Por Leandro Nogueira Coppi
Fotos cedidas gentilmente por: @pridiabr (System of A Down) e Marcela Lorenzetti | @actualiity (Ego Kill Talent)
*Ego Kill Talent: texto por Daniel Agapito
Com 30 anos de estrada e apenas cinco discos de estúdio, o System of A Down segue como um dos casos mais curiosos e relevantes do rock pesado contemporâneo. Mesmo sem lançar um álbum completo desde Hypnotize (2005), a banda armênio-americana mantém uma base de fãs extremamente fiel e apaixonada — algo que ficou evidente em sua mais recente passagem pelo Brasil. A turnê sul-americana “Wake Up! Stadium Tour” contou com duas noites esgotadas no Allianz Parque, em São Paulo, além de um terceiro show extra no Autódromo de Interlagos, dias depois — um feito raro para qualquer grupo, especialmente em tempos de agenda concorrida e de altos custos no setor de eventos.
A ROADIE CREW foi credenciada para cobrir a segunda e a terceira apresentação da banda na capital paulista. A seguir, você confere tudo o que rolou no segundo show do System of A Down no Allianz Parque, realizado em 11 de maio. Para ler a cobertura do show do Autódromo de Interlagos, clique no link abaixo.
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Assim como na noite anterior, o Ego Kill Talent iniciou os trabalhos no palco do Allianz Parque – estádio que tem se tornado uma espécie de segunda casa para a banda. O caso do grupo é curioso: apesar de ainda não ser tão grande no cenário musical, vem acumulando apresentações em estádios, o que tem gerado certo ceticismo por parte do público. Apresentando uma qualidade de som e valor de produção inegáveis, o que faltou mesmo foi a energia do público. Emmily Barreto (voz) e Cris Botarelli (baixo) – também integrantes do Far From Alaska – mostraram entrosamento e uma vontade real de estar no palco, mas, em comparação com as outras performances acompanhando o SOAD, especialmente em outros países, até elas pareciam mais reservadas. Sabiam, afinal, que estavam, de certa forma, “jogando fora de casa”.
Em relação ao setlist, a banda começou com a animada We Move as One, música que, na versão de estúdio, conta com as participações de Andreas Kisser (Sepultura) e Rob Damiani, vocalista da banda inglesa Don Broco. Desde a entrada de Emmily em 2022, o Ego Kill Talent lançou um EP e alguns singles, além de ter regravado recentemente Last Ride com os vocais da nova integrante. Da fase Jonathan Dörr, apenas Lifeporn foi incluída na apresentação, enquanto o restante do repertório foi majoritariamente composto por faixas do EP Call Us By Her Name (2023), como a própria faixa-título, que foi emendada com a envolvente Need No One to Dance – destacada por uma linha de baixo marcante e uma breve interação com o público logo no início. Após um agradecimento às mães presentes na plateia – incluindo a de Emmily, que assistia ao show dos camarotes do Allianz Parque -, a vocalista chamou ao palco Jéssica di Falchi, guitarrista que recentemente anunciou sua saída da Crypta.
Junto com a convidada, vieram Never Fading Light – ainda não lançada nas plataforrmas – e Reflecting Love. Jéssica injetou uma dose de ânimo no público, que ainda continuava bastante morno, apesar das sucessivas tentativas de interação da banda. Em When it Comes, por exemplo, Emmily chegou a jogar o refrão para o plateia, mas o retorrno foi tímido. Vale destacar a impressionante potência vocal da cantora, que transita com naturalidade entre timbres limpos e rasgados. Just for the Likes, outra faixa ainda não lançada, tem um refrão melodioso – diria chiclete -, que lembrou bastante o Balão Mágico ou a Xuxa. A banda encerrou a apresentação com Finding Freedom, acompanhada por algumas palmas da plateia, e Last Ride, certamente seu maior ‘hit’. Foi uma boa performance, ainda que não exatamente marcante, em grande parte pela apatia do público. E Ego Kill Talent mostrou que tem sim músicas de qualidade, embora seu som não dialogue muito com o universo do System of a Down. É compreensível a resistência por parte dos fãs – o mercado de shows internacionais, neste momento, parece um tanto saturado da presença da banda -, mas isso não quer dizer que o grupo não tenha valor.
Faltando poucos minutos para o início do show do System of A Down, impressionava observar as dependências do Allianz Parque: o estádio estava completamente lotado. Havia, inclusive, bem mais gente do que na recente edição do Monsters of Rock, realizada semanas antes no mesmo local com sete bandas internacionais no line-up. E vale lembrar: a “WAKE UP! South American Stadium Tour” teve duas noites esgotadas no Allianz, que ainda renderam um terceiro show extra no Autódromo de Interlagos, dias depois. É difícil imaginar outra banda atualmente capaz de alcançar uma façanha dessa magnitude.
Pontualmente às 21h, quando começou a tocar no som mecânico One Flew Over the Cuckoo’s Nest – tema do filme Um Estranho no Ninho (1975), estrelado por Jack Nicholson) o barulho do público foi ensurdecedor. Os celulares criaram um espetáculo à parte: cada setor das arquibancadas brilhava com uma das cores da bandeira da Armênia – vermelho, azul e amarelo. Foi uma linda e afetuosa homenagem do público brasileiro, que fez a banda armênio-americana se sentir verdadeiramente acolhida pelos fãs e conectada às suas raízes. De certa forma, foi também uma maneira de retribuir os gestos de generosidade protagonizados pelos integrantes do System of A Down durante a estadia no Brasil. Um dos momentos marcantes foi a visita à área reservada ao público PCD. Em outro gesto digno de aplausos, o guitarrista Daron Malakian comprou todos os panos de prato que um garotinho vendia nas ruas de São Paulo, pagando a ele um valor generoso. Já o baterista John Dolmayan ajudou duas idosas a descer de um taxi em meio ao trânsito carioca. E, como curiosidade: no dia 12, no mesmo Allianz Parque, a banda assitiu à partida entre Santos e Ceará, válida pelo Campeonato Brasileiro de futebol – mas teve que encarar um modorrento 0 a 0.
Se a gritaria do público já era ensurdecedora durante a introdução mecânica, imagine quando Malakian, Dolmayan, Serj Tankian (vocal) e Shavo Odadjian (baixo) surgiram no palco. Tão logo foi ovacionado, o quarteto começou a festa tocando X, música do poderoso segundo álbum de estúdio, Toxicity (2001). Na primeira pausa, Malakian destacou com orgulho as raízes da banda, mencionando a cidade de Los Angeles, na Califórnia, e a Armênia. E declarou: “Esse é o estilo rock and roll music do System of A Down!”. Na sequência, puxou o riff de Suite-Pee, primeira da noite extraída do emblemático álbum de estreia autointitulado, lançado em 1998 – quatro anos após a criação do grupo. Nessa música, Tankian explorou os efeitos em sua voz, acionados no palco por ele mesmo. A pancadaria sonora seguiu com a insana Prison Song, que serviu de estopim para que um grupo de pessoas na pista acendesse sinalizadores vermelhos – foi um verdadeiro “fumacê”.
Aliás, é uma incognita como a segurança brasileira não coibiu a presença desses itens em nenhum dos cinco shows que o System of a Down realizou no país. Como se não bastasse, a atuação da equipe de segurança causou revolta ao proibir a entrada de power banks (carregadores portáteis) e, pior, ao descartar dezenas deles no lixo. Um desrespeito total com o público – situação semelhante à que ocorreu dias antes em um jogo do Palmeiras, na Arena Municipal Orlando Batista Noveli, em Barueri – especialmente porque os power banks não estavam incluídos na lista oficial de itens proibidos divulgada pela produtora. Foi um episódio tão lamentável quanto a abordagem da Polícia Militar, que, segundo diversos relatos, assustou fãs que aguardavam na fila, intimidando-as com cães farejadores. Houve também outra situação grave, relatada, filmada e divulgada no YouTube, envolvendo uma garota menor de idade que, segundo ela, mesmo sendo agredida dentro do estádio por um homem visivelmente alcoolizado – e que ainda por cima fazia gestos nazistas durante uma música do Rammstein, tocada antes do início do show do SOAD -, não recebeu qualquer assistência da produção.
O repertório também reservou momentos inusitados, como as inserções bem-humoradas de trechos de hits lendários sendo cantados por Malakian entre as músicas do System of A Down, caso de Every Breath You Take, do The Police, em meio a Bounce, e Careless Whisper, clássico do WHAM! eternizado na voz do finado George Michael, que antecedeu Lonely Day.
Os efeitos visuais, com jogos de luz, imagens projetadas nos telões e feixes de laser atravessando o estádio, deram um brilho extra ao espetáculo, tornando a experiência ainda mais envolvente.

Shavo Odadjian também brilhou, não apenas pela técnica, mas por sua entrega em palco, sempre agitando com intensidade – no mesmo nível de Daron Malakian. Aliás, é difícil não enxergar Malakian como o verdadeiro frontman do grupo: além de colaborar intensamente nos vocais, é o único que conversava com o público ao longo do show. No entanto, sua insistência em gritar toda vez que terminava uma fala acabava soando irritante.
Nesse aspecto de performance, a maior decepção, porém, ficou por conta de Serj Tankian. Durante todo o show, o vocalista não disse uma palavra sequer ao público. É impressionante que alguém que escreve letras tão acidas e politizadas, com uma consciência social tão forte em suas entrevistas, não tenha se dirigido aos fãs nem para apresentar algumas das músicas. Para piorar, em vários trechos do show sua voz parecia extremamente baixa – e não ficou claro se isso era resultado de algum problema técnico ou se era o próprio Tankian que estava econômico no volume.
Sabiamente, a banda deixou para o final do show suas duas músicas mais aguardadas pelo público: Toxicity e Sugar. Ambas que quase abalaram as estruturas do Allianz Parque, tamanha a reação explosiva dos fãs. Cheias de variações, mudanças de dinâmica e atmosferas contrastantes, essas duas músicas são exemplos perfeitos de como o System of A Down, ao meu ver, se diferencia das demais bandas de sua geração no nu metal – graças à singularidade e à criatividade presentes em suas composições. Apesar dos problemas apontados na produção do evento e da performance apática de Serj Tankian, quem esteve no Allianz Parque certamente saiu em êxtase, muito por conta da energia que vinha do próprio público.
A passagem do System of A Down pelo Brasil foi, sem exagero, equivalente à de um tornado. Três dias depois, a devastação – no melhor sentido – seria concluída no Autódromo de Interlagos.
SYSTEM OF A DOWN setlist:
X
Suite-Pee
Prison Song
Aerials
I-E-A-I-A-I-O
36
Pictures
Highway Song
Needles
Deer Dance
Soldier Side
B.Y.O.B.
Radio / Video
Dreaming
Hypnotize
Peephole
ATWA
Bounce
Suggestions
Psycho
Chop Suey!
Kill Rock ‘n Roll
Lost in Hollywood
Lonely Day
Mind
Spiders
Forest
Cigaro
Roulette
Toxicity
Sugar
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