Do inferno ao céu em cinco dias. Em um curto período de tempo, o coro em “Curse The Gods” deu lugar a um que pedia “para o inferno com o diabo.” Vamos esquecer que de um lado existe um senhor cabeludo, barbudo e com uma coroa de espinhos na cabeça, e do outro, um sujeito todo vermelho com cifres, rabo e tridente numa das mãos. É melhor acreditar no poder da boa música, e nisso o Stryper tem talento e competência para dar e vender. Escalado para o Teatro Odisseia, o quarteto teve seu primeiro show no Rio de Janeiro transferido para o Circo Voador em virtude da boa procura pelos ingressos. Não lotou a nova casa, mas arrebanhou um bom número de fãs, fiéis ou não, para uma noite mais do que agradável.
Em meu imaginário saudosista, torcia por um início de show com “Sing-Along Song” e “Makes Me Wanna Sing”, mas o novo e velho saíram melhor do que o desejado. Depois da introdução “Battle Hymn Of The Republic” – no Brasil, “Glória, Glória, Aleluia” –, o clássico “Soldiers Under Command” preparou os ânimos para duas ótimas amostras do material mais recente: “God”, de “The Covering” (2011), mostrou que a garganta privilegiada de Michael Sweet continua afiadíssima, e “Revelation”, de “No More Hell To Pay” (2013), lembrou aos incautos que o vocalista é também um guitarrista de mão cheia. Pronto, já estavam todos batizados.
De volta ao passado, “Loud ‘N’ Clear” e “The Rock That Makes Me Roll” mantiveram o nível, mas foram “Reach Out”, “Calling On You”, “Free” e “More Than A Man”, mais pesadas ao vivo, que resgataram as memórias do Hair Metal dos anos 80. Do que havia de legal no termo que cunhou o lado mais acessível do Hard Rock americano. Três décadas depois, há menos pompa no trabalho de Michael Sweet, Oz Fox (guitarra), Tim Gaines (baixo) e Robert Sweet (bateria), como provam canções como “No More Hell To Pay” e “Marching Into Battle”.Mas sem perder a essência, afinal, “In God We Trust” – na verdade, na versão “I.G.W.T.” de “Reborn” (2005) – e “All For One” já tinham o embrião de uma mudança.
Houve tempo até mesmo para “Shout It Out Loud”, cover do Kiss presente em “The Covering”. Empolgou menos do que o esperado, menos do que a balada “Honestly”, uma vez que os fãs estavam ali pelo Stryper. E pela primeira vez. Curiosamente, “Winter Winterland” foi bem recebida, mas quem se importa? A música de Richard Himber & His Orchestra virou posse do quarteto praticamente em seus primeiros passos.
“The Way” encerrou o set regular, mas ao contrário de muitos shows por aí, o ápice ficou mesmo para o fim. Cristãos, evangélicos, agnósticos, pagãos, ateus… Impossível identificar as tribos entre as 1.000 pessoas no Circo Voador, mas a verdade é que “To Hell With The Devil” colocou todo mundo para, com punhos para cima, cantar seu refrão em uníssono – e a expressão de felicidade de Michael Sweet foi uma das mais sinceras que já vi. Banda e fãs terminaram a noite em êxtase. Mesmo quem não é fã ardoroso saiu com a sensação de que valeu o ingresso.
A banda jogou bíblias para os fãs? Sim, da mesma maneira que Blackie Lawless joga pedaços de carne crua para a plateia nos shows do W.A.S.P., e é possível gostar dos dois. Rolou até “parabéns para você” para Tim Gaines, que no dia seguinte fez 52 anos. E quantos grupos você já viu, seja de qual estilo for, festejar no palco? O fato de não acreditar – e eu mesmo não acredito, diga-se – não impede ninguém de curtir. Ou você vai jogar fora seus discos do Slayer porque “Disciple” é cantada pelo católico Tom Araya?
Setlist
1. Soldiers Under Command
2. God
3. Revelation
4. Loud ‘N’ Clear
5. The Rock That Makes Me Roll
6. Reach Out
7. Calling On You
8. Free
9. More Than A Man
10. No More Hell To Pay
11. Marching Into Battle
12. Shout It Out Loud
13. In God We Trust
14. All For One
15. Honestly
16. Winter Wonderland
17. The Way
Bis
18. To Hell With The Devil
