer que éramos até ingênuos, mas nunca tivemos problemas com isso, era uma cena incrível, construída por amigos que afortunadamente tinham bandas (risos). Infelizmente para nós, Bloodchilling Tales acabou sendo lançado por um selo realmente muito pequeno (N.R: Underground Records), então ele acabou não tenho nenhuma promoção ou distribuição, então ele acabou meio que desaparecendo em meio a todos os álbuns que foram lançados na época, o que é uma pena.
Acho que todos na época achávamos que vocês seriam um dos gigantes da Suécia.
Ola: Pois é, acho que as coisas poderiam ter sido diferentes se tivéssemos conseguido um bom contrato com uma gravadora diferente, que tivesse conseguido nos apoiar e realmente distribuir o álbum pelo mundo todo. Foi uma pena como as coisas aconteceram, mas eu fico feliz que Bloodchilling Tales tenha sido redescoberto e que hoje esteja atraindo tanta atenção, isso é bem legal.
Sim, e ele amplia a visão que as pessoas tem da cena sueca. Quer dizer, as bandas eram muito diferentes, o Entombed não soava como o Unleashed, que não soava como o Dismember, que não soava como o Sorcery, e assim sucessivamente. Era uma mesma cena, mas as bandas tinham identidade forte.
Ola: Sim, existem apenas as semelhanças do estilo, mas todos procuravam fazer a sua própria música. Para nós, acho que acabou sendo importante o fato de não sermos de Estocolmo, estávamos em Sandviken e acho que éramos a única banda de death metal aqui (risos). O mesmo acontecia com o Nirvana 2002, acho que eles também eram a única banda da região deles, então também acabavam soando únicos. Não sei, acho que isso foi um ponto importante: nós fazíamos nossa música, e depois as pessoas ouviam, não tinha ninguém ao nosso lado para dizer que caminho devíamos seguir.
Muito obrigado pela entrevista, o espaço final é seu.
Ola: Eu que agradeço o seu tempo, obrigado mesmo. Gostaria de dizer para as pessoas no Brasil que curtiram o Bloodchilling Tales, que ouçam o novo Necessary Excess Of Violence, acho que vocês vão gostar muito do que trouxemos para vocês nele. Um grande abraço para todos, esperamos tocar para vocês um dia!