Em 1986 Wayne Hussey e Craig Adams deixaram o Sisters of Mercy do egocêntrico Andrew Eldritch e suas alienações e criaram o The Mission. Apesar de muitas vezes esquecido no meio gótico, o sucesso comercial do The Mission foi ainda maior que o Sisters of Mercy mas, hoje, ambas são parte de um underground pouco conhecido dos mais jovens e sempre admirado pelos mais velhos. Só que enquanto a banda de Andrew vive da sombra do passado, Wayne se manteve ativo, seja sob a insígnia da banda ou solo. Desde o ano passado ele segue em uma turnê de celebração dos 25 anos da carreira da banda, que passou pelo Brasil no domingo, 27 de maio, mais especificamente em São Paulo, na excelente casa Cine Joia.
Expectativa, ansiedade e desinformação fizeram parte das horas pré-show. Em sites de notícias e até no site da casa, o horário estava indicando que o show seria às 21h. No flyer do evento e no ingresso, o horário era das 19h e foi com base neste último que boa parte do público já formava uma enorme fila negra na porta da casa por volta das 18h. Só que o horário confirmado na porta da casa era realmente o das nove da noite e muita gente ficou aguardando por horas sem ter essa informação, algumas revoltadas. Outras ao saber do horário davam telefonemas para reprogramar seus fins de noite.
Já com casa cheia, por volta das 21h20, Wayne & Cia. deram as caras. E que companhia, pois ao seu lado estavam justamente seu parceiro de criação de banda, o baixista Craig Adams, além do ex-guitarrista Simon Hinckler, completando o time com o jovem baterista Mike Kelly.
A banda abriu o show com “Beyond The Pale”, do álbum “Children” (1988), seguida de “Hands Across The Ocean”, de “Grains On Sand” (1990). Era impressionante a qualidade do som, mesmo para as primeiras músicas do show que sempre passam por alguns ajustes. Aliás, restaurar o Cine Joia e transformá-lo em uma casa de shows deu a São Paulo mais um ótimo espaço para shows de pequeno e médio porte. Localizado na Liberdade, bairro japonês da Capital Paulista, o Cine Joia era espaço para projeções de filmes orientais nos anos 50, fechou suas portas nos anos 80 e chegou até mesmo a se tornar uma Igreja. Desde novembro do ano passado, a casa foi reaberta por um grupo de sócios que restauraram o espaço, dando um belíssimo presente aos amantes da música.
Voltando ao show, “Serpent’s Kiss”, “Naked And Savage” e “Garden of Delight”, esta última, do primeiro álbum, “Gods Own Medicine” (1986). Impressionante como a voz de Wayne, mesmo com seus 54 anos, continua impecável. Além disso, o músico é pura simpatia. Com sua garrafa de Gato Negro Carmenère (vinho barato chileno), o vocalista sorri, cumprimenta, fez questão de dizer que no dia anterior ao show foi seu aniversário e perguntou ao público se não iriam cantar parabéns para ele e até que alguns cantaram, meio timidamente, mas cantaram.
Vale dizer que ao vivo, a banda toca tudo um pouco mais acelerado, dando mais dinâmica a várias músicas, e o público não parecia se incomodar nem um pouco, ao contrário, pela excitação de vários, não parecia que se tratava de um show gótico, dark alternativo, ou seja lá como gostam de nomear os som do Mission.
Como qualquer ícone musical surgido nos anos 80, a banda também tem seu momento de grandes hits mais populares e este momento chegou com a execução de “Severina” e “Butterfly on a Wheel”. E não tinha quem conseguisse ficar com calado com a primeira e não se emocionar com a segunda. “Butterfly…” ao vivo é arrepiante, ainda mais auxiliada pela excelente iluminação do show, contando com projeções de imagens ao fundo da banda, sem telão, tudo projetado direto nas paredes da casa. Foi realmente um momento belíssimo.
Além da simpatia e da voz em forma de Wayne, é de se destacar a empolgação do baixista Craig Adams e o som das guitarras tanto a do Sr. Hussey, quanto a de Simon Hinckler. Não sei dizer que tipo de distorção eles utilizam, mas o som consegue ser sujo, mas ao mesmo tempo muito nítido, sem apelos ‘metálicos’ e produz um timbre muito viajante…
“The Grip Of Disease”, “Wake” e a vez de mais um hit: “Wasteland”. Mais um cantado em peso e que ainda contou com trecho improvisado meio reggae e após este que vos escreve cair em êxtase com “Crystal Ocean” (passei a tarde toda andando pelas ruas do bairro Liberdade cantando ‘Shake, shake, shake, shake, shake, shake me down’), a banda seu sequência com “Deliverance”. Imagens da águia bicéfala passavam de fundo durante sua execução que acabou com a banda deixando o palco e público cantando seu refrão.
Nem é preciso dizer que o The Mission logo voltou, primeiro com “All Along The Watchtower”, cover de Bob Dylan, emendada apenas com o fim de “Stairway to Heaven”, seguida de “Blood Brother”.
Mais uma saída de palco e Wayne volta sozinho com umas das mais belas canções da banda: “Like a Child Again”. Infelizmente nesta versão safadinha apenas com guitarra acústica e voz, como já vem sendo executada há anos, passando longe da beleza da versão original, mas ainda assim emocionando por sair da voz de Hussey. “Like a Hurricane”, original do cantor Neil Young já é daqueles covers que ganhou a cara do intérprete e parece mesmo uma música do The Mission. Sua execução deu aquela animada final na plateia.
A banda se despede mais uma vez e quando todos começavam a virar as costas para ir embora, Wayne volta sozinho para o palco e, acompanhado do som da bateria eletrônica, dá início a “Tower Of Strength”, mais um clássico do álbum “Children” e logo após o primeiro refrão, a banda toda volta e termina a execução da música, com direito a Craig subindo nas enormes caixas de PA’s do canto esquerdo do palco para tocar seu baixo. Wayne deixa sua guitarra, leva o microfone até o público, joga uma das garrafas de seu Gato Negro para galera e, desta vez sim, de despede para valer.
Foi um show memorável! Durante toda a apresentação o líder da banda que é casado com uma brasileira, declarou seu amor por São Paulo. Ele divide sua vida entre a terra da garoa brasileira e Londres, a verdadeira terra da garoa, então foi como se Wayne estivesse tocando em casa, numa festa particular para mais de mil pessoas que tiveram um prazer enorme em serem recebidas pelo talento deste excelente anfitrião. E que a idade lhes permita ainda mais décadas de carreira convidado a todos para suas celebrações. Longa vida ao The Mission!