Por Daniel Agapito
Fotos: Belmilson Santos
Não é surpresa para ninguém que o underground nacional abriga diversas bandas de alta qualidade, inclusive no metal extremo. Em São Paulo, a “cidade que nunca dorme”, há inúmeras casas de show, de todos os tamanhos, que abrem suas portas para bandas de diferentes estilos. Um dos ‘points’ do metal underground é o Red Star Studios, localizado na famosa Rua Teodoro Sampaio, conhecida por suas lojas de artigos e instrumentos musicais. Apesar do frio de 14 graus, o sábado, 24 de agosto, foi marcado pelo peso dos ícones do metal extremo Torture Squad tocando Devilish, seu último álbum, na íntegra, e das também veteranas bandas convidadas Siegrid Ingrid e Infamous Glory, que esquentaram o local.
Pontualmente às 20h30, o Infamous Glory, formado por Kexo (guitarra), Gustavo Piza (bateria), Leandro “Coroner” Domingues (vocal) e André Neil (guitarra) assumiu o palco. Para substituir o baixista Tonhão, a banda contou com a ajuda de Junera, amigo de longa data e ex-integrante entre 2003-2009. O show começou com a casa praticamente vazia, com menos de 30 pessoas na plateia. Mesmo assim, o quinteto entregou uma performance incrível, animando todos que estavam ali e justificando por que são uma das bandas mais longevas do underground nacional.
Devido à pequena quantidade de pessoas presentes e à natureza já inerentemente intimista do Red Star, Kexo, Coroner, Piza e Cia. interagiram bastante com os fãs, fazendo comentários sobre o repertório e animando com algumas tiradas, como quando anunciaram Ruthless Inferno, faixa do álbum Algor Mortis lançado este ano: “(Essa é) mais uma do novo (álbum), porque o objetivo mesmo é vender CD”. Em relação ao seu setlist, misturaram faixas de todas as fases da banda, com destaque justamente para o novo álbum, incluindo Corpse Fauna, Praising Insanity e In the Cold Mist of Death. Para finalizar, executaram um cover da “sexta melhor banda do mundo”, o brilhante At the Gates, para a icônica Blinded by Fear.
Vinte minutos antes das 22h, o Siegrid Ingrid, instituição da música extrema paulistana, subiu ao palco, liderado, como sempre, pelo carismático (Mauro) Punk. Quem já os viu ao vivo conhece bem a energia da banda. Punk, por exemplo, é ligado no 220v: pula, bate cabeça e faz altas caras e bocas. A felicidade genuína deles em estar no palco é contagiante. Fizeram um mix de músicas antigas, derivadas de seus dois primeiros álbuns, Pissed Off (1996) e The Corpse Falls (1999), além de algumas de Back From Hell, que foi lançado em dezembro do ano passado, após quase 25 anos sem um ‘full-length’. Antes de anunciar a pesada Never Again, o guitarrista André Gubber comentou que, com a banda entrando em hiato em meados de 2002, uma geração inteira ainda não conseguiu vê-los ao vivo, portanto eles estão se esforçando para fazer isso acontecer. O público, independente da geração, se animou bastante com o show, abrindo roda atrás de roda e gritando o nome da banda após cada música. O afeto foi recíproco, com Punk agradecendo a presença de todos, dizendo que aquilo era algo “impagável”.
Seguindo com a ideia do encontro de gerações, a banda contou com uma participação especial em The Falsity is True: o jovem e também cativante guitarrista Rafael Baroni. Descrito pelos integrantes como “um cara muito digno” e representante da “nova geração do death metal”, “Rafinha” impressionou de cara, não apenas por sua habilidade técnica acima da média, com uma mão direita invejável, mas também pela elétrica presença de palco. O garoto bangueava tanto que parecia que sua cabeça iria sair rolando do pescoço a qualquer momento. Conseguir agradar um bando de metaleiros underground aos 12 anos de idade é para poucos, mas Baroni fez isso com êxito. Não me surpreenderia se ele se tornasse um dos maiores guitarristas do estilo em um futuro breve. Creio que ainda escutaremos muito o nome de Rafa Baroni. Antes de Drásticas Consequências, Punk manteve o clima descontraído, comentando que devia ter “perdido uns três quilos”. Em seguida, tocaram Demência, um clássico “sem massagem”, de acordo com o próprio vocalista, do álbum The Corpse Falls. Curta, porém objetiva, a música instaurou ainda mais o caos, que àquela altura já comia solto. Eles fecharam o show com outros dois clássicos: a sempre incrível e indubitavelmente única Enéas e a derradeira Suicide.
O headliner Torture Squad assumiu o palco pouco depois do horário marcado, às 23h, com o estúdio já bem cheio. Quando as luzes foram apagadas para o início do show, os gritos dos fãs foram ensurdecedores. Hell is Coming, que também abre o novo álbum Devilish, tratou de aquecer a galera, que bangueava, cantava, pulava e filmava. Após mais duas pedradas de death metal impiedoso, Flukeman e Burned Alive, executaram Warrior, música originalmente gravada com a vocalista americana Leather Leone. A faixa destaca a versatilidade da banda, mostrando um lado mais voltado ao heavy metal tradicional. A frontwoman Mayara Puertas até brincou que nunca imaginaria o Torture gravando uma música como essa.
Antes de seguir para a próxima faixa, Puertas anunciou que todos os presentes naquela noite estariam participando de mais um capítulo da história da banda, pois as imagens do show estavam sendo capturadas para um videoclipe. Como já era de esperar, quando as primeiras notas de Sanctuary ecoaram, o público foi à loucura, abrindo uma roda de respeito no meio da pista. Em seguida, a banda tocou Uatumã, música ligeiramente progressiva e com um pé fincado em sonoridades tribais. Depois dessa, May comentou sobre os conceitos do álbum, explicando que surgiram de um período de reflexão que passaram na pandemia. Ela disse também que o disco não só critica problemas gerais da sociedade que os afligem, mas também aborda o estado precário do meio ambiente. No caso de Uatumã, ela faz referência ao vulcão mais antigo do mundo, que está dormente, imaginando-o como uma figura que tenta conter essa degradação ambiental.
No contexto do álbum Devilish, a faixa Find My Way sinaliza o início da fase que a banda chama de “Magnum Chaos”, descrita como o período de restauração pós-destruição e também o intervalo onde os integrantes experimentam mais, incorporando influências do metal progressivo, algo que nunca haviam feito juntos no palco. Ao ver o guitarrista Rene Simionato pegar o violão para essa música, um fã oportunista conseguiu arrancar risadas do resto do público ao gritar: “Boate Azul, porra!” – mas esse clássico de autoria de Benedito Seviero não foi tocado. No início de Find My Way, o ambiente virou de ponta-cabeça: a maioria das luzes se apagou e o que restou foi um sinistro tom de vermelho. Nesse clima, May Puertas deixou os guturais de lado e, ao som das palmas do público, Simionato assumiu de vez o violão.
Para a próxima, a equipe trouxe cadeiras e Simionato brincou dizendo que agora eles iriam tocar Eric Clapton. Também de forma descontraída, May comentou que estava cansada de cantar e iria se sentar: “Vocalista não tem um dia de paz…”. Em seguida, ela explicou a origem da instrumental Gaia recordando a turnê que a banda fez pela Europa em 2016. Na ocasião, ela estava sentada em um piano, tocando para expressar suas emoções, e o baterista Amílcar Christófaro gostou das melodias que ela tocou, sugerindo que fossem usadas para músicas do Torture. Apesar da surpresa da vocalista, a mesma melodia deu origem a três músicas: a instrumental Gaia, A Farewell to Mankind e The Last Journey, coincidentemente, as últimas três faixas de Devilish.
Depois de Devilish ser tocado na íntegra, o Torture Squad rapidamente deixou o palco. Com o relógio já passando da 00:30, Christófaro voltou ao palco e, zoando, perguntou: “Ainda estão aqui?” Após vários agradecimentos, ele disse o tradicional “E aí, São Paulo?”, mas rapidamente se retratou com seus pares, mandando um “E aí, Corinthians?”, para então perguntar: “Viram como soa melhor?”. Nesse momento, a reação do público foi mista. Como presente, tivemos um solo de bateria de Amílcar e um de baixo de Castor antes da execução de “um dos maiores hinos do metal nacional”: Raise Your Horns. E tome mais “bateção de cabeça”, punhos erguidos fazendo ‘horns up’ e uma roda maior do que todas as outras feitas naquele sábado. O quarteto prosseguiu tocando os clássicos da banda, fechando a noite com Storms, Murder of a God, Horror and Torture, Chaos Corporation e The Unholy Spell, totalizando 20 músicas (contando os solos de bateria, baixo e guitarra).
Se existe alguém que ainda acha que ninguém liga para o metal nacional, está muito, muito errado.
Infamous Glory – setlist:
Corpse Fauna
Praising Insanity
Macabre End
Ruthless Inferno
Into the Cold Mist of Death
Your Life is Mine to Ruin
Night Hunger
Nihilist Despair
Blinded by Fear (cover At the Gates)
Siegrid Ingrid – setlist:
Murder
Nojo
Forces
Never Again
Templo dos Vermes
The Falsity is True (com Rafa Baroni)
When You Die
Drásticas Consequências
Demência
Enéas
Suicide
Torture Squad – setlist:
Hell is Coming*
Flukeman
Burned Alive
Warrior
Sanctuary
Uatumã
Thoth
Mabus
Find My Way*
Gaia
Farewell to Mankind
The Last Journey
Solo de Bateria
Solo de Baixo
Raise Your Horns
Solo de Guitarra
Storms
Murder of a God
Horror and Torture
Chaos Corporation
Unholy Spell
*parte pelo sistema de pa
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