Por Daniel Agapito
Fotos: Rafael Andrade
Dentre as bandas do metal industrial, o Static-X e o Dope sempre foram dois dos pilares do gênero, sendo também dois dos principais expoentes do movimento do nu-metal nos anos 2000. Apesar do movimento nunca ter sido dos maiores aqui por terras tupiniquins, ambas sempre tiveram uma boa quantidade de fãs brasileiros, mas até então nunca haviam passado pela nação verde-amarela. O grupo fundado pelo finado Wayne Static já teve vinda marcada para cá, abrindo para o Korn no Credicard Hall, junto ao Linkin Park, mas por motivos que agora parecem ter sido perdidos ao tempo, não conseguiram vir.
O vocalista original, membro fundador e a verdadeira força motriz que movia todo o chamado ‘evil disco’, Wayne Richard Wells, mais conhecido como Wayne Static, faleceu em 2014, mas a banda havia entrado em hiato em 2011, enquanto Static trabalhava em seu álbum solo Pighammer, voltando em 2012 com membros da banda solo de Static e acabando de vez em 2013. Desde 2018, a banda está de volta à estrada com seu line-up original – Tony Campos no baixo, Koichi Fukuda na guitarra e Ken Jay na bateria – e contando com Xer0 nos vocais (Edsel Dope usando uma fantasia de “Wayne Static robô/zumbi”, uma sacada moralmente questionável, apesar da suposta permissão concedida pela família de Static).
As portas do Terra SP abriram por volta das 20h, com um pouco de atraso. Até que lá fora tinha uma fila substancial, mas dentro da casa estava bem vazio. O fato de ser um show com duas bandas de público bem nichado e em uma quinta-feira, começando bem tarde para um dia de semana, em uma casa relativamente grande (3 mil pessoas) não ajudou.
O Dope, marcado inicialmente para subir no palco às 21h, apareceu 10 minutos depois, iniciando a noite com uma introdução pelo sistema de PA, seguido da enérgica Blood Money, vinda do álbum do mesmo nome. Após um agradecimento aos fãs, executaram Bring it On, com o frontman, Edsel Dope, interagindo bastante com o público. A letra do refrão (“what about tomorrow, fuck tomorrow”) aparecia no telão, com ele incentivando o público a cantar junto, pedindo para que levantassem os dedos do meio. Ficou perceptível logo no começo que o Dope estava com grande parte do público na mão, claramente sendo muito experiente no que faz.
Toda vez que o vocalista pulava, o público pulava junto, completamente envolvido. Em Bitch, apenas a terceira música, já era possível ver a primeira roda punk da noite, bem agressiva. Antes de iniciar Debonaire, o grande hit noventista da banda, pediram para que os fãs “get your fists up like it’s 1999” (levantassem os punhos como se fosse 1999). Só pela quantidade de celulares que foram ao ar para gravar a música, era perceptível que esse clássico nostálgico foi um dos momentos mais esperados do show.
No geral, Edsel tinha um controle muito bom do público, sempre agradecendo e pulando. Quando começou o medley Die, Boom, Bang e Burn, pediu para que fosse aberta uma roda, e dito e feito, uma baita de uma roda abriu no meio da pista. A energia seguiu lá em cima pelo resto do medley, com mais uma roda absurda abrindo na hora do Bang, e a potência da voz do vocalista estando em destaque em Burn.
Fecharam da maneira que fazem em todos os shows, perguntando quem veio para festejar, dizendo que não gostam de se levar muito a sério e que então vão tocar a música mais boba possível. Novamente interagindo com o público, Dope até tentou descobrir qual era a tradução de “stupid” em português, mas não entendeu nada que disseram a ele. Uma versão surpreendente de You Spin Me Round, hit absoluto do Dead or Alive, colocou o público para dançar. Como banda, eles pararam no tempo e nem tentam esconder. São o suprassumo do final dos anos 90 e começo dos 2000. São também bastante “adolescentes”, com todas as letras sendo ancoradas no uso repetido de ‘motherfucker’ e com temáticas de festa e sexo – mas se não fosse assim, não seria metal industrial (pegue o Rammstein como exemplo). O bom é exatamente não se levarem a sério e saberemm bem que eram só a banda antes do Static. Terminaram mais ou menos às 21h40, num show bem curto.
22h20, 5 minutos depois do horário marcado, o silêncio ensurdecedor da casa foi quebrado por Walk, do Pantera, que soava pelo PA. Depois, veio Time Warp, de Rocky Horror Picture Show, que rendeu algumas vaias singelas. Como se não tivessem criado antecipação o bastante, passaram uma introdução, Evil Disco, com um videozinho na tela. Às 22h30, a banda foi subindo aos poucos no palco, recebida de gritos dos fãs. O atraso combinado tem que acabar.
Começaram com Hollow, de Project Renegeration, álbum de 2020. Logo de cara, abriu uma roda gigante. Por mais estranho que seja Xer0 como conceito, é o Static-X com sua formação original. A sensação de ouvir todos os clássicos de Wayne sendo cantados por alguém que realmente se importa com seu legado não tem preço. Terminator Oscillator, também daquele álbum, foi a próxima, e que energia, meu Deus! O público inteiro estava em transe, vidrado. Xer0 soltava alguns “what’s up São Paulo”, e os famosos “jump, jump”. Mesmo robô, tinha coração. Na segunda música, subiu também no palco um mascote esquisito com o logo da banda na cabeça e uns cabelos espetados tipo Wayne.
Love Dump foi a terceira, e primeira dos discos originais. O clima de nostalgia ficou evidente na hora, era todo mundo pulando e cantando junto. A roda só crescia e animava mais a cada segundo. O impacto de Wisconsin Death Trip (1999) na vida de cada pessoa que estava presente era tangível. Antes de Sweat of the Bud, Tony Campos foi ao meio do palco e sinalizou que queria uma roda, girando o dedo. E se Tony pede roda, você abre roda, sem mais. Na hora, só dava pra ver a galera recuando de desespero, enquanto a roda consumia mais e mais da pista.
Tivemos direito a uma dobradinha de Fix e Bled for Days, ambas ainda do primeiro disco. De certa forma, o show foi bem objetivo e concentrado: tinha horas em que era uma música atrás da outra, sem tempo pra respirar. Havia também momentos em que os integrantes soltavam uns “are you motherfuckers ready?” (“estão prontos, caralho?”), quando era possível sentir o Terra tremendo. Cada “jump, jump, jump” era recebido por abalos sísmicos no bairro.
Dando um destaque para Machine (2001), tocaram Black and White, primeiro single do disco, com um clipe no mínimo esquisito. O refrão foi cantando em uníssono e a plenos pulmões, pelos poucos fãs que estavam lá. Com as luzes iluminando Ken Jay, baterista e Tony Koichi cada um em uma plataforma nos extremos do palco, o destaque foi ao novo disco (Project Regeneration, Pt. 2) com Z0mbie, surpreendentemente pesada. Ao vivo, as músicas do Static têm um peso diferente. Também, não há dúvida de que o astral altíssimo da noite também contribuiu para a animação da banda. Na tela, passavam cenas do clipe.
Como se a versatilidade vocal do Xer0 já não tivesse sido provada, Get to the Gone, sucessora de Bien Venidos, introdução de Machine, executado pelos alto falantes, veio na sequência, com seus gritos do fundo da alma soando como algo que realmente não é fácil de fazer. Sendo uma das mais rápidas da banda, a galera que estava atiçando as rodas enlouqueceu, correndo como nunca. O público continuou envolvido com a surpreendentemente dançante I Am, mistura perfeita de dissonância e groove.
Cold teve sua introdução estendida e foi uma homenagem ao Wayne Static, com imagens de seu rosto passando pela tela. Desta vez não posso nem zoar: a música foi linda, um mar de celulares subiu para gravar o momento, com todo mundo cantando junto. Wayne deve ter sofrido, onde quer que ele esteja. Na sequência, veio I’m With Stupid, que também foi incrível, mas pelo motivo oposto: foi o caos absoluto, não tinha como não entrar na roda de tão grande que tinha ficado; jogaram uns balões com o logo da banda na plateia, meio mundo pulava e batia cabeça. Depois até saíram do palco, como se fossem surpreender alguém com o bis. Static-X sair antes sem Push It é tipo o Sepultura sair sem tocar Ratamahatta e Roots Bloody Roots; acontece todo show, todo mundo sabe, mas todo mundo adora.
Antes da última música, o carismático Campos fez um pequeno discurso, dizendo que já veio para o Brasil com várias bandas, que adora o país, mas nunca havia vindo como Static-X, que sempre quis trazer. Agradeceu todo mundo e falou que é diferente tocar sem Wayne, mas que vão continuar com seu legado porque é o que a galera quer ouvir. Enquanto houver fãs, haverá shows. Quem estava lá gritava o nome de Wayne, rapidamente mudando de ideia e gritando o de Tony. Essa foi a hora que o baixista decidiu apresentar a banda. Vale ressaltar que tinham uma energia incrível no palco, com Fukuda correndo feito criança que comeu muito açúcar, Campos ficando quieto, mas dando pedradas no baixo e batendo cabeça com força e Ken Jay realmente parece um baterista programado de tão preciso.
Push It foi, de forma esperada, um momento de catarse que todos aguardavam. Como já disse acima, apesar de ser pela versão moralmente questionável de Wayne Static, ouvir os clássicos da banda ao vivo é incrível. Sempre foi um daqueles grupos que o povo brasileiro nunca achou que veria, assim como o Mudvayne, que também veio neste ano.
Ao todo, foi um show histórico. Esquema complicado, sim, mas o show compensou tudo. Poucos viram, mas quem esteve lá, curtiu demais. Infelizmente, a chance de esse ser um daqueles shows “uma vez na vida” é muito alta, não parecia ter nem mil pessoas na casa. Quem viu, viu, quem não viu, talvez não veja mais. É realmente uma pena, porque foi uma experiência única. Agora só resta esperar que venham mais uma vez (e toquem The Only, que ainda não tocaram com Xer0 na formação).
Dope – setlist
Confessions of a Felon (Intro) *
Bring it On
Bitch
Debonaire
Die, Boom, Bang, Burn
You Spin Me Round (Like a Record)
Static-X setlist
Walk (Pantera) *
Time Warp (Rocky Horror Picture Show) *
Evil Disco *
Hollow
Terminator Oscillator
Love Dump
Sweat of the Bud
Wisconsin Death Trip
Fix
Bled for Days
Black and White
Z0mbie (com introdução estendida)
Bien Venidos *
Get to the Gone
I Am
Cold
I’m With Stupid
Bis
Push It
*pelo sistema de PA