A lembrança pelas três décadas da tragédia de Chernobyl, o pior acidente nuclear da história, ocorrido em abril de 1986, e o recente conflito entre forças a favor do governo e separatistas pró-russos colocaram a Ucrânia nas manchetes internacionais nos últimos tempos. Mas essa ex-república soviética também é conhecida por ter revelado ao mundo nomes como o craque de futebol Andryi Shevchenko, astro da seleção e do Milan, pelo qual ganhou o prêmio de melhor jogador europeu em 2004, e as belas atrizes Milla Jovovich (a heroína de “Resident Evil”) e Olga Kurylenko (a ‘bond girl’ de “007 – Quantum Of Solace”).
De uns anos para cá, o país do Leste Europeu tem adquirido posição de destaque igualmente na música pesada, quando se fala em Stoner Metal. Tudo graças à banda Stoned Jesus, a primeira daquelas terras a tocar na América do Sul. Divulgando seu terceiro álbum, “The Harvest” (2015), o grupo formado por Igor Sidorenko (guitarra e vocais), Sergii Sliusar (baixo e vocais) e Viktor Kondratov (bateria) desembarcou no Brasil para três shows, depois de passar por Chile e Argentina.
No Rio de Janeiro, pontapé inicial da turnê que ainda incluiria São Paulo e Florianópolis, a apresentação atraiu muitos apreciadores do chamado “rock arrastado” ao Teatro Odisseia, na Lapa, em uma friorenta e chuvosa sexta-feira 13 de outono. A abertura da noite, por volta das 19h15, ficou a cargo dos paulistanos do Saturndust, que vieram promover seu disco de estreia, autointitulado, lançado no último ano.
Felipe Dalam (guitarra, vocal e sintetizadores), Guilherme Cabral (baixo e vocal) e Douglas Oliveira (bateria) brindaram o público, que progressivamente tomava as dependências da casa, com seu impactante Space Doom. Uma autêntica viagem sideral e sensorial, repleta de elementos psicodélicos, riffs alucinantes e longas partes instrumentais.
Em pouco mais de 45 minutos de performance regada a muito peso, distorção e experimentalismo, o trio executou faixas de seu elogiado debut, como “All Transmissions Have Been Lost” e “Gravitation Of A Hollow Body”, que traz no início uma narração do famoso astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996), além de algumas novas composições.
Já perto do fim, o baixista Guilherme Cabral agradeceu a presença de todos e destacou a ótima semana que a banda teve no Rio de Janeiro. O suporte para o Stoned Jesus marcou o encerramento de uma pequena turnê do grupo pela cidade, com direito a um show em Petrópolis, na Região Serrana do estado, entre as datas. O Saturndust ainda acompanharia o Jesus Chapado no restante do giro pelo país.
Enquanto parte do bom público aproveitou o breve intervalo para ir até o bar e pegar uma cerveja, alguns fãs fizeram questão de permanecer colados ao palco, acompanhando a movimentação dos músicos. Após todos os ajustes, era a hora do Stoned Jesus. A principal atração da noite iniciou os trabalhos com “Rituals Of The Sun”, do seu mais recente disco, “The Harvest” (2015). Era visível a satisfação dos ucranianos, sobretudo do frontman Igor Sidorenko. O vocalista e guitarrista saudou o público com um inteligível “E aí, galera!”, em português quase perfeito, acrescentando que era a primeira vez da banda em território sulamericano.
Lançada como single digital, a faixa “The Harvest” veio depois, seguida por “Stormy Monday”, faixa do álbum “Seven Thunders Roar” (2012) que teve ótima resposta. Do mesmo disco, “Bright Like The Morning” não ficou atrás e foi uma das mais aclamadas. Se na pista muitos batiam cabeça, embalados pelas referências Prog, Doom, Grunge e do Rock setentistas contidas na sonoridade do SJ, a energia que emanava do palco não era diferente. Sidorenko e o baixista Sergii Sliusar entregavam uma performance insana, guiados pelo vigor e precisão do baterista Viktor Kondratov.
Sob o coral do participativo público, cantarolando os acordes iniciais, “I’m The Mountain”, mais uma de “Seven Thunders Roar”, invadiu lentamente os tímpanos e sentidos de quem estava no Odisseia, com seus “modestos” 13 minutos. Tempo de sobra para o grupo destilar seu poderoso instrumental, repleto de solos e variações de andamento, e ainda deixar a plateia soltar a voz sozinha no refrão, agraciada com as luzes da casa acesas.
Única a representar “First Communion”, o CD de estreia, lançado em 2010, no setlist, “Black Woods” também impressionou, mas não somente devido à sua extensão, superior a dez minutos. É a nítida influência do Black Sabbath que pega o ouvinte de jeito, seja pelo aspecto rítmico, seja pelos vocais de Sidorenko, emulando a forma de cantar de um tal Ozzy Osbourne. Conhece?
A energética “Electric Mistress”, outra música pinçada de “Seven Thunders Roar”, finalizou a primeira parte do excelente show, com direito à roda de pogo no meio da pista, algo que se repetiria em seguida, já no bis, durante “Youth For Sale” – leia-se “YFS”, do álbum “The Harvest”. A faixa de letra inspirada na guerra entre Ucrânia e Rússia (mencionada no início do texto) abriu espaço para a não menos agitada “Here Come The Robots”, que encerrou a noite de fato, com o pique lá no alto e o vocalista jogando sua camisa para o público, antes de deixar o palco em definitivo.
Ao fim de cerca de uma hora e 20 minutos e um set relativamente econômico (nove músicas, em que pese várias com longa duração), não resta dúvidas de que a estreia do Stoned Jesus em solo brasileiro foi arrebatadora. A julgar pela apresentação no Rio, os rapazes de Kiev já têm sinal verde para voltar outras vezes ao país e à cidade nas suas próximas turnês.
Setlist Stoned Jesus
1. Rituals Of The Sun
2. The Harvest
3. Stormy Monday
4. Bright Like The Morning
5. I’m the Mountain
6. Black Woods
7. Electric Mistress
Bis
8. YFS
9. Here Come The Robots
Setlist Saturndust
1. Negative Parallel Dimension
2. Gravitation Of A Hollow Body
3. All Transmissions Have Been Lost
4. Time Lapse (Of Living Things