Para os headbangers paulistanos, tão boa quanto a notícia dada pelo The Mist no final de 2018 sobre a retomada de suas atividades, suspensas desde 1997, foi a confirmação do retorno da banda à São Paulo, após mais de 20 anos. Hoje formado pelos veteranos Vladimir Korg (vocal, Unabomber Files, ex-Chakal, Megathrash e The Junkie Jesus Freud Project), Jairo Guedz (guitarra, ex-Sepultura, Overdose e Eminence) e Chris Salles (bateria, ex-Mayhem), trio que gravou o clássico segundo álbum The Hangman Tree (1991), mais o estreante Wesley Ribeiro (baixo, Hells Punch, Hammurabi e Drowned), substituto do fundador Cello Dias, o Rapadura, o lendário grupo mineiro passou pela terra da garoa no último sábado. A vinda do The Mist com sua “The Scarecrow Tour XXI”, que celebra os 30 anos de sua fundação, se deu graças a mais uma edição do Música Extrema. O projeto realizado pelo Sesc Belenzinho já havia presenteado os fãs da famigerada Belo Horizonte (MG) dos anos 1980 e 1990, com shows de outras bandas seminais daquele cenário: Holocausto (que recentemente anunciou o fim da carreira), Overdose e Mutilator, respectivamente.
A relação entre o The Mist e a cidade de São Paulo vem desde a primeira metade da década de 1990. Naquele período em que o thrash metal fervilhava, o grupo tocou nos extintos Aeroanta e Black Jack, por exemplo, porém seu show mais marcante aconteceu no “Super Metal Festival”, em abril de 1994. Sem Korg, que havia saído, e desfalcado de Cello Dias, que estava em Denver, Colorado (EUA) – e que depois assumiria os vocais no EP …Ashes to Ashes, Dust to Dust… (1993), e mais tarde integraria o Soulfly, nova banda do ex-Sepultura Max Cavalera -, o The Mist dividiu palco com os alemães do Kreator e os compatriotas Korzus, P.U.S., Volkana e Krisiun como power trio, com Guedz e Salles acompanhados do “quebra-galho” Cassiano Gobbet (baixo e vocal, Taetrabiblia), que no ano seguinte foi efetivado e gravou o último álbum, Gottverlassen. O evento realizado no Ginásio do Canindé, da Associação Portuguesa de Desportos, teve ampla cobertura do Fúria Metal, programa da MTV que era apresentado pelo então VJ Gastão Moreira.
No show do último sábado, o The Mist foi recebido por um bom público, formado em grande parte por headbangers da velha guarda e também por fãs de gerações mais recentes. No repertório, Korg, Jairo, Salles e Wesley focaram, exclusivamente, em músicas dos dois primeiros álbuns, Phantasmagoria (1989), que está completando 30 anos, e o mencionado The Hangman Tree. Após breve introdução, o quarteto entrou tocando uma trinca dilacerante do debut, formada por Barbed Wire Land (At War), Flying Saucers in the Sky e a própria Phantasmagoria. Peter Pan Against the World, que considero uma das melhores músicas de The Hangman Tree, foi a primeira a representá-lo. Desde o início do show, a qualidade de som estava muito boa, o que favoreceu para o entrosamento do quarteto, que se mostrou à vontade no palco. A única escorregada mais evidente aconteceu em A Step Into the Dark, mas apenas porque o cabo da guitarra de Jairo escapou. Ele e Korg estavam bastante comunicativos. O canhoto Salles continua preciso e tocando com muita pegada. Por sua vez, Wesley provou ter sido uma ótima aquisição para o The Mist. Além de ótimo baixista (que descarta o uso de palheta), agita o tempo todo e esbanja carisma. Isso sem contar que tirou, com maestria, as exímias e destacadas linhas construídas por Rapadura, que hoje reside em Los Angeles (EUA).
A emoção de estarem tocando em São Paulo estava estampada nas palavras dos parceiros Korg e Guedz, que nos intervalos entre as músicas agradeciam a presença do público e enfatizavam a importância que a cidade sempre teve na história do The Mist. Korg arrancou gargalhadas ao reparar na barba branca dos fãs mais antigos e também por brincar ao falar das novas camisetas da banda, que estavam sendo vendidas no local: “Pô, vocês deram uma engordada, heim?”. Prosseguindo, cada música executada provava o quão à frente de seu tempo o The Mist estava em relação aos seus contemporâneos do vasto celeiro do thrash metal. Composições técnicas, obscuras, cheias de variações rítmicas e atmosfera melancólica, comandadas pelo vocal urrado e agonizante de Korg moldaram os citados primeiros álbuns do grupo – nos dois seguintes, o EP …Ashes to Ashes, Dust to Dust… e Gottverlassen (1995), além de contar com outra formação, o The Mist passou a usufruir de referências do metal industrial.
Ainda que os olhares dos fãs mirassem com admiração para Jairo Guedz, principalmente pelo respeito que nutrem por sua história no Sepultura, em que ainda como Jairo “Tormentor” gravou o EP de estreia Bestial Devastation (1985) e o debut Morbid Visions (1986), muitos se renderam à performance insana do também lendário Vladimir Korg. Em Scarecrow, o frontman ergueu uma cabeça de espantalho enquanto vociferava. Já em Hate, cantou empunhando a bandeira negra que traz escrito o mesmo sentimento que dá título à música. Outro grande momento do show foi quando o The Mist tocou as interligadas The Hell Where Angels Live, My Life is an Eternal Dark Room e My Pain, e também a monstruosa Falling Into My Inner Abyss, que considero não só a minha preferida da banda, como uma das maiores pérolas do thrash metal mundial. Ao final dessa, Jairo salientou que estava sendo a primeira vez que a banda a tocava ao vivo. Em outra pausa, ele deu os parabéns ao produtor, apresentador e manager Luciano Piantonni (Pegadas de Andreas Kisser (89FM), Rock Add, LP Metal Press), que estava aniversariando.
Para o encerramento, a escolhida foi The Enemy, de Phantasmagoria. No decorrer dela rolou uma breve pausa, na qual Korg aproveitou para fazer um discurso que veio totalmente de encontro com o que eu também penso sobre política: “Galera, eu gostaria que vocês levantassem seus dedos médios para todos os políticos filhos da puta, seja de qual for o partido. Esses filhos da puta têm que se foder, eles são nossos verdadeiros inimigos!”, esbravejou. Ao término da música, Korg ajoelhou-se e beijou o chão do palco. Foi um gesto emocionante. Depois disso, o quarteto se uniu na beira do palco e se despediu. Pena não ter havido tempo para a banda tocar o cover surpresa do Ministry, que estava programado. Senti falta no set de Faces of Glass, que teria completado a íntegra de Phantasmagoria, e da estonteante God of Black and White Images, que é uma das melhores de The Hangman Tree.
Após os quatro receberem os fãs ao final do show, Vladimir Korg e Jairo Guedz atenderam a ROADIE CREW para um rápido bate papo. Korg falou sobre o que lhe motivou a reativar a banda após tantos anos: “Urgência! O povo estava querendo e vimos que estava na hora. Quando muita gente está pedindo e você gosta e tem condição de fazer e sabe que terá o retorno dessa galera, por que não fazer? Além disso, queríamos rever os fãs e os amigos”. Sobre a ideia de um novo álbum, foi cauteloso: “A gente está reaprendendo a tocar essas músicas de novo, então, acho que temos que ouvir e falar muita coisa, porque um álbum é algo complexo. Temos essa retaguarda de termos dois discos considerados clássicos, assim sendo, um novo tem que ser pensado. De todo modo, estamos felizes de estarmos tocando juntos”, concluiu.
Satisfeito, Jairo falou sobre a presença do público em bom número: “Legal ver que podemos não estar no fim, mas sim em um novo ciclo do metal”. Também falou do retorno do The Mist: “É muito doido a gente voltar depois de 25 anos. Não era previsto isso. Só topamos fazer quando tivemos a certeza de que poderíamos entregar o que o público estava esperando. As pessoas respeitam o The Mist, nossa história é muito bacana, nossos discos são conceituais e bem legais, e eu e o Korg somos bastante respeitados. Falamos: ‘se for pra gente voltar, não será pra sermos apenas mais uma banda, mas sim pra atender ao que o público espera de nós’. Acho que estamos conseguindo fazer isso”. Sobre o reencontro com São Paulo, o guitarrista revelou: “Serei sincero, eu estava muito nervoso com esse show, porque, desde quando montamos o Sepultura, São Paulo sempre foi uma questão para a nossa vida, é meio que um termômetro para tudo no Brasil. Estamos muito felizes de ver essa galera, voltamos maduros como músicos e como homens, com os filhos crescidos”. Animado e confiante, Jairo comemorou: “Felizmente, a resposta dos fãs e da mídia está sendo muito boa. Eu quero isso: respeito, o mercado funcionando e todo mundo indo aos shows”, finalizou.
As próximas novidades que o The Mist está preparando para os fãs inclui um show especial para novembro e também o relançamento do álbum Gottverlassen, através da Voice Music.