Em menos de um ano, Tim “Ripper” Owens, ex-frontman de uma penca de bandas, sendo as principais Judas Priest, Iced Earth e Yngwie Malmsteen’s Rising Force, retornou três vezes ao Brasil. Um marca surpreendente em se tratando de um artista estrangeiro. Mas, no caso desse americano, há uma razão especial para suas visitas constantes. Ao final de seu mais recente show em São Paulo, realizado no último dia 30 de setembro, conversei com o vocalista no camarim do Gillan’s Inn English Rock Bar e, entre outras coisas, ele comentou sobre o que sente quando está em nosso país: “É incrível! Continuo voltando sempre. Amo o que construo aqui a cada vez que venho. Os fãs são demais, reconheci muita gente lá fora. Turnês por aqui são sempre amigáveis, me sinto em casa. Acho que, nesse período de um ano, essa foi a terceira vez que volto. É incomum, mas mantenho os ingressos baratos, meus honorários bem em conta… Esse foi o cachê mais baixo pelo qual já toquei, em qualquer lugar do mundo (N.R.: os preços variaram entre 45 e 110 reais), porque eu amo vir pra cá”. Dessa vez Owens realizou uma bateria de shows em território nacional, novamente para celebrar os álbuns que gravou com o Judas Priest: “Jugulator” – que em 2017 completa 20 anos – e “Demolition” (2001).
Infelizmente, a quantidade de público foi apenas razoável em São Paulo, não só por Owens ter tocado na cidade quatro meses antes, no mesmo Gillan’s Inn, mas também pela forte chuva e pelos altos valores que as pessoas gastaram com os festivais “Rock in Rio” e o estreante “SP Trip”, que haviam acontecido há poucos dias. Mas quem compareceu saiu satisfeito, inclusive com o show de abertura da veterana banda paranaense Dominus Praelii, que após quatro anos de ausência está retomando suas atividades.
Depois de breve introdução, Silvio Rocha e Erick Elenssar (guitarras), Renê Warrior (baixo), Didi Fernandez (bateria) e o vocalista colombiano Jorge Bermudez surgiram em cena despejando seu bem trabalhado heavy metal tradicional, em um set de quarenta e cinco minutos, em que a qualidade de som esteve muito boa durante todo o tempo. O grupo tocou músicas de seus três álbuns de inéditas, “Holding the Flag of War” (2002), “Bastards and Killers” (2006) e “Keep the Resistance” (2010). Entre as executadas, os grandes destaques foram a veloz “Hard Deadly Wheels”, “Cold Winds”, que tem uma pegada mais épica, e, principalmente, “Don’t Try to Change My Faith”, música constituída de riffs que remetem à uma fusão entre hard rock e Queensrÿche.
Duas coisas bem legais que aconteceram nessa apresentação foi quando no decorrer o ex-vocalista Ricardo Pigatto foi convidado a participar do restante do show, dividindo a função com Bermudez, e também quando nos intervalos entre algumas músicas Rocha explicava o conteúdo lírico dos temas tocados. Antes de “Leftraro is My Name”, o guitarrista revelou que cada disco do grupo aborda povos e batalhas distintos. Para o público que estava ansioso pela atração seguinte, a apresentação do Dominus Praelii, que se despediu com “Battle of Stanford Bridge”, foi um ótimo aquecimento.
Não demorou mais do que quinze minutos para que Tim “Ripper” Owensassumisse o palco, antecedido pelos mesmos músicos que o acompanharam em suas últimas visitas, os competentes Vulcano e Kiko Shred (guitarras), Will Costa (baixo) e Lucas Tagliari Miranda (bateria). Durante a conversa que tive com Owens após o show, ele rasgou elogios sobre os integrantes de sua banda brasileira: “É outra coisa incrível! Essa é minha quinta ou sexta vez com esses caras e eles são demais. Eu tenho algumas grandes bandas, uma aqui, que me acompanha bastante, e outra na Argentina também. Eu amo tocar com estes caras, eles ficam melhores a cada vez e temos ótimos momentos juntos”. E ele não exagerou. Os músicos estavam afiados e aproveitaram o entrosamento e a ótima qualidade de som pra fazer os fãs do Judas Priest agitarem nas músicas de “Jugulator” e de “Demolition”, e também em alguns clássicos da banda, gravados por Rob Halford em outros discos marcantes da banda inglesa.
O show começou com uma dobradinha de “Jugulator” formada pela própria música título, em que Owens chegou mandando ver nos agudos, e pela brutal “Blood Stained”. Como de praxe, ele perguntou seu nome (apelido) ao público e então anunciou “The Ripper”, de “Sad Wings of Destiny” (1976). A primeira de “Demolition” foi a pesada “Feed on Me”, que foi sucedida pela poderosa “Painkiller”, em que Owens deu uma verdadeira aula de vocal, justificando o porquê de ele ter sido a melhor escolha para assumir no Judas a vaga que Halford deixou um dia. A emocionante “Lost and Found” veio na sequência, talvez para dar um pouco de conforto a voz de “Ripper” Owens, que a rasgou sem dó na música anterior. Daí pra frente, só pedreira de novo: “Bullet Train”, “Grinder”, “Burn in Hell” e “Dead Meat”. Mas Owens tirou-as de letra.
O ponto divertido do show foi quando o vocalista pegou a guitarra de Vulcano, que desceu pra pista, e se enrolou pra tocar e cantar trecho do hino “Highway to Hell” do AC/DC. Mas ele persistiu nas duas funções e se virou bem (inclusive no solo) na sempre empolgante “Living After Midnight”, de “British Steel” (1980). Ao final, Owens brincou: “Está aí o porquê de eu ter me tornado vocalista”. Quando Vulcano voltou e retomou sua função, foram tocadas “Death Row” e “Hell Bent For Leather”, que finalizaram a primeira parte do set. Mas claro que não faltou o bis. Owens e seus asseclas retornaram ao palco rapidamente e mandaram “Electric Eye”, de “Screaming for Vengeance” (1982), e se despediram com “One on One”, outra de “Demolition”. Após uma hora e meia de show, Tim “Ripper” Owens saiu ovacionado.
Eu que já tinha tido a oportunidade de entrevistar Owens em 2015 para a seção ‘playlist’ da ROADIE CREW, quando veio à São Paulo acompanhado de outros três vocalistas lendários do heavy metal, Blaze Bayley, Udo Dirkschneider e Michael Vescera, novamente me deparei com um cara sem frescura e bastante simpático, que, mesmo sem pré-agendamento, cansado e há muitas horas sem dormir, aceitou nos conceder mais essa entrevista ao final de outro show eletrizante em São Paulo, como dito no início dessa matéria. Sem pauta, a conversa fluiu naturalmente, mas o engraçado é que, antes de começarmos, Owens me surpreendeu dizendo se lembrar da entrevista que fizemos da outra vez, agradeceu pela cópia que dei a ele da edição #203 da revista com a publicação da matéria – a qual ele fez questão de dar uma conferida – e me pediu para tirarmos uma selfie juntos, para ele mandar pra sua companheira via whatsapp. Confira agora o restante de nosso bate-papo:
Novamente você voltou ao Brasil para celebrar os dois álbuns que gravou com o Judas Priest. Como você analisa “Jugulator” e “Demolition” hoje em dia?
Tim “Ripper” Owens: Bem, amo os dois álbuns. Sempre gostei mais do “Jugulator”, mas curto muito o “Demolition” também graças a músicas como “Hell is Home”, “One on One”, “Machine Man”, “In Between”, “Lost and Found”… Há músicas ótimas nele. Sou orientado por riffs de guitarra e amo os de bandas como Pantera e Black Sabbath, e é por isso que amo o “British Steel”. Bem, hoje eu não sei qual eu acho melhor, “Blood Stained” é uma de minhas músicas favoritas, assim como “Cathedral Spires”. Eu penso que são discos bem diferentes, se Rob Halford tivesse cantado neles teriam sido mais bem aceitos, o que é normal. Mas acho que são grandes discos, feitos numa época adequada, e eu os amo. Lembro-me de quando eu estava em turnê, não sei se com o Dio Disciples ou com o Hail pela Rússia, e o cara do som tocou o “Jugulator”. Fazia tempo que eu não o ouvia e pensei: ‘esse disco soa foda!’. Sou bastante orgulhoso deles.
Particularmente gosto mais do “Demolition”.
Tim: Acho que o bom do “Demolition” é que ele é totalmente incorporado a melodia. Ele tem linhas bem melódicas, um som muito único. Não tocamos “Hell is Home” esta noite, mas a colocaremos de volta no setlist do próximo show, porque os caras da banda disseram que é uma das músicas favoritas deles deste álbum. A letra de “In Between” é incrível. As pessoas sempre dizem: ‘eu não me importo com as letras do Judas nos discos, se Rob Halford não estiver neles’. Eu entendo isso, mas sabe, Glenn (Tipton) escreveu muitas delas, como “The Ripper” e tal… Mas cara, você sabe, ele (Rob Halford) é o Metal God…
Falando em Halford, você tem conhecimento da opinião dele quanto aos discos que você gravou com o Judas Priest?
Tim: Eu não sei muito a respeito. Não sei se ele os ama, assim como amo os discos que vieram antes de mim. Você sabe o que quero dizer (risos). Mas Rob é um legítimo cavalheiro e isso mata a imprensa porque ela quer que ele odeie cada um dos dois. Ele é um grande cara.
No Brasil, geralmente, você enfatiza o Judas Priest em seus setlists. Há alguma chance de você retornar pra tocar coisas também de sua carreira solo, do Iced Earth, Yngwie Malmsteen’s Rising Force, Winter’s Bane, Beyond Fear e Charred Walls of the Damned, por exemplo?
Tim: Sim, tenho que fazer isso! As duas últimas turnês têm sido baseadas nos meus álbuns com o Judas. Quase sempre faço coisas como “When the Eagles Cries”, assim como um medley legal do Iced Earth, “Starting Over” e “Believe”, do meu disco solo, faço várias músicas diferentes. Estes caras que tocaram comigo hoje sabem “Starting Over”, eles querem tocá-la e eu continuo cantando-a. A tocamos na passagem de som e eles falaram que querem fazê-la. Costumamos fazer um medley bem legal do Iced Earth, com “Greenface”, “Red Baron/Blue Max” e “Ten Thousand Strong”. Provavelmente faremos isso no ano que vem, quando voltarmos, e misturaremos coisas de toda minha carreira.
Pra finalizar, você está sempre envolvido com muitos projetos. Quais são as suas novidades musicais?
Tim: No ano passado lançamos o novo álbum do Charred Walls of the Damned (“Creatures Watching Over the Dead”) e agora estou trabalhando em um com Chris Caffery (guitarra – Savatage, Trans-Siberian Orchestra) e Roy Z (guitarra – Bruce Dickinson, Halford, Tribe of Gypsies, Rob Rock, Driver). Neste momento temos onze músicas escritas e tentaremos lançá-lo em breve. Estou trabalhando em algumas músicas também com David Ellefson (Megadeth) em outro projeto menor, mas como estamos gravando com outras bandas, fazendo coisas diferentes, o principal agora é ter o disco com Chris Caffery. Spirits of Fire é o nome de nossa banda. Está bem legal, porque é uma mistura de Savatage com Judas Priest. Aliás, Caffery e Ellefson participaram de meu disco solo (N.R.: “Play My Game”, de 2009). Caffery escreveu a música “The Shadows are Alive” e David Ellefson e eu somos bons amigos há muito tempo, ele é um cara muito legal. Mixei e cantei numa demo do Killing Machine de três ou quatro músicas. Fiz algo com Sean Peck. Ele canta no… que merda, onde ele canta mesmo? (risos) Esqueci. Sou eu e ele… Ah, lembrei: Cage! Esqueci o outro vocalista agora (risos). É uma banda grande. Há três vocalistas cantando. Estamos trabalhando num álbum neste momento e acho que será incrível. E no próximo ano começarei um novo álbum solo.
TIM “RIPPER” OWENS – Setlist:
Intro
Jugulator
Blood Stained
The Ripper
Feed on Me
Painkiller
Lost and Found
Bullet Train
Grinder
Burn in Hell
Dead Meat
Living After Midnight
Death Row
Hell Bent for Leather
Electric Eye
One on One
DOMINUS PRAELII – Setlist:
Iuanchi – God & Demon
Leftraro is my Name
Get Out
Don’t Try to Change my Faith
Hard Deadly Wheels
Waves of War
Cold Winds
Battle of Stanford Bridge